PSOL veta candidato saído de curso de renovação política, como o de Tabata
O PSOL do Rio de Janeiro estabeleceu novas regras que barram candidaturas à Câmara dos Vereadores de quem tenha passado por cursos de renovação política, como os que formaram os deputados federais Tabata do Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES). A legenda de esquerda também vetará quem tenha auxiliado partidos considerados de direita.
Essa cláusula pode impedir a 1ª suplente do partido na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), Thais Ferreira, de concorrer à Câmara Municipal, além inviabilizar outras seis pré-candidaturas. Thais, 31, que é ativista negra e atua na periferia, vê "falta de transparência" na legenda quanto à resolução. O PSOL-RJ, por sua vez, diz que a chapa proporcional ainda não foi definida.
Divulgada no dia 12, a resolução do PSOL carioca proíbe candidaturas de quem tenha participado de "plataformas de formação, financiamento e estruturação de campanhas, tais como, RenovaBR, Raps e similares". Outro impeditivo é ter participado de mandatos legislativos de partido apoiador de "governos burgueses de direita" e que tenham votado contra os trabalhadores.
A ativista fez à distância o curso RenovaBR 2018 sobre desafios do Brasil e eleições. Ela relata que foram discutidos temas de saúde, educação, combate à corrupção e funcionamento dos três Poderes. "Também aprendi sobre direito eleitoral, redes sociais, financiamento coletivo e assuntos afins. Terminou em julho de 2018 e, após isso, me desvinculei. Nem diploma eu peguei", disse Thais.
Em 2019 e neste ano, ela assessorou a deputada estadual Marina Helou (Rede Sustentabilidade), em São Paulo.
Faltou transparência, diz pré-candidata do PSOL
Ao UOL, Thais conta que soube da decisão pelo WhatsApp. "Começou a ser comentado na segunda-feira (10), até que chegou o e-mail no dia 12. Para além do impacto, o que mais pesou foi a falta de comunicação fluida e de transparência no processo. A Executiva do partido tem autonomia para decidir, mas o debate não pode ser de portas fechadas."
Reduzir minha história a um curso EAD [ensino à distância] de cinco meses é complexo. Até comparação da minha trajetória com a da Tabata Amaral está saindo por aí, o que não procede. Sempre fui anticapitalista, contra a Reforma da Previdência e apoiadora da classe trabalhadora. Minha raiz é preta e periférica
Thais Ferreira, ativista comunitária
No PSOL, há quem defenda que, ao fazer o curso do RenovaBR, Thais esteja "repetindo o roteiro de Tabata". A deputada federal chegou a ser ameaçada de expulsão do PDT por ir contra diretrizes do partido durante votações importantes, como a que remodelou a Previdência.
Eu estou no limbo e isolada politicamente. De um lado, empresários não investem em mim por ser 'identitária demais'. Por outro, o PSOL desconfia, me achando neoliberal por fazer esses cursos
Thais Ferreira, ativista comunitária
Em nota enviada à reportagem, o PSOL-Rio não se pronunciou sobre o pedido de candidatura da ativista, pois ainda não finalizou o processo interno para definir a chapa proporcional para as eleições municipais. A convenção do partido acontece no dia 31.
A legenda afirma que "os debates ainda estão em curso e não há nenhuma definição sobre os casos individuais para além das resoluções gerais aprovadas pelo Diretório Municipal". Na segunda-feira (24), Thais defenderá sua pré-candidatura em oitiva do PSOL.
O RenovaBR
Além de Thais e Tabata, o deputado federal Felipe Rigoni (PSB) também já participou do programa RenovaBR que se intitula "a maior escola de democracia do Brasil" e diz já ter formado mais de 35 mil pessoas. O foco é promover renovação política.
Afirmando não ser partido nem movimento político, a escola recebe apoio de empresas como a consultoria empresarial PwC e empresa aérea GOL.
No Conselho Consultivo, que dá suporte à direção executiva, há nomes como o do diretor do Instituto Coalizão Saúde Cláudio Lottenberg, filiado ao DEM e possível vice de Bruno Covas (PSDB) na corrida à Prefeitura de São Paulo, e do apresentador Luciano Huck, cotado para disputar a Presidência da República em 2022.
Em relação à polêmica com o PSOL-RJ, Thais Ferreira recebeu apoio de influenciadores políticos nas redes sociais, como o ativista do jornal comunitário Voz das Comunidades e da Anistia Internacional Brasil, Marcelo David Macedo.
"Se o partido tem questões, deveria ter sido transparente desde o início. Thais é a primeira suplente na Alerj apesar de o PSOL ter morrinhado o apoio a ela até a reta final da campanha", publicou em seu perfil no Twitter. "É muita p*taria com gente que trabalha sério enquanto os/as picaretas de sempre passam batido."
Para cientista político, decisão é 'acertada' e 'equivocada'
A ativista recebeu mais de 24 mil votos em 2018. Questionada sobre os novos critérios, ela diz compreender a postura do partido, mas acredita ser preciso permear todos os espaços para fazer parte da vida política.
"Entendo que possa haver insegurança quanto a essas tentativas do capital, mas eu não me furto do lugar do desafio. É preciso se colocar à prova para não ficarmos à mercê e não saber de onde vem o que nos atinge."
Esse paralelo também é apontado pelo professor do Departamento de Ciência Política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Cristiano Andrade, autor do livro Afro-Latinos em Movimento.
Por um lado, a decisão do PSOL-RJ é acertada, pois garante maior isonomia entre as candidaturas. Por outro, é equivocada ao ser tomada no meio do processo, sem um debate aprofundado e democrático em todas as instâncias partidárias
Para o cientista, grandes empresários e fundações, ainda que não manifestem publicamente, têm viés ideológico e procuram formar quadros políticos alinhados a seus interesses.
"É uma estratégia eleitoral para corromper o modelo de financiamento público de campanhas", explica. As doações empresariais são proibidas desde 2018.
Como possível solução para o caso de Thais e das outras seis pré-candidaturas, Andrade diz acreditar que o PSOL possa decidir que a regra só valha a partir das próximas eleições, "uma vez que não houve tempo hábil para que todos tomassem ciência da decisão".
Atualmente, Thais, que é mãe de três filhos pequenos, está desempregada após pedir exoneração do cargo da assessoria da deputada Marina Helou. Ainda assim, enxerga o futuro com esperança.
No dia 24 de agosto, vou fazer a oitiva para lutar contra essa decisão e resolver esses equívocos, afinal, não tem cabimento sair da legenda. Em nenhum momento eu ataquei o partido. Não tenho nada a temer do que possam me acusar, pois sou convicta do que acredito. Minha carreira sempre foi construída na coletividade e nos meus ideais
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