A teoria controversa que afirma que Jesus foi casado e teve filhos

Jesus casou-se com Maria Madalena e teve dois filhos. Essa é a teoria defendida por "The Lost Gospel", livro escrito pelos canadenses Simcha Jacobovici e Barrie Wilson.

Na obra, lançada há 10 anos, os autores dizem que se basearam em um manuscrito de 1.500 anos atrás, encontrado na Biblioteca Britânica — uma das maiores do mundo, com mais de 600 km de prateleiras. O documento está escrito em siríaco, um dialeto aramaico que os dois traduziram para o inglês.

"O que o Vaticano temia - e Dan Brown apenas suspeitava - se tornou real", começa o livro, relembrando o autor de "Código da Vinci", que já levantava a teoria sobre o casamento de Jesus em seu livro.

Agora existe evidência escrita de que Jesus foi casado com Maria Madalena e que eles tiveram filhos juntos. (...) De acordo com o documento que descobrimos, em algum momento nesse período (dos 12 aos 30 anos, não relatados na Bíblia), ele ficou noivo, casou-se, teve relações sexuais e produziu crianças. Antes que alguém venha com retórica teológica, mantenha em mente que nós não estamos atacando a religião de alguém. Apenas relatando o que está escrito"
Trecho do livro, reproduzido pelo The Washington Post

O texto estudado por "The Lost Gospel" é intitulado "A História Eclesiástica de Zacharias Rhetor" e chegou ao Reino Unido em 1847, quando foi comprado de um monastério egípcio, segundo o The Washington Post.

O jornal destaca que estudiosos já definiram o registro como "insignificante" como documento histórico. Entre aqueles que questionam a ligação do texto com Jesus está a Universidade de Oxford.

Jonathan Wright, aluno do Instituto Oriental de Oxford, afirma que a história foi tirada do livro de Joseph e Asenath, originalmente escrito em grego e traduzido para inúmeras línguas antigas.

Ele explica que a obra é uma evolução da passagem Gênesis 41:45, do Velho Testamento, que fala sobre quando Pharaoh ofereceu Asenath, a filha de um padre pagão, para ser esposa de Joseph.

Judeus e cristãos teriam se preocupado sobre a união de Joseph com uma mulher "idólatra", que cultuava algo além de Deus.

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Para defender a união, os dois afirmam que Asenath se converteu à adoração de um Deus único por meio do jejum e do arrependimento.

Wright explica que no início do cristianismo a Bíblia era igual ao livro sagrado dos judeus. Por isso, algumas figuras fundamentais no Velho Testamento são encaradas como sendo, também, Jesus - mas sob outros nomes. Joseph é uma delas.

Os autores de "The Last Gospel" também afirmam que o protagonista da história em questão é Jesus, mas o pesquisador da universidade rebate, afirmando que não existe indício no texto — e nem nos outros 90 manuscritos encontrados ao longo dos séculos — de uma ligação entre Joseph e Jesus.

Mark Goodacre, professor de estudos religiosos da Universidade Duke, falou ao canal ABC que também é "cético" quanto às descobertas feitas pelo livro. "Eu não acho que essas afirmações têm qualquer credibilidade, não há evidência nesse texto nem em qualquer outro lugar que Jesus foi casado com Maria Madalena, muito menos que eles tiveram filhos", afirma.

Apesar de ter ganhado atenção quando foi publicada, em 2014, essa teoria não foi a primeira a apontar que o filho de Deus formou uma família em vida.

Um fragmento de um papiro egípcio intitulado "Evangelho da esposa de Jesus", descoberto em 2012, continha a frase: "Jesus disse a eles, 'minha esposa'". Análises destacam que o documento foi escrito centenas de anos após a morte de Cristo.

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Autor de livro coleciona polêmicas com pesquisadores

Um dos autores de "The Last Gospel", Simcha Jacobovici coleciona há anos polêmicas com pesquisadores da vida de Jesus.

Jornalista formado em filosofia, ciência política e relações internacionais, o canadense-israelense já foi criticado por tentar comprovar teorias dos primeiros anos do cristianismo que muitos outros estudiosos da teologia descartaram.

Em 2007, ele lançou o documentário "O Túmulo Perdido de Jesus" em parceria com o diretor de "Titanic" James Cameron. A produção afirma ter visitado a ossada de Jesus e seus pais, Maria e José, e os restos mortais de "Judá, filho de Jesus" — com essa exata inscrição em um dos caixões.

A principal entrevistada da produção é a viúva do escavador que encontrou o artefato em 1980 - chamado de Tumba de Talpiot em homenagem ao bairro em que ele está, em Jerusalém.

O arqueólogo Jose Zias, ex-curador das antiguidades de Israel, acusou o documentarista de influenciar a "testemunha", Ruth Gat, e instigar suas afirmações sobre a suposta identidade de quem estava no túmulo para dar força a sua história.

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Jacobovici processou Zias por difamação, em 2011, e acabou conseguindo uma indenização de cerca de US$ 260 mil na Justiça israelense, quatro anos depois.

A suposta descoberta também foi questionada por estudiosos. Acadêmicos de universidades prestigiadas como Duke e Columbia escreveram uma carta conjunta em 2008 falando sobre suas discordâncias em relação ao trabalho de Jacobovici com a tumba, definindo-o como "controverso".

Segundo o documento, assinado por 17 pesquisadores, a maioria dos especialistas considera o resultado do documentário falso ou, pelo menos, "altamente especulativo".

"Pouquíssimos pesquisadores e arqueólogos, praticamente nenhum, concorda com essa interpretação. A inscrição é verdadeira, mas não resolve a questão da identidade", afirmou Craig Evans, estudioso reconhecido do Novo Testamento, ao Huffington Post.

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