STJ absolve e manda soltar jovem negro preso por reconhecimento de foto
O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou o procedimento de reconhecimento fotográfico que embasou a condenação de um jovem negro por roubo de carga em São Gonçalo. Com essa decisão, a Corte o absolveu da acusação a ele imposta.
O que aconteceu
STJ anulou o reconhecimento fotográfico de Carlos Vitor Teixeira Guimarães, 23, e de todas as provas derivadas. A Corte acolheu o recurso interposto pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro de que a condenação aplicada pelo Tribunal de Justiça do Estado a Carlos Vitor foi feita por meio de um procedimento irregular. Ele havia sido condenado a seis anos, cinco meses e 23 dias de prisão em maio de 2022 e cumpria pena no sistema prisional fluminense. Agora, o jovem deve ser solto.
O jovem foi preso em 2018 sob a acusação de integrar um grupo que havia roubado a carga de um caminhão em São Gonçalo. O motorista do caminhão assaltado teria reconhecido Carlos na delegacia ao ver imagens apresentadas pela polícia de possíveis suspeitos a partir das características que ele havia descrito de um dos assaltantes.
Carlos não possuía antecedentes criminais, mas, mesmo assim, sua foto foi parar no álbum de suspeitos da Polícia Civil do Rio. Ao UOL, a Defensoria Pública estadual explicou que, em 2018, o jovem teve seus documentos roubados em São Gonçalo durante um evento do qual participava. Posteriormente, a polícia encontrou a identidade roubada em posse de acusados de roubos de motos, e então convocou Carlos a prestar esclarecimentos. "Neste procedimento, apesar de sua primariedade, sem nunca ter sido envolvido com o sistema de justiça, a imagem de Carlos Vitor foi inserida em álbum de suspeitos da polícia", diz a Defensoria.
Motorista não foi enfático ao reconhecer Carlos Vitor em juízo e apontou mudanças na aparência do suspeito. Primeiro, a vítima alegou que reconheceu o jovem negro em um livro de fotografia. Posteriormente, ele mudou sua versão e disse que a foto de Carlos estava destacada na parede da delegacia.
Ainda, o motorista apontou como característica marcante do suspeito o cabelo estilo "black power", entretanto, na época do crime Carlos Vitor usava tranças longas. Mesmo assim, embora a vítima tenha demonstrado dúvida durante o reconhecimento feito na audiência judicial ocorrida em novembro de 2020, Carlos Vitor foi condenado de forma definitiva pelo TJRJ.
Para o ministro do STJ Otávio de Almeida Toledo, responsável pela absolvição de Carlos Vitor, houve um "sugestionamento" do autor do roubo. Ainda, o magistrado ressaltou que o reconhecimento de suspeitos por meio de fotografias precisa ser "corroborado por outras provas colhidas" no âmbito das investigações.
Evidente que a fotografia de um suspeito colada na parede de uma delegacia de polícia, além de não observar a obrigação de ladeamento a pessoas semelhantes contida no inciso II do art. 226 (expressamente descumprido, conforme o auto de reconhecimento que consta nos autos), sugestiona o reconhecedor quanto à culpa.
Otávio de Almeida Toledo, ministro do STJ
Decisão corrobora jurisprudência recente do STJ de que o reconhecimento fotográfico não pode, por si só, garantir a autoria delitiva do suspeito. "Assim, o reconhecimento do suspeito por simples exibição de fotografia ao reconhecedor, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo", destacou o ministro.
Prisão de Carlos Vitor representa "mais um triste exemplo de equívocos" cometidos no reconhecimento de suspeitos por meio de fotografias, segundo a coordenadora de Defesa Criminal da DPRJ, Lúcia Helena de Oliveira. Ela reitera que o uso inadequado do reconhecimento fotográfico, reconhecido neste processo pelo STJ, vitimiza pessoas inocentes, sobretudo negras.
Este caso é mais um dos tristes exemplos de equívocos em reconhecimento de pessoas, que levam inocentes, em muitos casos, ao cárcere. O reconhecimento de pessoas deve ser realizado de forma cuidadosa e com respeito às garantias constitucionais e processuais, sob pena de violações de direitos e prisões injustas, conforme demonstrado, por algumas vezes, através das pesquisas da Defensoria Pública. Sabemos da seletividade penal que acaba envolvendo majoritariamente pessoas negras, sobretudo nos casos de reconhecimento fotográfico, o que exige de todos os atores do sistema de justiça um olhar bastante atento para que possamos preservar direitos constitucionais.
Lúcia Helena de Oliveira, coordenador de Defesa Criminal da DPRJ
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