Edward é José: quem é o juiz que usou falso nome britânico por 45 anos
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Um juiz paulista que usou nome falso de nobre inglês por quatro décadas foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo sob acusação de usar durante todo o exercício da magistratura documentos falsos e cometer crime de falsidade ideológica.
Quem é ele
Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield é, na verdade, José Eduardo Franco dos Reis, 67. Ele nasceu em Águas da Prata, no interior de São Paulo, em março de 1958.
Durante 45 anos, ele viveu como Wickfield, identidade fictícia inspirada em sobrenomes britânicos. Com esse nome, cursou Direito na USP, foi aprovado na magistratura e atuou até 2018.
A fraude foi descoberta quando ele tentou renovar o RG no Poupatempo da Sé, no centro da capital paulista. O sistema biométrico estadual identificou que as impressões digitais de Edward Wickfield coincidiam com as de José Eduardo dos Reis, revelando a duplicidade. A Polícia Civil abriu investigação e confirmou que ambos os nomes pertenciam à mesma pessoa.
Segundo a Promotoria, a farsa começou em 1980 com a emissão de documentos falsos. Na época, José Eduardo apresentou ao Instituto de Identificação paulista uma nova certidão de nascimento e outros papéis forjados, como certificado de reservista e carteira de trabalho, todos em nome da falsa identidade britânica.
A falta de sistemas digitais favoreceu a manutenção da farsa por décadas. Como os bancos de dados não se comunicavam entre si e não havia biometria, ele conseguiu usar ambas as identidades em contextos diferentes. Em 1993, por exemplo, renovou o RG com o nome verdadeiro, mas se apresentava como "vendedor com ensino fundamental".
Na USP, disse ser descendente da nobreza britânica e ex-morador de Londres. Durante entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo em 1995, pouco após ser aprovado no concurso da magistratura, afirmou ter morado até os 25 anos na Inglaterra e que seu avô fora juiz no Reino Unido. Segundo a denúncia, essas alegações eram parte da construção da identidade fictícia.
Falsidade ideológica
A Promotoria afirma que ele cometeu falsidade ideológica em ao menos três registros oficiais. Entre os crimes apontados estão adulterações no prontuário de biometria do Detran, no Renavam e na carteira de identidade.
O caso é conduzido pelo promotor Maurício Salvadori, da 116ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital. "Por razões desconhecidas, José Eduardo Franco dos Reis criou a figura de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield como uma personalidade diversa [...]", escreveu Salvadori na denúncia. "De forma flagrantemente ardilosa, por mais de 40 anos enganou quase a totalidade das instituições públicas, traiu jurisdicionados [...]", completou.
Mesmo aposentado, ele recebeu R$ 155 mil dos cofres públicos em janeiro deste ano. O valor inclui remuneração mensal e vantagens eventuais. O Tribunal de Justiça de São Paulo informou que, por se tratar de magistrado aposentado, não há atuação administrativa sobre o caso até que haja decisão judicial definitiva.
Em depoimento, o juiz disse que o britânico era seu irmão gêmeo. Ele alegou que Edward Wickfield teria sido doado a outra família na infância e vivido na Inglaterra. Apresentou inclusive endereço e telefone supostamente ligados ao irmão, mas as informações continuam sob apuração policial.
A defesa do magistrado foi procurada, mas não se manifestou. O Tribunal de Justiça de São Paulo afirmou que não pode comentar o caso por se tratar de processo pendente de julgamento.
* Com informações do Estadão Conteúdo
15 comentários
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Carlos Roberto Thomasi de Freitas
Se não logrou ninguém, se não auferiu vantagens, sobretudo em detrimento ou prejuízo de outrem, teria sido, então, por pura vaidade. Compreende-se o que poderia ser uma tolice. Mas qual é o problema? Todos nós já fomos, pelo menos uma vez, tolos, ou tem alguém aí que nos dirá que nunca o foi? Foi sim, apenas não chegou ainda só conhecimento dele. Queria um título de nobreza, que no passado, muitos compravam ou até cometiam crimes para consegui-lo. No entanto, fica a pergunta, será que já teria condenado (ou absolvido) alguém por idêntica ou semelhante conduta?
Osmar Marino Filho
Eu acho que também sou inglês, de família nobre, só que ainda tô pobre
Andre de Oliveira Lima
Alguém explica como um funcionário público, de um país pobre, pode receber 150.000 reais mensais, estando sem trabalhar, aposentado? Isso é um escárnio com a população brasileira, que se arrebenta pagando impostos. Função pública não é para enriquecer. Quem quiser isso que se aventure na iniciativa privada.