Relator da ONU: 'Polícia com apoio para matar gera espiral de insegurança'
"Quem se beneficia com investigações bem-feitas é a população. Quando a polícia tem sinal verde para matar, está demonstrado em todo o mundo que isso gera uma espiral de violência que compromete a segurança pública. Em última instância, a mensagem de que bandido bom é bandido morto é falsa."
A afirmação acima é do médico forense Morris Tidball-Binz, relator especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias da ONU (Organização das Nações Unidas), em entrevista exclusiva cedida ao UOL nesta sexta-feira (22), em São Paulo.
Ele veio ao Brasil a convite da ONG Conectas Direitos Humanos para o lançamento em português do Protocolo de Minnesota, que se destina à defesa de investigações rápidas, eficazes, completas, independentes, imparciais e transparentes sobre homicídios.
Como perito médico, o relator da ONU já participou de diversas investigações, em vários países do mundo, sobre mortes suspeitas. Relembrando sua experiência, Tidball-Binz reflete que:
"A justiça é lenta, mas em algum momento essa verdade vem à luz. E os responsáveis têm que responder. Estamos vendo isso hoje na Espanha, com casos que aconteceram três gerações atrás, durante a guerra civil."
79 mortos versus "Tô nem aí"
Conectas e Comissão Arns denunciaram à ONU, no dia 8 de março, o governo de São Paulo pela violação dos direitos humanos em ações policiais.
As entidades acusaram o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) de promover operações policiais que violam direitos básicos e com um impacto desproporcional sobre a vida de negros e pobres.
Na queixa, as instituições pediram que todos os responsáveis por abusos durante as operações policiais sejam investigados e punidos, incluindo o comando.
Tarcísio reagiu à denúncia afirmando que o trabalho da PM é "profissional pra caramba" e que está tranquilo com o que tem acontecido em São Paulo. "Pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não tô nem aí", afirmou o governador.
Neste sábado (23), chegou a 51 o número de mortos por PMs na Baixada Santista durante a Operação Verão, que foi intensificada após a morte do soldado da Rota Samuel Wesley Cosmo.
Durante a Operação Escudo, realizada após a morte do soldado da Rota Patrick Bastos Reis, a PM matou 28 pessoas entre julho a setembro do ano passado.
Somadas, operações Escudo e Verão registram 79 mortos depois de homicídios contra PMs da Rota. Isso mesmo com os principais suspeitos dos crimes identificados e detidos dias depois dos dois assassinatos.
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Quero receberMemória de Sérgio Vieira de Mello
Questionado sobre o que disse Tarcísio de Freitas, o relator especial da ONU disse ser importante recordar e honrar a memória de Sérgio Vieira de Mello, um diplomata brasileiro, respeitado em todo o mundo, assassinado durante um ataque no Iraque em 2003.
"Criticar as Nações Unidas, especialmente quando está atendendo uma citação de Direitos Humanos, não é uma boa forma de lembrar, de recordar e de honrar uma pessoa como Sérgio Vieira de Mello. Essa denúncia que foi apresentada à ONU é legítima, vai ser analisada e estudada", afirmou.
Segundo ele, Vieira de Mello, em casos assim, recebia a denúncia, investigava com os melhores quadros e respondia a elas com a devida imparcialidade e defesa da vida humana.
Defesa de câmeras corporais
Ainda de acordo com Tidball-Binz, as novas tecnologias, como as câmeras corporais, são uma vantagem para a prática policial não só do Brasil, mas de todo o mundo.
"Resistir a isso não tem senso, sentido ou razão. Essa resistência vai contra os interesses da polícia. Falta de transparência na administração pública é uma receita para a corrupção", afirmou o relator especial da ONU.
Para ele, a tecnologia é uma ferramenta contra a má conduta policial. "Um policial mau, que não é profissional, que está atuando fora da lei, é um perigo para os seus colegas e para a população em geral", acrescentou.
Quem é o relator especial da ONU
Morris Tidball-Binz nasceu no Chile, cresceu na Argentina e é filho de uma brasileira. É relator especial da ONU sobre execuções extrajudiciais sumárias ou arbitrárias desde 1º de abril de 2021.
Ele é médico especializado em ciência forense, direitos humanos e ação humanitária. Sempre atuou em colaboração com vítimas de violações dos direitos humanos e seus familiares.
Nos últimos 35 anos, conduziu missões de apuração de fatos, avaliações técnicas e capacitação em mais de 70 locais.
Na Argentina, participou na criação da primeira base de dados genética para localizar vítimas de desaparecimentos forçados e seus familiares.
Foi cofundador da Equipe Argentina de Antropologia Forense, organização pioneira na aplicação de métodos científicos para investigar graves violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade.
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