Afegão vende casa e desfaz empresa para morar no Brasil: 'Vivia em perigo'

Quando o Talibã assumiu o poder em 2021 no Afeganistão, o empresário A.*, 44, teve que vender a casa pela metade do preço e se desfazer de uma empresa de engenharia civil. Ameaçado pelo movimento fundamentalista, ele fugiu com a família — primeiro para o Irã e, depois, para o Brasil, onde agora encontrou uma oportunidade de recomeçar.

"Depois que o Talibã tomou o poder, algumas pessoas iam até a minha casa perguntar onde eu estava. Então, sugeriram que eu saísse do país porque a minha vida e a da minha família estava em perigo. O meu filho mais velho estava terminando o ensino médio, queria entrar na faculdade, mas naquele momento não podia", relembra ele ao UOL por meio de um intérprete.

A. é formado em engenharia civil no Afeganistão e comandava uma empresa no ramo há 7 anos — até a tomada do Talibã. Entre os clientes estavam o governo afegão e as forças norte-americanas.

Casado e pai de seis filhos - de 4, 7, 11, 14, 17 e 21 anos - A. é quem sustenta a família atualmente. Nesta semana, ele conseguiu um emprego em serviços gerais na União Química, que também contratou uma mulher e outros quatro homens em situação de refúgio por meio de uma ação com a Secretaria da Justiça e Cidadania de São Paulo.

O trajeto até Guarulhos, por sua vez, não foi fácil. Após a tomada do Talibã no Afeganistão, A. ficou viveu seis meses de "horror", com ele classifica. Os filhos estavam privados de estudar e ele sentia que vivia sob a sombra de um perigo iminente. A solução foi buscar refúgio no país vizinho, o Irã, cujo idioma oficial também é o persa.

"Foi muito difícil conseguir um visto para sair de lá, porque o valor para entrar no Irã estava três vezes maior que o normal", relembra.

A realidade que eles encontraram no país, no entanto, não foi melhor. Lá, os estudos e o trabalho também eram escassos. "Tivemos muitos problemas financeiros. Não tinha trabalho, não tinha dinheiro. Foi um tempo muito difícil para a família."

Até conseguir o visto humanitário no Brasil, A. passou cerca de um ano no Irã. Para custear a vinda, ele precisou se desfazer de tudo o que havia construído no Afeganistão. A casa onde morava foi vendida pela metade do preço que valia. O carro e os móveis também foram desfeitos. E a empresa teve que encerrar as atividades.

Há um mês, a família de A. conseguiu desembarcar no Aeroporto Internacional de São Paulo-Guarulhos. Ficaram no local por dois dias. Desde o ano passado, um acampamento improvisado mantém os refugiados até o momento da acolhida pelas organizações competentes. "Depois fomos para o abrigo, onde estou há 40 dias. Estou muito feliz lá."

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Os filhos voltaram a estudar, a família tem acesso à saúde pública e, agora, A. pode trabalhar.

O Brasil está dando oportunidades que outros governos não dão. As coisas estavam muito difíceis. As pessoas que chegam aqui tinham bons trabalhos. Viemos nessa condição [de refúgio], mas podemos oferecer muitas habilidades.

A. vê com bons olhos um recomeço no país. "Gosto do Brasil, especialmente das pessoas. São muito gentis. E também gosto do clima daqui. É muito bom."

Apesar da nova vida, A. diz ainda temer pelos amigos e familiares que ficaram no Afeganistão e não estão conseguindo visto humanitário para deixar o país.

Mais de mil civis afegãos foram mortos desde a partida das forças estrangeiras e a retomada do poder pelo Talibã no Afeganistão, segundo relatório da missão das Nações Unidas publicado no final de junho.

*O nome do entrevistado foi omitido a pedido para preservar sua identidade.

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