'Sociedade é violenta', diz homem trans barrado em banheiro de festival

O gerente de restaurante Luan Palermo, um homem trans de 37 anos, foi impedido por um segurança de usar o banheiro masculino em um festival de música, o Santos Jazz Festival, em Santos (SP), na sexta-feira (26).

Ao UOL, ele narrou como tudo aconteceu —e diz que buscará medidas legais contra a situação.

Meu primeiro sentimento foi de revolta, de estar sendo impedido de fazer uma necessidade fisiológica. Depois, veio uma grande tristeza por perceber como a sociedade ainda tem um pensamento tão retrógrado e como pode ser tão violenta com uma população que só quer ser livre para ser quem é.
Luan Palermo

'Violentado com falas transfóbicas'

Luan conta que, mesmo após se apresentar como homem trans e afirmar seu direito de usar o banheiro, o segurança manteve sua posição. Ele alegava, segundo Luan, que estava cumprindo ordens para impedir que "mulheres querendo se passar por homens" utilizassem aquele banheiro.

Ele tentou avançar novamente, mas foi impedido. Luan conta que, após pedir a presença da organização do evento sem sucesso, outro segurança se juntou ao primeiro. Ele optou por usar um banheiro químico localizado do outro lado do evento.

A companheira de Luan encontrou uma funcionária da Secretaria de Cultura e relatou o incidente, mas ela teria afirmado que estavam seguindo ordens "para impedir que pessoas trans usassem os banheiros correspondentes ao seu gênero". A funcionária sugeriu que a solução seria a instalação de banheiros próximos aos químicos para a população trans, uma resposta que Luan considerou inadequada e ofensiva.

A funcionária da Secretaria disse sentir muito que eu tivesse passado por isso, mas que era uma ordem que eles estavam seguindo. Foi quando entendi de onde havia vindo essa ordem. Nesse momento, me calei, pois já tinha sido extremamente violentado com frases transfóbicas.
Luan Palermo

Ele diz que as pessoas ao redor expressavam indiferença. "Os homens cis ao redor riam da situação, enquanto outras pessoas fingiam não notar o ocorrido", conta. Um homem, ao sair do banheiro, chegou a oferecer-se como testemunha para o segurança, diz Luan.

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Não é a primeira vez

Luan conta que enfrenta situações semelhantes diariamente. Ao usar banheiros públicos que não são unissex, ele é frequentemente olhado com estranheza por mulheres no banheiro feminino e, para evitar constrangimentos, muitas vezes recorre ao banheiro para pessoas com deficiência. No entanto, esta foi a primeira vez que foi impedido de usar um banheiro masculino.

'Desejo medidas reais'

Tentaram [a organização do evento] contato comigo, porém não me senti à vontade para falar com eles. Ainda estou vulnerável com o que aconteceu, e não quero ficar ouvindo desculpas. Desejo que medidas reais sejam tomadas para nenhuma pessoa trans ter de passar mais por isso em eventos que pregam a diversidade e a inclusão.
Luan Palermo

Luan sugere medidas para garantir um ambiente inclusivo e seguro para pessoas trans em eventos. Entre elas, a capacitação e orientação da equipe de segurança, a formação de um conselho da diversidade para colaborar com a organização, a contratação de pessoas trans nas equipes e a instalação de banheiros unissex com segurança.

Ele incentivou outras pessoas trans a denunciarem casos de transfobia e a buscarem redes de apoio. "Que não se calem diante de um caso de transfobia. Façam denúncia, procurem uma rede de apoio e busquem justiça. A população existe e resiste, querem nos colocar à margem da sociedade, mas nossos corpos estão cada vez mais ocupando espaços."

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Em nota, a prefeitura de Santos declarou que repudia "todo e qualquer ato de preconceito contra identidade de gênero". E disse que não tem ingerência na organização e contratação de seguranças para o festival, "que é um evento privado e ocorre em local particular".

A Secult (Secretaria de Cultura) apoia o evento, bem como o poder legislativo, por meio de emendas de vereadores, e a iniciativa privada. A Secult também destaca que, em nenhum momento algum, partiu qualquer ordem da secretária de Cultura que impedisse o uso dos sanitários, fato já esclarecido pelos organizadores do evento.
Secult, em nota

O que diz a organização

Jamir Lopes, um dos organizadores do Santos Jazz Festival, diz que o festival sempre foi um exemplo de pluralidade e inclusão. Ele afirma que tanto os produtores quanto a equipe repudiaram o comportamento do segurança.

Segundo Lopes, a organização do evento soube do que aconteceu com Luan pelas redes sociais. "A equipe de segurança não avisou a organização e o Luan também não nos procurou. Se não, teríamos resolvido tudo na hora."

Incrível isso ter acontecido no evento mais plural do litoral paulista. Entrei em contato com o chefe da segurança assim que soube e exigi que o colaborador fosse retirado da função dentro do festival.
Jamir Lopes

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Dentro da ficha técnica de produtores, existem vários integrantes da comunidade LGBT+. É claro que em um evento desse tamanho, a gente é obrigado a contratar vários colaboradores e, por mais que exista uma triagem, uma conversa prévia, a gente não imagina haver risco de ocorrerem situações como essa. E é o que queremos evitar nas próximas edições.
Jamir Lopes

Lopes afirma novas medidas serão tomadas para os próximos festivais. "Foi um episódio lamentável, mas o importante agora é abrir espaço para o diálogo e conscientização sobre a importância de respeitar as diferenças e promover a inclusão."

Acredito que ações educativas podem ajudar a eliminar pensamentos e atitudes discriminatórias contra minorias. Vamos providenciar banheiros unissex nas próximas edições e, junto ao conselho, criar uma comunicação visual adequada para facilitar o reconhecimento.
Jamir Lopes

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