Minoria no serviço público, negros recebem até R$ 3 mil a menos
Maioria da população brasileira, pessoas negras são minoria no serviço público federal, ganham menos do que brancos, em média, e estão distantes de ocupar os cargos mais altos na hierarquia.
O que acontece:
Pessoas negras estão sub-representadas no serviço público. Pretos e pardos representavam 56,2% da população brasileira em 2022, segundo o IBGE, enquanto o percentual de servidores era de 36%, conforme dados do Observatório de Pessoal, mantido pelo governo.
Quanto mais alto o cargo, menor a representatividade. Levantamento do República.org, instituto criado para melhorar a gestão de pessoas no serviço público, mostra que apenas 35 dos 240 cargos DAS (Direção e Assessoramento Superior) de nível 6, o mais elevado na hierarquia do Executivo Federal, eram ocupados por pessoas negras. Os dados mais recentes são de 2020, portanto não abrangem o governo Lula.
Distância salarial comprova desigualdade. Homens brancos tinham remuneração líquida média mensal de R$ 8.774,20 em 2020 — R$ 2.502 a mais do que homens negros e R$ 2.958,70 a mais que mulheres negras.
Isso é um reflexo do que acontece de maneira geral, o serviço público não está apartado do que acontece no resto da sociedade. Não é que elas entram ganhando salários mais baixos que homens na mesma posição. O concurso garante que ganhem a mesma coisa na entrada, a questão é como vai ser a trajetória dessa mulher e desse homem. As oportunidades que se apresentam não são tão vantajosas para mulheres, principalmente para mulheres negras. Vanessa Campagnac, gerente de dados e comunicação da República.org
Mulheres negras são minoria em cargos de liderança
No governo federal, apenas 11,8% das mulheres ocupam cargos de gestão, segundo o levantamento. Os dados foram compilados da PNADc (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) de 2022. Para além do racismo e o machismo estrutural, Vanessa aponta que a segunda jornada de trabalho das mulheres com tarefas domésticas e criação dos filhos contribui para diminuição do tempo para que elas se dediquem a cursos e aperfeiçoamentos profissionais.
A diplomata Paula Cristina Pereira Gomes, 44, chefia a Assessoria Internacional do Ministério da Igualdade Racial. Ela cresceu em Rocha Miranda, região periférica do Rio, se graduou em História pela Universidade Federal Fluminense em 2006 e passou num concurso público para o Banco do Brasil.
Já formada, participou de um programa de ação afirmativa do Instituto Rio Branco. Criado em 2002, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o projeto oferecia uma bolsa mensal para negros interessados na carreira diplomática se prepararem para o concurso, um dos mais exigentes do país. Ela passou em 2009.
Eu só consegui passar porque era bolsista e estava apenas estudando para o concurso. Se ainda estivesse conciliando minha carga de trabalho no BB [Banco do Brasil], eu não teria tempo de estudar. A bolsa foi determinante, os materiais didáticos para esse concurso são supercaros. Hoje em dia, tem dicionários bons de inglês, francês, espanhol... naquela época não tinha, precisava comprar. É uma preparação bem onerosa, não é qualquer pessoa que pode fazer. E no meu caso, uma mulher negra, que vem de um bairro do subúrbio do Rio de Janeiro, filha de um taxista e de uma cabeleireira, sem a bolsa nunca conseguiria passar. Paula Gomes, chefe da Assessoria Internacional do Ministério da Igualdade Racial
A turma de Paula tinha outras duas mulheres negras além dela — em 109 pessoas. Uma delas era Milena Oliveira de Medeiros, morta após contrair malária numa missão diplomática à África, em 2011. O Itamaraty anunciou neste ano um prêmio com o nome dela, que será concedido a aluno cotista negro com melhor desempenho no Curso de Formação de Diplomatas.
Lei de Cotas expira em 2024
Governo tem trabalhado para propor novo projeto de Lei de Cotas no serviço público. A lei que trata do assunto perde a sua vigência no ano que vem — ela prevê a destinação de 20% das vagas para pretos e pardos. As medidas propostas passam pela ampliação para, no mínimo, 30% a reserva de vagas e previsão de subcotas para mulheres negras.
A Lei de Cotas contribuiu para o aumento de pessoas negras no serviço público. No ano 2000, para cada 100 novos servidores do Executivo Federal, 17 eram negros. Em 2020, essa relação pulou para 43 em 100 novos aprovados nos concursos. "Não é uma bala de prata, mas a gente tem que continuar olhando para essa questão para garantir um pouco mais de equidade", pondera Vanessa.
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