De amparo social a pena de morte: como lei do crime do PCC ganhou voz

O Estatuto do PCC é um documento que contém as regras e condutas que os membros da facção devem seguir. Criado em 1993, com o surgimento da facção, ele foi registrado oficialmente seis anos depois, no Diário Oficial da Assembleia do Estado de São Paulo, em 20 de maio de 1999, durante uma CPI sobre o crime organizado. É considerado o primeiro documento registrado de um contrato social do mundo do crime no Brasil.

Quando surgiu, há 30 anos, seu objetivo principal era proteger os presos dos abusos cometidos pelos agentes penitenciários e garantir a segurança dentro das prisões. Com o tempo, o PCC se expandiu para outras áreas, como o tráfico de drogas e a extorsão de comerciantes. E algumas regras do estatuto foram mudando, baseadas nos interesses de perpetuação e disseminação da organização.

O agente penal Diorgeres de Assis Victorio, 51, trabalha no sistema carcerário desde 1994. Ele acompanhou de perto o nascimento e o desenvolvimento da facção e explica que, desde então, três versões do estatuto, também conhecido como "Lei do Crime" foram criadas. Entendê-las, afirma, é crucial, por contarem a história e a genealogia das gerações do PCC, destacando sua origem, evolução e disseminação.

Existem três estatutos, sendo o primeiro de 1993, acessado apenas em 1997 durante uma CPI. Políticos de São Paulo alertavam para o surgimento da facção, mas as autoridades ignoraram os alertas.

"Ele foi elaborado pelo "Miza", que estava preso com membros da Camorra, influenciando as raízes do PCC nesse contexto", comenta o agente, referindo-se a Mizael Aparecido da Silva, fundador da facção.

"Os estatutos regulam a vida entre os membros do PCC. O sistema penitenciário contribuiu para sua internacionalização, inspirado nas regras da Camorra. 'Miza' conviveu muitos anos na cadeia com os irmãos mafiosos Renato e Bruno Torsi. Foram eles que ajudar a organizar e estruturar o PCC", comenta.

O documento promete uma série de benefícios para os membros da facção. No Estatuto encontramos a menção em seus artigos 4 e 5, a oferta de amparo social e financeiro para seus integrantes. Há diversos modos de apoio (habitação, alimentação, saúde) e até pagamento de honorários advocatícios.

O Primeiro Estatuto menciona o lema "Liberdade, Justiça e Paz". O artigo 14 enfatiza que desde o seu surgimento em 1993, a prioridade era desativar o Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. No final de 2000, uma rebelião ocorreu nesse local, resultando em decapitação de presos e destruição da unidade prisional. O objetivo de desativar o Anexo foi alcançado em 2002, transformando-o em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.

"Eu estava lá no dia dessa rebelião e quase fui queimado vivo. Os presos nos amarraram e nos cobriram com colchões de espuma embebidos em álcool, sendo utilizado um cilindro de gás para concluir o objetivo. É revoltante você saber que o fato ia acontecer e que o Estado deixou tudo ocorrer dizendo estarmos 'vendo fantasmas'. Levou muito tempo para o Estado reconhecer".

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Disseminação no país

O Segundo Estatuto não revela o autor, e muitos têm dificuldade de acesso a ele, explica Victorio. Ele apresenta mudanças, como a inclusão da palavra "Igualdade" ao final do lema. No Primeiro Estatuto o PCC informa que a luta dos membros é pela "Liberdade, Justiça e Paz" e, no Segundo Estatuto, eles inverteram a ordem das palavras, incluindo a Igualdade, ou seja, a luta pela "Paz, Justiça, Liberdade e Igualdade".

A disseminação das atividades da facção fica clara nos artigos 12, 13 e 14. Nesse trecho, o PCC informa sobre a criação de filiais nos estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais.

Na terceira geração do PCC, ou seja, no Terceiro Estatuto, o artigo 2 sofre nova mudança, dessa vez com a inclusão da palavra União ao lema da facção, que passa a ser "Paz, Justiça, Liberdade, Igualdade e União".

Outra mudança evidente é a inclusão da homossexualidade como prática condenada pelos membros. Em seu artigo 6, o estatuto estabelece que o PCC não admite entre seus integrantes "estupradores, homossexualismo (sic), pedofilia, caguetagem (sic), mentiras e covardia".

Territórios do PCC, chamados de "quebradas", exigem o cumprimento das leis, mesmo para não-membros. As punições incluem suspensão, missões específicas e até a pena de morte.

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"O artigo 3 dessa versão estabelece que quem tentar causar divisão dentro do PCC, desrespeitando a hierarquia e a disciplina, será excluído e decretado (condenado à pena de morte)", explica o agente penal, que se tornou um dos maiores estudiosos sobre a facção no país. Mas nem sempre as regras são cumpridas à risca "Dois de seus fundadores, o Geleião e o Mizael, possuíam, entre suas diversas folhas de antecedentes, crimes de estupro".

Influência na política

Desde 1994, Victorio conduz pesquisas com presos e visitantes sobre eleições, observando sinais como camisas, bonés, adesivos em veículos e conversando sobre candidatos. Embora não haja um candidato oficial do Partido do Crime, o PCC tem vários candidatos conhecidos entre os presos.

"Eles tomam conhecimento dos candidatos e suas propostas via televisão e visitas. Tem gente que pensa que os presos são burros, mas eles jamais votam em candidatos cujas pautas piorem a vida no cárcere ou tornem a vida deles mais difícil", afirma o agente. Assim, o PCC possui uma cartilha que destaca a importância dos presos ficarem atentos à política para conquistar direitos.

E, assim como um partido político possui regras que nem sempre são obedecidas por seus membros, assim é com o PCC. Mesmo existindo em seu estatuto menção ao emprego da pena de morte, ela algumas vezes não foi respeitada em caso de desrespeito às regras.

"O partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo, interesse pessoal, mas sim: a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse como ao Bem de todos, porque somos um por todos e todos por um", diz o documento, em seu artigo 9.

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Mas isso não impediu que uma disputa por poder resultasse na morte de Idemir Carlos Ambrósio, o Sombra, o primeiro presidiário batizado no PCC, conhecido como o Pai. "Diversas outras mortes marcam a história do PCC, dentre fundadores, membros e seus familiares. Há desvios quanto ao cumprimento de regras", afirma Victorio.

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