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Anuário: Mortes violentas caem, mas facções e letalidade policial preocupam

O Brasil registrou mais de 46 mil mortes violentas intencionais no ano passado. O número representa uma queda em relação a 2022, mas disputas do crime organizado e letalidade policial continuam sendo os principais entraves para redução dos assassinatos. Os dados são da 18ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada nesta quinta-feira (18).

O que diz o levantamento

O Brasil registrou uma taxa de 22,8 mortes violentas para cada 100 mil habitantes. No total, foram 46.328 mortes do tipo em 2023. O levantamento diz respeito aos dados de 2023. São consideradas mortes violentas aquelas provocadas por homicídio, latrocínio, morte após lesão corporal ou por interferência policial.

Houve uma redução de 3,4% no número de mortes violentas intencionais, em comparação com 2022. No entanto, segundo a ONU, o Brasil é responsável por 10% do total mundial, tendo apenas 3% da população do planeta. A média global de mortes violentas é de 5,8 para cada 100 mil habitantes.

Queda poderia ser maior, avalia presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para Renato Sérgio de Lima, que também é doutor em sociologia, a redução poderia ser o dobro. Isso porque, ele avalia que há uma "desproporcionalidade da reação policial" e um extenso histórico de conflitos entre o crime organizado no Brasil que impactam nos números.

Essa queda é importante e precisa ser comemorada, mas poderia ser até o dobro. Quando olhamos os números, a gente percebe o desafio que temos pela frente. Há uma grande disputa pelo crime organizado dos pontos logísticos, que termina em mortes. Há ainda uma desproporcionalidade na reação policial. São esses dois grandes desafios.
Renato Sérgio lima, presidente do FBSP

Risco de um negro morrer pela polícia é quase 4 vezes maior de que um branco

Entre 2013 e 2023, a letalidade policial teve aumento de 189%. Apesar da tendência de redução, observada também entre 2022 e 2023, foram 6.393 mortes provocadas pela polícia no Brasil. Uma queda que não chega a 1% entre os dois anos.

Apesar da leve retração da letalidade policial, o perfil do assassinado continua o mesmo: homem, negro e jovem. Conforme o Anuário, 82,7% dos mortos pela polícia são negros. Destes, 72% têm de 12 a 29 anos.

Exemplo disso foi a Operação Escudo realizada em 2023 pela Polícia de São Paulo no litoral paulista. De acordo com um relatório realizado pela Ouvidoria das Polícias de São Paulo, pessoas negras representam 82% dos 28 mortos pela PM na operação.

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Quando o policial está atuando na periferia, na comunidade, se ele atuar da forma como tudo deve acontecer, de acordo com os protocolos, ele vai trabalhar e volta. Mas há uma interação hostil com a população dessas regiões.
Renato Sérgio lima, presidente do FBSP

Número de policiais assassinados caiu, mas suicídios aumentaram entre a classe. Segundo o Anuário, 127 policiais foram mortos no ano passado, enquanto foram registrados 118 casos de suicídio (saiba como procurar ajuda). O perfil do policial que morre de forma violenta é o mesmo dos civis: homem e negro.

Maioria dos policiais assassinados morre fora do horário de trabalho. "A gente percebe que as instituições estão cuidando pouco do profissional. Os programas de atenção à saúde, hierarquia, disciplina. Por trás dessa guerra, a gente tem pessoas que precisam trabalhar fora de serviço, com bicos, tudo isso", aponta Lima.

Norte e Nordeste continuam entre as regiões mais violentas

Maiores taxas de mortes violentas estão em estados do Norte e Nordeste do país. Nove das dez cidades estão entre as duas regiões, aponta o Anuário.

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Santana, no Amapá, é a cidade mais violenta do país. O município, que fica na região metropolitana da capital, registrou em 2023 uma taxa de 92,9 para cada 100 mil habitantes - em 2022, era de 49,4.

O porto na cidade amapaense virou centro de disputa entre facções para o escoamento do tráfico. O presidente do Fórum pontua que Santana é caracterizada por um porto que seria visado pelo crime organizado para a logística do narcotráfico.

O Amapá tem 733 mil habitantes e taxa de mortes violentas de 69,9. Além de Santana, Macapá, capital do estado, também figura entre as dez, na nona posição, com taxa de 71,3.

Atuar no porto de Santos, o maior do Brasil, é importante, mas o crime encontrou outros caminho em outros portos. O porto de Santana tem atuação de duas facções locais. Não é só a exportação das drogas, também tem a chegada de armas e outras mercadorias.
Renato Sérgio Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Seis das dez cidades mais violentas estão na Bahia. Em números absolutos, 6.578 pessoas morreram no estado ocasionando uma taxa de letalidade de 46,5 para cada 100 mil habitantes. A polícia baiana também foi a que mais matou no país, vitimando 1.699 pessoas em 2023.

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Entre as dez cidades mais letais, cinco estão na Bahia: Jequié é a terceira mais violenta. Mas, em termos gerais, ela é a cidade que no ano passado teve maior taxa de letalidade policial: 55,2% de todas as mortes na cidade, foram cometidas pela polícia. É uma resposta desproporcional. Essa situação, casada com a disputa de facção, torna ainda mais visível o problema.
Renato Sérgio Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

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