Menu de cadeia: advogada faz sucesso com receitas ensinadas por detentos

Bianca Cardoso, 25, é advogada há apenas dois anos, mas já conseguiu desvendar alguns segredos de dentro dos presídios. Entre eles, as receitas "exclusivas" feitas pelos detentos são as que mais fazem sucesso na internet.

O destaque do "menu" do presídio é um doce, conhecido como guéris, que já ganhou quase 9 milhões de visualizações no TikTok, onde a jovem divide suas descobertas da profissão.

A mistura de biscoito triturado, chocolate em pó, refrigerante, leite em pó, paçoquinha e bolinho pronto - com uma bala de menta como toque final - impressionou (e assustou) os seguidores de Bianca. "Amiga, você tem certeza que seu cliente não estava só te trollando?", brincou uma, questionando se a advogada não tinha sido vítima de uma pegadinha na lista de ingredientes.

Mas Bianca garante: esse realmente é um prato popular na cadeia.

"Eu fui resolver alguma coisa para um detento e ele falou: 'pede para a minha esposa colocar paçoca no meu jumbo, doutora, porque esse mês a gente vai fazer guéris aqui. E aí veio a explicação do que era, que todos contribuíam um pouco e virava um doce", conta a advogada, ao UOL.

O próprio preso aconselhou a jovem a "não julgar antes de experimentar". Foi quando ela decidiu dividir os ensinamentos - e o tutorial da receita - nas redes sociais. Nos comentários, entre os elogios, ela foi criticada inclusive por ex-presos, mas com bom humor.

"Recebi muitas mensagens por causa da parte em que eu falo: 'Você acha que na cadeia eles lavam a mão (antes de cozinhar)?'. Muitos me falaram: 'E aí, doutora? Está tirando? A gente lava sim", conta Bianca, aos risos, deixando claro que se desculpou em uma outra postagem.

A advogada afirma que essa proximidade com a internet ajuda, inclusive, na hora de atender os clientes, que continuam ajudando com sugestões de vídeos.

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"Eles já vêm mais descontraídos e, por consequência, acabam dando dicas. É muito comum agora que a gente finalize toda a questão do trabalho mesmo, e eles falam: 'Eu vi o vídeo lá (do guéris) por que você não testa fazer tal coisa? Por que você não faz torta de frango? Por que você não faz trufa?", conta.

"Tá dando aula pra bandido"

Bianca se formou na faculdade em 2020, apenas um ano antes de ser aprovada na prova da OAB. Logo que terminou a faculdade, ela já começou a lidar mais com os detentos, enfrentando a resistência por ser uma iniciante - e por sua presença na internet.

Apesar dos prós de fazer vídeos para as redes, ela conta que já recebeu inúmeras ameaças, principalmente ao fazer vídeos sobre curiosidades jurídicas que "ajudariam bandidos", segundo os críticos.

"Assim que eu peguei o número da minha OAB, fui pra internet e o primeiro vídeo que eu postei viralizou. Era um: 'fui presa em flagrante, o que eu faço?'. E aí, eu apontava pra tela, e aparecia o textinho de: 'ligue para uma advogada, fique em silêncio'. E, já nele, recebi muito hate."

Apesar das críticas, a advogada viu uma forma de impulsionar o número de clientes, limitado onde ela vive, no interior de São Paulo.

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"Me acusaram de dar aula pra bandido, de estar 'ensinando bandido', só que com isso também vieram, se não me engano, dois ou três clientes de uma vez, cobrando algo acima da média pra minha cidade", detalha ela.

Hoje, Bianca já não frequenta tanto os presídios. Ela conta que o sucesso virtual a ajudou a conseguir filtrar mais os trabalhos que aceita para viajar menos pelo Brasil.

"97% dos meus clientes vem das redes sociais. Esse retorno se equiparava diretamente a quantidade de comentários ruins que eu estava recebendo."

"Um preso tinha cumprido a pena há 4 anos e ainda estava no fechado"

E a vivência da advogada a ajudou inclusive a refletir sobre pequenas coisas da vida na prisão, como, por exemplo, como funciona para um detento ser liberado. Em um de seus vídeos, Bianca conta que é responsabilidade do defensor contar quantos dias de pena o cliente já cumpriu.

Alguns presidiários, sem um representante legal, acabam ficando mais tempo do que deveriam atrás das grades.

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"Tinha um preso, do escritório de uma amiga, que tinha cumprido a pena há mais de 4 anos e ainda estava no fechado. A família largou, não foi na defensoria. E as portas da cadeia não abrem sozinhas, tem que ficar pedindo cumprimento do mandado, do alvará de soltura", explica.

Histórias como essa fazem a advogada ter certeza de que ainda tem muito conteúdo para produzir nas redes - que, na opinião dela, mudaram sua forma de se relacionar com o direito.

"Eu comecei a gravar conteúdo junto com a advocacia, então muita coisa que descobri me chocava e eu pensava: 'isso vai chocar as pessoas também'. Acho que se tivesse mais experiência quando comecei os vídeos, talvez não conseguisse me impressionar."

As visitas da advogada a presídios também a ajudaram a ganhar "casca" para enfrentar a carreira. Questionada se lidar com os funcionários da prisão era mais difícil do que falar com os presos, ela afirma.

"Sem sombra de dúvidas. Eu acredito que o preso te recebe com uma certa gratidão, tanto pela família quanto por você ter ido até ali. Posso dizer que me acostumei bem rápido, mas a primeira experiência em presídio foi com um funcionário falando: 'o que essa menina está fazendo sentada aí?'."

Bianca enfrentou uma série de "perguntas óbvias" antes de conseguir visitar um cliente, mas o momento tenso já foi suficiente para que ela entendesse um pouco mais o funcionamento do mundo em que tinha entrado.

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"Me perguntaram se eu tinha procuração para entrar, e claro que sim, ninguém vai até lá sem. Eles meio que tem um faro de quando você é iniciante e muitos aproveitam para tentar te constranger, te colocar numa situação onde você não queira mais voltar ali. Mas, na segunda vez que eu fui, já cheguei mais firme: preciso de acesso a esse preso, essa é a documentação, já liguei aqui, já avisei da minha vinda, estou aguardando aqui, tá bom?."

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