SP: O que explica a falta de energia em tantos locais e a demora em voltar

A tempestade que atingiu o estado de São Paulo na sexta-feira (3) deixou sete mortos e mais de 2,1 milhões de imóveis sem energia elétrica. A falta de energia já chega a quase 90 horas em 200 mil casas na capital paulista, com prazo para restabelecimento total hoje.

Entenda os fatores que podem ter contribuído para a falta de eletricidade.

1. Chuva forte, ventania e queda de árvores

A cidade de São Paulo teve rajadas de vento com mais de 100 km/h na sexta. Não havia registro disso desde 1995, segundo dados do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências) da prefeitura.

Ventos acima de 60 km por hora podem derrubar árvores saudáveis e ruins. Podas mal feitas, a ocupação do entorno das árvores também podem levar a quedas, segundo especialistas ouvidos pelo UOL. A Defesa Civil registrou 2 mil ocorrências por quedas de árvores em 40 municípios paulistas. A Prefeitura de São Paulo diz que, de janeiro até agora, realizou mais de 150 mil podas (o mesmo número de todo o ano passado) e 10 mil remoções de árvores que não estavam saudáveis.

O presidente da Enel disse que a queda de cerca de mil árvores foi o maior problema porque afetou a rede de energia elétrica. Em entrevista à Folha, Nicola Cotugno afirmou que das 1.400 quedas registradas, mil caíram na rede elétrica. "Essa ventania afetou não apenas as linhas. Tivemos que retirar, recolher e instalar postes. Mobilizar centenas de equipamentos e reconstituir quilômetros de rede. Esse trabalho não é feito por qualquer profissional em curto prazo", explicou.

A eletricidade é gerada longe de onde é usada. Por isso, existe um sistema: ele pega a eletricidade e se conecta por fios até onde será usada. Se a gente olhar de longe parece uma rede mesmo, são todos os fios conectados na cidade. Quando os postes são atingidos por fortes ventos, isso danifica a rede, os fios e equipamentos que ligam todas essas coisas. Por mais que o poste em si não caia, quando uma árvore cai nos fios pode causar um curto-circuito, problema no transformador. Essa troca é complexa e se não se repara todos os pontos, não pode religar.
Marcos Amaral, professor de Engenharia Elétrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie Campinas (SP)

O prefeito de São Paulo disse que a concessionária é a responsável pela realização das podas das árvores perto da fiação elétrica. Em entrevista ao UOL News ontem, Ricardo Nunes (MDB) disse que há mais de 3.600 ordens de serviço atrasadas para isso. Procurada, a Enel não respondeu sobre o assunto em específico, mas disse que os profissionais da companhia seguem trabalhando 24 horas por dia para agilizar atendimentos e normalizar o fornecimento dos clientes até hoje.

Apesar das justificativas, a Enel está sendo cobrada a prestar esclarecimentos sobre o apagão. O Ministério da Justiça e o Procon-SP notificaram a concessionária e o Ministério Público de São Paulo vai apurar se houve omissão no atendimento aos consumidores afetados. Já o prefeito paulistano ameaçou ir à Justiça caso o serviço não fosse normalizado hoje.

2. Rede de energia subterrânea pequena

O enterramento dos cabos é apontado como solução para evitar apagões generalizados. São Paulo, assim como a maior parte do país, tem rede de energia elétrica aérea, sistema mais sujeito a interrupções por fatores como chuvas e ventos.

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O custo é apontado como um dos principais entraves. A rede enterrada é 11 vezes mais cara que a aérea, e sua viabilidade dependeria da criação de uma taxa aos consumidores, segundo as autoridades.

De acordo com a Enel, apenas 6% dos 43 mil quilômetros de rede elétrica em sua área de concessão são enterrados — a avenida Paulista é um dos poucos exemplos. Uma iniciativa foi lançada em 2017 pelo então prefeito João Doria (à época no PSDB), mas não avançou.

3. Enel cortou colaboradores

Clientes afetados pelo apagão atribuíram a demora no atendimento à falta de pessoal. A Enel cortou 36% de seus colaboradores em São Paulo desde 2019 até o terceiro trimestre de 2023. O número de funcionários caiu de 23.385 para 15.366 em quase quatro anos. No mesmo período, o número de consumidores atendidos pela empresa subiu 7% — atualmente são 7,85 milhões de imóveis atendidos na Grande São Paulo.

A concessionária nega que a redução no número de funcionários tenha afetado o serviço. "O número que foi citado [de demissões] é um número geral, onde estão administrativos, todas as pessoas que temos na empresa. Não são pessoas de campo, especialistas. Essa parte da empresa ficou praticamente igual", disse Cotugno. Ele também citou investimentos de R$ 1,9 bilhão no ano passado.

O prefeito de São Paulo chamou o contrato de privatização com a Enel de 'mal feito'. A empresa é controladora da Eletropaulo desde 2018 e segue regras previstas em contrato de 1998 com duração de 30 anos.

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Foi [mal feito]. O contrato é com o governo federal, que o rege. Houve lá o erro. Precisa haver uma readequação desse contrato para essa questão das mudanças climáticas. Não é possível que a Enel, com todos esses problemas, tenha um volume pequeno de equipes perante o tamanho do nosso problema. Ricardo Nunes ao UOL News

4. Falta de plano de contingência

O governador e o prefeito de São Paulo cobraram planos das empresas responsáveis pela distribuição de energia. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Nunes se reuniram ontem com as concessionárias e acordaram que elas devem priorizar a normalização de energia nas cidades, mas também estruturarem planos de contingência para eventos futuros.

Como vamos nos preparar melhor para esses eventos, principalmente no fluxo de informações? Quando fazemos uma análise, percebemos que houve problema de fluxo de comunicação, falhou. Temos que ter essa comunicação extremamente azeitada.
Tarcísio de Freitas, governador de SP

O presidente da Enel rebateu as críticas à atuação da companhia argumentando se tratar de um evento extraordinário. "Não é para nos desculparmos, não. O vento foi absurdo."

Temos que fazer um debate sobre a mudança climática. Em 2021, faltou água em todo o país, agora temos muita água e muito vento. Agora, é preciso um olhar diferente.
Nicola Cotugno em entrevista à Folha

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