O que deixou de ser feito pelo Estado e poderia ter evitado tragédia em SP
Os governos federal, do estado de São Paulo e do município de São Sebastião foram alertados sobre as fortes chuvas e as áreas de risco no litoral norte.
Dados de diferentes órgãos indicam que os problemas na região eram conhecidos há anos. O poder público também deixou de investir verbas na prevenção de desastres naturais.
A tragédia aconteceu no fim de semana de Carnaval e deixou dezenas de mortos e desaparecidos, principalmente em São Sebastião.
Governos sabiam do risco da chuva
O governo federal e de São Paulo receberam com antecedência alertas sobre o risco de deslizamento de terra na Vila do Sahy, região que concentra o maior número de mortes. A informação é do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), órgão que monitora municípios vulneráveis a desastres naturais e emite alertas aos órgãos responsáveis.
O Cemaden diz que entregou uma lista com todas as áreas em risco na região. O órgão acionou o governo federal e a Casa Militar de São Paulo para uma reunião na sexta-feira (17) alertando sobre o risco elevado no litoral norte.
A Defesa Civil classificou a chuva como "sem precedentes". O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), reconheceu que o disparo de SMS's de alerta não tiveram a efetividade esperada.
O prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), afirmou ao UOL News que sua gestão tenta diariamente tirar pessoas de áreas de risco. "O monitoramento de áreas de encostas é constante, todas as áreas de risco são monitoradas de forma intensa".
MP indicou risco há dois anos
Uma vistoria do Ministério Público de São Paulo na Vila Sahy em novembro de 2020 apontou problemas. A inspeção ocorreu após a prefeitura pedir uma análise do projeto "Regularização Fundiária Sustentável". A proposta era de urbanizar e legalizar a situação dos imóveis.
A gestão municipal reconheceu "situações de alto risco a escorregamentos", mas não informou se havia a necessidade de remoção das casas. O plano tinha "informações imprecisas, como a quantidade de famílias que deverão ser removidas ou readequadas", segundo a promotoria, que pediu uma atualização do número de moradores da região.
A prefeitura foi procurada ontem, mas não retornou. Augusto não falou sobre a questão específica na entrevista, mas disse estar fazendo "o maior programa de regularização ambiental e fundiária da história no município". "Estou muito além do cronograma estabelecido pelo Ministério Público", disse.
Casas em áreas de alto risco apontadas há 4 anos
Um relatório de 2018 mostrava que havia em São Sebastião 161 moradias em áreas de risco alto para deslizamentos. O documento do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) apontou ainda que 2.043 moradias estavam em áreas de risco médio ou baixo para deslizamentos no município.
O documento não listou casas na área da Barra do Sahy. Isso mostra que pode ter tido uma ampliação da ocupação irregular desde a publicação do relatório, segundo o diretor técnico do IPT, Fabrício Mirandola.
O prefeito falou sobre a dificuldade de remover as pessoas de suas casas. "As pessoas não saem, as pessoas permanecem nas áreas. Falar é fácil. Na hora que a gente inicia o programa de demolição, a comoção popular é enorme, a pressão é violenta."
Demora em reduzir áreas de risco
A prefeitura de São Sebastião acumula condenações judiciais para regularizar, levar serviços básicos e reduzir riscos de áreas ocupadas. São 37 processos ao longo de três anos, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Grande parte das moradias está em regiões de risco, como a Vila Sahy.
Os juízes afirmam que houve omissão "histórica" das gestões municipais nas últimas décadas, segundo sentenças obtidas pelo jornal.
A prefeitura diz que está regularizando 44 das áreas apontadas nas ações, mas não informa prazo para conclusão. Disse ainda que finalizou a regularização de outras três áreas no ano passado.
Sem dinheiro para prevenção
São Sebastião está desde 2013 sem receber dinheiro da Defesa Civil paulista para a prevenção de desastres naturais. A última vez que a cidade recebeu recursos para ações preventivas foi em 2013 — a quantia foi de R$ 1,76 milhão, segundo reportagem do site Metrópoles.
Das seis cidades que decretaram estado de calamidade por causa do temporal, apenas Ubatuba recebeu verba de prevenção a desastres no ano passado. A quantia foi de R$ 2,2 milhões. A Defesa Civil não respondeu aos questionamentos do Metrópoles. O órgão também foi procurado pelo UOL.
Governos não investiram toda verba
Governos paulistas investiram 62% da verba aprovada para prevenção de desastres naturais nos últimos doze anos. Havia R$ 10,4 bilhões disponíveis, mas os governadores usaram R$ 6,4 bilhões, segundo levantamento feito pela GloboNews.
Os recursos serviriam para obras e ações para evitar tragédias como a ocorrida no litoral norte.
A verba aprovada para Infraestrutura Hídrica e Combate a Enchentes para 2022 foi recorde. O valor era de R$ 1,99 bilhão, mas o governo investiu R$ 1,72 bilhão. Ou seja, pouco mais de R$ 271 milhões deixaram de ser investidos.
A GloboNews questionou a assessoria de imprensa dos ex-governadores sobre o assunto. João Doria (PSDB) não respondeu sobre a execução orçamentária no combate a enchentes entre 2019 e 2022.
Márcio França (PSB) disse que teve restrições legais de gastos em ano eleitoral. Geraldo Alckmin (PSB) informou que, durante os anos de 2015 e 2016, a verba destinada a essa área foi utilizada para atenuar os impactos da crise hídrica. O governo Tarcísio disse que, em 2023, o orçamento estimado para a área é de aproximadamente de R$ 1,213 bilhão.
Falta de alerta por sirenes
Tarcísio disse hoje que o governo vai instalar sirenes em áreas de risco. A medida é usada em cidades como Petrópolis (RJ), atingida por chuvas que deixaram 241 mortos no ano passado.
O uso de sirenes como solução permanente é "extremamente cruel", diz Álvaro Rodrigues, geólogo que presta consultoria para empresas de engenharia e trabalhou no IPT.
Ele diz apoiar a instalação de alertas sonoros em áreas de risco, mas alerta que a medida deve ser apenas "emergencial", já que muitas vezes são tratadas como muleta de gestão de risco por representar baixo custo aos cofres públicos.
Seria muito interessante ver como as autoridades públicas responsáveis por esse crime de omissão reagiriam fossem eles os moradores em áreas de risco, vendo-se submetidos à brutalidade de, ao som de uma sirene, ou de um torpedo no celular, deixar suas casas às 3 horas da manhã sob chuva torrencial, carregando idosos, crianças, doentes e parentes com necessidades especiais para fugir do barro e das pedras Álvaro Rodrigues
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