'Sem paz': mãe narra saga para enterrar filho achado morto há 2 anos

Maria Fátima Franco, 61, diz sentir "a maior dor de sua vida" por não conseguir viver o luto pelo filho Carlos Eduardo Prado. Ele desapareceu aos 34 anos em 2019, mas seu corpo só foi achado um ano e oito meses depois.

Quando a ossada do filho foi encontrada, Maria imaginou que poderia, enfim, sepultar Carlos, mas um erro em um documento impediu o enterro.

"Meu chão desabou, voltamos para a estaca zero. Dois anos para encontrar o meu filho e, quando encontro, não posso fazer o mínimo que é enterrá-lo", diz ela, moradora de Viamão, na região metropolitana de Porto Alegre.

O caso

Em 15 de outubro de 2019, Carlos saiu para trabalhar, como de costume: ele fazia entregas como motoboy para uma pizzaria no centro de Porto Alegre. Naquele dia, porém, não voltou para casa.

Maria conta que só soube do desaparecimento do filho após uma ligação do chefe do rapaz, que estava preocupado se ele havia retornado.

A moto usada por Carlos para trabalhar foi encontrada no dia seguinte ao desaparecimento, em frente à casa de um senhor, que ligou para o número que constava no baú do veículo. O idoso disse ter estranhado a moto parada ainda com a chave.

"Chamei um vizinho para me levar ao local para buscar a moto. Ali, passei a suspeitar que alguma coisa tinha acontecido com meu filho. Eles só trabalhavam na área do centro, não atendiam esse bairro [onde estava a moto]. Mas ele foi até esse local e deixou a moto da empresa lá, perto de uma mata fechada."

Começou, então, a saga da família para encontrar Carlos. "Queria encontrar meu filho, independentemente de como fosse, só queria poder abraçá-lo ou enterrá-lo", diz Maria.

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Em junho de 2021, um ano e oito meses após o sumiço, um rapaz encontrou uma ossada enquanto realizava uma trilha em uma mata do bairro Nonoai, na zona sul de Porto Alegre. Os restos mortais foram encaminhados para o Departamento Médico-Legal do Instituto-Geral de Perícias (IGP).

O primeiro exame de DNA para identificar se a ossada era de Carlos foi feito em março de 2022: o resultado foi compatível entre Maria e o material encontrado. Para confirmar, um novo teste foi realizado com a filha do desaparecido —que confirmou a morte de Carlos.

Maria Fátima perdeu filho caçula em acidente e agora enfrenta saga para enterrar Carlos
Maria Fátima perdeu filho caçula em acidente e agora enfrenta saga para enterrar Carlos Imagem: Arquivo pessoal

"É tudo muito doloroso. Gastei o que não tinha, gastei o meu emocional. Este foi o dia em que enterraram minhas esperanças." A causa da morte não foi esclarecida.

Depois disso, a filha de Maria foi ao cartório para registrar o óbito, em outubro de 2022, mas, por um erro na documentação que recebeu do médico legista, não conseguiu.

"Disseram que não era possível porque, no local do endereço dele, colocaram o endereço de onde o corpo foi encontrado."

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A família teve, então, de procurar a Defensoria Pública para conseguir o registro da morte —e, finalmente, sepultar Carlos. "Achei que assim resolveria. Mais um ano se passou e tudo o que eu faço é esperar. Nada se resolve, é tudo muito demorado. Para mim que sou mãe, é uma vida", diz Maria.

Os restos mortais de Carlos estão sob custódia do IGP, conservados por meio de um processo químico.

É a maior dor da minha vida. Já vivi a dor da perda [ela perdeu o filho caçula em um acidente de trânsito], mas é diferente você saber que ele está ali e não pode dar um enterro. A filha dele segue esperando por isso, eu sigo esperando por isso. Meu coração só vai ter paz quando tudo for completado.
Maria Fátima Franco

Declaração imprecisa

O IGP disse que a declaração de óbito de Carlos foi emitida em outubro de 2022 com imprecisão: no campo do endereço residencial da vítima, constava o local onde foram encontrados os remanescentes ósseos.

Segundo o IGP, ao constatar o erro, o médico legista emitiu um formulário de retificação, corrigindo a informação. O formulário e a declaração de óbito foram entregues à família para que o óbito fosse registrado em cartório, disse o IGP.

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Após esse fato, ainda de acordo com o IGP, a família não retornou para informar sobre a negativa do cartório em emitir a certidão de óbito.

"Os remanescentes ósseos de Prado estão sob custódia do IGP e serão liberados assim que o registro em cartório for realizado."

O órgão disse, ainda, que após tentativas de contato telefônico, uma equipe do IGP foi até Viamão nesta quinta-feira para contatar a família e esclarecer o fato, mas não a localizou. "O IGP se coloca à disposição para auxiliar a solucionar o impasse."

Segundo o defensor público Rodrigo Gomes Pinho, que deu início ao processo, o caso é de fácil solução.

Esse registro tardio e a retificação da certidão de óbito, registrada de forma incorreta, é muito comum. Esse tipo de processo não demora. Nesse caso específico, está se alastrando um pouco mais, por causa de algumas peculiaridades.
Rodrigo Gomes Pinho, defensor

Segundo o defensor, a família procurou a Defensoria no fim de dezembro, um dia antes do recesso. "Fizemos a petição inicial no dia 19 de dezembro, só que, como no dia 20 entramos em recesso, o despacho aconteceu somente no dia 10 de janeiro." Ele disse, ainda, que alguns documentos adicionais estão sendo pedidos à família.

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Procurado, o Foro de Viamão, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, informou que o processo segue em análise.

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