'Parece montanha-russa': piloto de navio mostra como vive 56 dias a bordo

A carioca Rafaela Acioly, 32, divide a rotina de trabalho em duas: um salão de beleza no Rio e navegando pelos rios e mares do Brasil. Ela é piloto de um navio mercante e biomédica em formação.

Nas últimas semanas, ganhou destaque nas redes sociais ao compartilhar as curiosidades sobre as navegações, com vídeos que chegam a 1 milhão de visualizações no TikTok.

A vida de uma piloto de navio

Como piloto, Rafaela navega e cuida da segurança do navio
Como piloto, Rafaela navega e cuida da segurança do navio Imagem: Arquivo pessoal

Entre as principais curiosidades, está a duração da jornada no navio. Pilotos podem ficar cerca de dois meses trabalhando longe de casa. No caso de Rafaela, a escala é de 56 dias entre os portos, e 56 dias descansando, em terra firme.

A minha rota é desde o sul do Brasil até Manaus. Vamos parando nos portos, como no Rio e em Santos.

Já fiquei 8 dias sem ir para o porto —e é bom. A gente fica sem internet, mas é tranquilo. No porto, quando estamos operando, sempre acontece muita coisa e ficamos na correria. Então, quando estamos navegando, é tudo mais tranquilo.

Para ser piloto de marinha mercante, é preciso prestar concurso público. A prova é feita pela EFOMM (Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante) e o processo seletivo ocorre anualmente.

São três anos em regime de semi-internato e depois um ano de praticagem, que é quando a gente realmente tem acesso ao navio. Além da navegação, também sou responsável pela segurança do navio e a salvatagem [providências em caso de resgate]. O piloto cuida de toda a parte contra incêndio e da fiscalização de carga e descarga, por exemplo.

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Rafaela não é autoridade máxima do navio. Acima dela, estão o imediato e o comandante.

Mulheres tendem a desistir da carreira antes. O tempo longe de casa pode ser determinante para essa decisão.

Muitas mulheres que trabalham na marinha mercante não ficam muito tempo na área porque é difícil, principalmente se você quer ter família. Conheço muitas que deixaram.

No navio em que trabalha, cada um tem um quarto só para si. E não pode compartilhar. Além do piloto, a tripulação conta com um auxiliar de saúde, cozinheiro e operadores de máquinas.

No meu navio, cada um tem o seu camarote com banheiro e ninguém divide nada. Então, se tem lotação máxima, não entra mais ninguém.

E balança muito? Em seus vídeos, Rafaela mostra o movimento do navio. "Não consegui dormir nada, o navio movimentando muito. Minhas coisas caíram todas no chão. Parece uma montanha-russa, às vezes dá um medinho, mas sabemos que não vai virar. Sinistro."

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Rafaela é piloto de marinha mercante e também trabalha com estética
Rafaela é piloto de marinha mercante e também trabalha com estética Imagem: Arquivo pessoal

@rafinhaacioly Vida de pilota de navio mercante! Tour pelo meu quarto do novo navio! Vou passar os proximos 56 dias aqui ?? #mulhermercante #navio #tourpeloquarto ? som original - Rafaela Acioly Brito

Entre as perguntas que recebe, ela frequentemente tem de responder sobre os contêineres. E, não, não é comum que contêineres caiam no mar —como mostrado no filme "Destinos à Deriva".

Nunca aconteceu comigo. Foi até uma novidade quando começaram a me perguntar pelo filme da Netflix. Se um contêiner cai, é resultado de uma fatalidade, como mau tempo ou um cálculo errado.

O carregamento dos contêineres não é nada manual. Além de serem elevados por guindastes do porto ao navio, toda a organização deles é computadorizada.

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Um programa organiza tudo, desde o porto que o contêiner vai ficar, onde sairá, onde entrará. Tem o registro do peso, as especificidades da carga —como se pode ou não ser exposto ao sol. Toda a documentação está lá.

Outra curiosidade é que navegar pelo mar é diferente de quando o navio está sobre o rio. Além do clima, a diferença entre a água doce e a salgada também afeta na navegabilidade do navio.

No rio, a gente está sempre mais perto da terra e na água doce o navio afunda mais.

Jornada dupla

Rafaela tem um salão de beleza no Rio onde atende clientes que querem fazer micropigmentação
Rafaela tem um salão de beleza no Rio onde atende clientes que querem fazer micropigmentação Imagem: Arquivo pessoal

Primeiro trabalho de Rafaela na área veio há cerca de um ano e meio. Ela entrou na EFOMM em 2013, formando-se em 2017, após o ano de praticagem.

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Quando eu me formei, o mercado vivia uma crise. Os navios estavam perdendo contrato e estava uma luta para conseguir trabalho. Desisti e comecei a trabalhar com estética. Um dia, uma amiga indicou umas empresas e resolvi enviar currículo. Quando recebi a proposta, nem acreditei. Já tinha uma carreira consolidada, mas vim para o navio porque faltava um pedaço em mim.

Com uma faculdade de biomedicina em andamento, Rafaela contou com amigos e professores para conciliar as duas profissões. Ela se forma em biomedicina no primeiro semestre de 2024.

Já estava na metade da faculdade e faltavam apenas as disciplinas online. Conversei com a coordenadora, tive muita ajuda das pessoas. No porto, conseguia acompanhar com a internet.

Casada, Rafaela também teve de adaptar o relacionamento com o marido, com quem está desde a época em que estudava para o concurso para ser pilota.

Ele sabia como seria e isso foi sendo construído, ele é o meu maior motivador. Lidamos bem. Quando estou no Rio, sempre nos encontramos. E a internet também ajuda a diminuir a distância: nos falamos todos os dias.

Agora todo mundo já sabe que sou pilota. Mas, antes, quando eu falava, as pessoas não acreditavam. Trabalhava com maquiagem para noivas e acham que a maquiadora não estudou, percebia isso no rosto das pessoas, mas estou aqui para desmistificar isso. Hoje, vejo que minhas clientes têm muito orgulho.

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