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'Virei atendente e aguardo uma chance há anos': a espera pelo Mais Médicos

Rafael Figueredo, de Cuba, e Adriana Urbaneja, médica venezuelana, aguardam novo Mais Médicos - Arquivo pessoal
Rafael Figueredo, de Cuba, e Adriana Urbaneja, médica venezuelana, aguardam novo Mais Médicos Imagem: Arquivo pessoal

Heloísa Barrense

Do UOL, em São Paulo

13/04/2023 04h00Atualizada em 13/04/2023 09h55

O presidente Lula (PT) anunciou a retomada do programa Mais Médicos em março. A expectativa é de que sejam abertas 15 mil vagas ainda neste ano, segundo o Ministério da Saúde.

O edital completo do programa ainda não foi divulgado, mas há muita expectativa dos médicos em torno do novo formato.

O UOL ouviu alguns profissionais que já atuaram ou têm interesse em se inscrever no programa. Veja os relatos:

'Aguardo oportunidade há 3 anos e vou para qualquer lugar'

Adriana Urbaneja, 35, da Venezuela, formada na Universidade Nacional Experimental Francisco de Miranda (Venezuela)

Vim para o Brasil há três anos. Viajei para trabalhar na minha área, já que amo ser médica, e receber um pagamento melhor. Na Venezuela, ganhava US$ 10 mensais, o equivalente a R$ 50. Não dava para me manter.

Atualmente, trabalho em um restaurante, onde sou atendente, e atuo como cuidadora de idosos. Não trabalho como médica no Brasil porque não fiz o Revalida (Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos).

Adriana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Adriana estudou por sete anos e tem dez anos de formada
Imagem: Arquivo pessoal

Não tenho dinheiro para bancar a prova, que pode chegar a R$ 4 mil. O valor é muito alto e tenho duas filhas para criar. Além disso, conheço muitas pessoas que tentaram e não deu certo.

Mas quero voltar para a minha área. Estudei durante sete anos e tenho dez anos de formada e, durante esse tempo, fiz muitos cursos na área da saúde. É uma lástima estar trabalhando em outra coisa.

Estou com esperanças e tenho muita expectativa com o novo edital. Amo atender a população, não vejo problema em viajar para o interior e atuar com os indígenas.

'Expectativa frustrada'

João Paulo Fernandes Caixeta Domingos, 26, de Goiânia, formado na UFG (Universidade Federal de Goiás)

Quando eu fiquei sabendo que o programa seria retomado, fiquei com uma expectativa positiva. Atuo em uma comunidade quilombola na zona rural de Teresina de Goiás (GO). Faço parte do 24.º ciclo, que foi o último edital a ser liberado do antigo programa.

Com o anúncio, acreditava em um reajuste da bolsa salarial, já que são 4 anos sem isso, e num plano de carreira, um projeto de fixação no município de local de trabalho.

João Paulo - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O médico João Paulo teve expectativas frustradas após ver as principais mudanças do programa
Imagem: Arquivo pessoal

Mas, depois que o Ministério da Saúde divulgou as principais mudanças, a sensação foi de decepção. Não houve muita alteração e não há nenhum plano para nós após o programa. O médico continua vulnerável, sem garantias de que vamos conseguir permanecer na cidade em que atuamos ou de que o programa vai continuar depois do fim do atual governo.

Eu me formei em 2021 e trabalho no programa Mais Médicos há 1 ano e três meses. A minha experiência tem sido boa, é muito bom poder ter um vínculo com o Ministério da Saúde e não prefeitura —porque é menos vulnerável, sabemos que o dinheiro não vai ser atrasado.

Tem ainda a parte de formação e capacitação do profissional, fazemos pós-graduação e recebemos certificados. É interessante tanto para a parte profissional quanto a acadêmica.

Mas a sensação é de que o governo brasileiro quer aumentar muito a oferta de médicos para conseguir levar assistência de saúde para lugares mais remotos. Será que é apenas uma questão de aumentar a oferta? Não seria necessário também oferecer melhores condições e uma estabilidade maior para o profissional —que estudou, se graduou, fez especialização durante o projeto e tem competência?

Será que a gente realmente precisa de médicos de fora, sem a revalidação do diploma, para atuar no país? A minha expectativa atual depois que teve esse anúncio foi de uma certa frustração.

'Não vejo pontos negativos'

alberto - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O médico Alberto acredita que o programa é positivo
Imagem: Arquivo pessoal

Alberto de Carvalho Wagner Neto, 39, de Campos dos Goytacazes (RJ) formado na Universidade Nacional Ecológica em Santa Cruz de La Sierra (Bolívia)

Recebo com muita alegria o novo programa, porque ele levou e leva até hoje médicos onde aqueles que são formados no Brasil não querem ir. Para os confins do país, para periferias e favelas. Muitos dos médicos formados no exterior têm o sonho de voltar ao Brasil, e o programa Mais Médicos dá essa oportunidade.

Participo do programa desde 2017 e meu contrato deve terminar agora, em abril.

Trabalho com atendimento primário na capital do Rio. Durante dois anos, fiz vários cursos pela UNA-SUS (Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde) para sempre estar atualizado com os novos tratamentos e medicamentos.

Durante a pandemia, foquei em atender pessoas com covid-19 —cheguei a atender mais de 100 pacientes em um único dia.

Acredito que vamos voltar a ter médicos nesses lugares, onde o Brasil carece, então não vejo pontos negativos nesse programa. Mas também não acho que precise trazer médicos de outras nacionalidades, porque temos muitos médicos brasileiros formados no exterior, e defendo que a revalidação do diploma seja feita de forma justa.

A prova é muito extensa, dura o dia inteiro, com questões de todas as especialidades da medicina. O especialista consegue fazer o que é da especialidade dele, mas não toda a prova. É injustificável.

'Quero ser contratado novamente'

Rafael - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O médico Rafael não acredita que o programa dê privilégios para médicos de outras nacionalidades
Imagem: Arquivo pessoal

Rafael Lahera Figueredo, 45, de Santiago de Cuba, formado no Instituto Superior de Ciências Médicas de Santiago de Cuba

Cheguei ao Brasil em 2013 e já tive duas passagens pelo Mais Médicos. É um programa que sempre priorizou o médico brasileiro com CRM, depois para os formados no exterior. Então não acredito em vantagem.

A primeira vez foi em Baturité (CE), onde fiquei 6 anos em uma zona rural. Os pacientes, sem médicos há anos, não acreditavam que eu ficaria tanto tempo com eles. Nas primeiras semanas, atendia entre 60 a 80 pessoas com doenças crônicas, como hipertensão arterial, diabetes e asmas, que não estavam controladas.

Depois de um tempo, fiquei muito feliz, porque os atendimentos baixaram para 10 a 15 por dia. Foi muito gratificante.

Mas o encerramento do contrato foi muito duro. Minha família em Cuba, que precisa de remédio e alimentação, depende economicamente de mim. Então, trabalhei por um período em um laboratório de análises clínicas até ser chamado novamente pelo programa.

Fiquei dois anos no principal posto de saúde da cidade de Pacoti (CE). Quando fui desligado, foi difícil outra vez.

Na época, já tinha feito a parte teórica da Revalida e, meses depois, fiz a prova prática. Reprovei na primeira tentativa, mas, quando finalmente passei, esperei quase seis meses para que a minha formação fosse processada e meu certificado liberado.

Hoje, voltei a atuar em Baturité, mas aguardo o edital do Mais Médicos para ter os benefícios.

Quais são as novidades do programa?

  • Médicos que trabalhem em municípios mais vulneráveis receberão bônus de até 20% após dois anos.
  • Profissionais que são beneficiários do Fies terão bônus de até 80% após dois anos.
  • Médicos da família que são beneficiários do Fies terão oferta especial de vagas. Eles poderão usar a bolsa para pagar financiamento estudantil. E terão pontuação extra em seleções para residência.
  • Médicas grávidas ganharão bolsa para complementar valor do auxílio do INSS num prazo de até seis meses.
  • Médicos que serão pais passam a ter direto a licença-paternidade de 20 dias com bolsa.
  • Profissionais do programa poderão fazer mestrado em até quatro anos --além de especialização.
  • Serão incluídos profissionais especializados, dentistas e enfermeiros.

Relembre a história do Mais Médicos

mais médicos - Karina Zambrana/ASCOM - Karina Zambrana/ASCOM
Programa Mais Médicos foi criado no governo Dilma Rousseff
Imagem: Karina Zambrana/ASCOM

O Mais Médicos foi criado no governo de Dilma Rousseff (PT). A versão inicial do programa, de 2013, previa a contratação de médicos brasileiros em primeiro lugar, brasileiros formados no exterior e depois estrangeiros que quisessem atuar no Brasil.

Sem conseguir preencher todas as vagas, o governo terminou por fazer também um contrato com o governo de Cuba para que médicos do país viessem trabalhar nas cidades mais distantes. O contrato causou reclamações de associações médicas brasileiras e de parlamentares da oposição.

No final de 2018, ainda no governo Temer, o governo cubano decidiu rescindir o contrato citando "declarações ameaçadoras" do então presidente eleito Jair Bolsonaro, que tinha intenção era reformular o Mais Médicos.

Com a pandemia de covid-19, a mudança não foi feita. Mas o atendimento, restrito a médicos brasileiros, ficou menor.

Agora, ainda não há uma decisão sobre a vinda de médicos de outros países para atuar no programa.

O governo também informou que os brasileiros e estrangeiros que atuam no Mais Médicos terão desconto de 50% na prova de revalidação.

*Com informações da Reuters