Cada minuto importa: enchentes atrapalham identificação de vítimas no RS
Pelo menos 85 pessoas ainda estão desaparecidas no Rio Grande do Sul, segundo a última atualização da Defesa Civil. Com a tragédia ultrapassando 20 dias, aumenta a preocupação com o resgate e identificação de corpos que possam estar debaixo das enchentes, conforme o volume d'água cai.
"A dificuldade já é das maiores possíveis e, daqui a pouco, pode ser até que seja inviável [a identificação]. Os métodos de identificação não são milagrosos, não são como nos seriados de TV. Eles têm limitações, e pode acontecer de pessoas não serem identificadas", explica a médica legista Caroline Daitx.
A especialista em medicina legal e perícia médica deu como exemplo Brumadinho, que mesmo cinco anos depois tem pessoas não identificadas em meio a lama. "Isso pode acontecer no Rio Grande do Sul também."
Estado do corpo na água
Temperatura acelera ou atrasa a putrefação. Quanto mais quente, mais rápido ela acontece. Se fria, mais devagar. No entanto, tratando-se de uma água de enchente, contaminada, como é o caso do Rio Grande do Sul, pode acontecer justamente o contrário por conta das bactérias presentes.
Depois que o corpo é encontrado e retirado, ele deve ser armazenado corretamente em câmaras frias, porque um novo processo de decomposição se inicia rapidamente.
Caroline Daitx
Mudanças no corpo. Na água, em poucos minutos, a pele fica enrugada e, com o tempo, ela descasca e cria bolhas. A face fica mais escura e irreconhecível, os lábios e a língua se projetam para fora. "Tudo isso vai contribuindo para tirar as características iniciais de uma pessoa."
Corpos boiam e depois afundam. Nos primeiros dias após o afogamento, os corpos boiam por causa da produção de gases gerados pelo processo de putrefação. "Mas eles vão começar a vazar do corpo, junto com outras secreções, e o corpo vai afundar porque se tornou mais denso." Por isso que desaparecidos podem ser encontrados conforme o volume de água cai.
Como acontece a identificação?
Sem características físicas reconhecíveis. Quando um corpo atinge um avançado estado de decomposição significa que ele já não pode mais ser identificado a olho nu. Agora, isso pode acontecer por meio de uma combinação de outros meios: digital, DNA, arcada dentária ou fotos de roupas e objetos encontrados juntos ao corpo.
Luva cadavérica. Caso a digital esteja preservada, é possível identificar uma pessoa com técnicas da papiloscopia. A legista Caroline Daitx explica um dos recursos utilizados pelos profissionais, que é chamado de luva cadavérica.
Se faz como se fosse uma hidratação das digitais, com muito cuidado, e se retira a pele da mão inteira. Quem está ali fazendo a identificação veste essa pele do cadáver, como se fosse uma luva, e coleta as impressões digitais.
Caroline Daitx
Fatores externos também importam. Fotos do local em que o corpo foi encontrado, além de roupas e objetos, ajudam na identificação do cadáver e são menos chocantes para a família, que não precisa, necessariamente, ver o corpo da vítima. Outros itens, como próteses dentárias e de fraturas, carregam um número de série e podem ser confrontados com prontuário médico.
Olhando o cadáver, você vê que ele fica irreconhecível. Todos nós ficamos muito parecidos depois da morte, principalmente com a putrefação e afogamento. O familiar, quando ele olha esse corpo, ele pode até mesmo se confundir.
Caroline Daitx
Registrar BO é importante
Processo de identificação não é isolado. "Tem que ter alguém reclamando de um desaparecido para fazer o confronto de dados, e depois a papiloscopia e análise da arcada dentária, por exemplo", destaca.
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Quero receberPor isso, é importante que familiares registrem boletim de ocorrência.
O corpo pode não estar no IML de referência, próximo da casa dela. Principalmente em casos de enchente, os corpos são arrastados por quilômetros, são levados pelo rio. Então, vão estar longe [de onde desapareceram]. O registro de boletim de ocorrência é o que vai mais ajudar.
Caroline Daitx
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