Em meio a improviso, gaúchos resistem à tragédia: 'Difícil, mas vai passar'
O percurso entre São Leopoldo (RS) e Porto Alegre dura, normalmente, pouco mais de uma hora. Na sexta-feira (17), em meio à tragédia com alagamentos e deslizamentos no estado, foram quase cinco horas para concluir o trecho de 75 km — que incluiu um desvio por Viamão.
Mas a rota da reportagem do UOL começou bem antes disso. O voo do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, para Caxias do Sul (RS) estava previsto para as 10h40, mas só decolou por volta das 15h devido à neblina que impedia pousos na serra gaúcha. Entre os passageiros, havia pessoas que aguardavam a volta para casa desde o dia anterior.
Quando o avião finalmente pousou em solo gaúcho, os passageiros esqueceram o atraso do voo, e aplaudiram o piloto. O tempo estava ensolarado, mas foi possível sentir gotas de chuva — o que causou apreensão a quem acompanha os reflexos da catástrofe que afetou mais de 2,3 milhões de gaúchos, deixando ao menos 155 mortos e 94 desaparecidos. Em uma haste, era possível ver três bandeiras: do Brasil, do Rio Grande do Sul e de Caxias do Sul, como símbolo de uma tragédia que tem conectado todo o país aos gaúchos.
Após passar de carro pela serra e chegar na região metropolitana de Porto Alegre, o cenário era de destruição. A força da água levou trechos de estradas, casas e vidas às margens da BR-116 — ainda há carros parcialmente submersos e pertences boiando. Mas a tragédia não fez com que os gaúchos sucumbissem.
No acostamento da rodovia em São Leopoldo, havia três barracas onde se abrigavam moradores do bairro Scharlau que perderam o pouco que tinham. Sentados em cadeiras de plástico, observavam o deslocamento dos carros de um lado. De outro, a água parada da enchente que inundava as casas da região — ainda que a chuva tivesse dado uma trégua.
Estavam ali nas barracas há mais de dez dias, dependendo da contribuição de voluntários, com comida e mantimentos.
Estamos levando, estamos levando. Do jeito que dá, né?
Jair de Oliveira, 62
Mãe de cinco filhos com idades entre 3 e 15 anos, a dona de casa Juliane Reis, 36, teve a casa tomada pela enchente no bairro São Miguel, também em São Leopoldo, e buscou abrigo na casa de um amigo.
Diariamente, busca marmita e água potável em um local destinado a doações. "Sem essa ajuda, a gente não teria o que comer". Ela estava acompanhada pela companheira Vanessa Araújo, 28.
A gente perdeu tudo, não tem o que fazer. Agora, é esperar a água baixar para ver o que sobrou. É triste, mas a vida continua.
Vanessa Araújo
Durante a viagem, enquanto motoristas esperavam no congestionamento no asfalto da BR-116, era possível ver embarcações ao lado, tripuladas por pessoas de rostos cansados, diante da extensão da tragédia. Também havia ali profissionais com retroescavadeiras para retirar o rastro de destruição.
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Quero receberPerto da capital gaúcha, um trecho da rodovia estava parcialmente destruído. Enquanto os veículos no sentido contrário circulavam na pista que não havia sido atingida, quem seguia na direção Porto Alegre precisou percorrer cerca de cinco quilômetros de chão batido.
No centro da cidade, já na madrugada de sábado (18), ainda não havia iluminação — obrigando os motoristas a adotarem um cuidado redobrado. Em meio ao frio e entre ruas desertas, um guarda de trânsito orientava os motoristas a seguir por outro caminho para evitar a rodoviária, ainda alagada.
Ao ser questionado sobre o impacto da tragédia, ele franziu a testa, mas logo sorriu, dizendo: "Tá difícil, mas vai passar".
Mesmo diante do improviso para sobreviver à tragédia, há entre os moradores da capital um sentimento de resistência. Vivem uma espécie de catarse coletiva para buscar força nos momentos mais difíceis. Lembram o refrão de uma música conhecida dos gaúchos: "Não 'podemo' se 'entregá' pros 'home' de jeito nenhum, amigo e companheiro. Não tá morto quem luta e quem peleia. Pois lutar é a marca do campeiro".
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