#MinhaCidadePrecisa: No Recife, eleitores cobram mais saneamento básico
O problema urbano que os moradores do Recife mais desejam ver solucionado por quem assumir a prefeitura da cidade no ano que vem é a falta de saneamento básico, aponta um levantamento exclusivo do UOL em parceria com o Twitter.
Do início ao fim de setembro, a rede social coletou respostas e comentários de 9.100 pessoas sobre as principais demandas da capital pernambucana dentro do projeto #MinhaCidadePrecisa, que vai ouvir eleitores das principais capitais brasileiras nas semanas anteriores ao primeiro turno das eleições municipais. Foram 16,7 mil tuítes enviados por eleitores do Recife sobre vários tipos de problema —e o saneamento foi o assunto mais citado.
Trata-se de um problema histórico. Embora tenha começado a implantar uma rede de água e esgoto na primeira década do século 20, em projeto comandado pelo pioneiro engenheiro civil Saturnino de Brito (1864-1929), Recife com o tempo ficou para trás no ranking sanitário das grandes cidades brasileiras. Entre as dez maiores capitais, a pernambucana tem hoje o segundo pior índice de cobertura da rede de esgoto.
A parcela da população vivendo sem acesso ao esgotamento é de 56,5%, percentual só inferior ao de Manaus (87,6%) na lista das grandes regiões metropolitanas.
O esgoto não tratado vai parar nos rios e no mar, provocando uma sensação conhecida dos recifenses. "Você passa até em áreas turísticas como a avenida Boa Viagem e sente a catinga. A verdade é que a cidade fede até em áreas nobres", reclama o pesquisador Demétrius Ferreira, cofundador do Observatório de Saneamento Ambiental do Recife (OSAR).
A situação melhorou desde o início do projeto Cidade Saneada, uma PPP (Parceria Público Privada) assinada há sete anos pela companhia estadual de abastecimento (Compesa) e a BRK Ambiental (ex-Odebrecht Ambiental). A taxa de cobertura da rede de esgoto aumentou de apenas 27% em 2013 para 42% neste ano, de acordo com a BRK. Mas o caminho até a universalização é longo: pelo contrato, a região metropolitana do Recife só terá serviço de esgoto para 90% da população em 2037.
"É inquestionável que a parte do esgotamento avançou com a PPP", diz Ferreira. "Só que existem pontos no contrato que bloqueiam a universalização. A empresa (BRK Ambiental) não entra em área não urbanizada e falta à prefeitura encarar a responsabilidade de urbanizar a cidade."
O pesquisador cita estudo do próprio governo municipal que identificou quase metade da população vivendo em áreas pobres, consideradas precárias. Mas até em regiões mais ricas há o que Ferreira chama de "saneamento informal": construções com ligação clandestina tanto de água quanto de esgoto.
Há bairros de alta renda desconectados do sistema de abastecimento. Para dar uma ideia, um levantamento identificou 16 mil poços perfurados na cidade, dos quais 13 mil são clandestinos. O grande problema é que o Recife informal é maior que o formal.
Novo Marco do Saneamento diz que prefeitos são os responsáveis
A expectativa de especialistas ambientais, formuladores de políticas urbanas e líderes de organizações da sociedade civil é a de que os prefeitos eleitos em 2020 sejam mais cobrados a enfrentar o déficit de saneamento registrado em grande parte das cidades brasileiras.
Considerando o país inteiro, 46,9% da população ainda não têm coleta de esgoto e 16,4% não têm acesso ao sistema de abastecimento de água, apontam os dados mais recentes do Trata Brasil, instituto que desde 2007 estimula a discussão pública sobre o assunto.
A esperança está na lei do Novo Marco do Saneamento, sancionada em julho pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após mais de dois anos de discussão no Congresso Nacional.
A principal novidade da lei é facilitar a participação da iniciativa privada no setor, com objetivo de levar coleta e tratamento de esgoto a 90% dos brasileiros e água limpa a 99%, até 2033 —as empresas podem pedir aumento do prazo até 2040. Mas a nova legislação também determina que a responsabilidade pelo saneamento é dos prefeitos, e não de concessionárias ou dos governos estaduais.
"As prefeituras têm papel fundamental, embora às vezes não pareça. Agora na nova lei isso está claro. A condução e o planejamento sanitário cabem aos prefeitos. Eles não podem delegar isso às empresas de água e esgoto, como muitos fazem", ressalta Édison Carlos, presidente-executivo do Trata Brasil.
No Recife, dos 11 nomes que disputam a prefeitura, apenas quatro abordam o tema saneamento básico no programa de governo apresentado à Justiça Eleitoral —em geral, de forma genérica, sem propostas específicas. Entre os primeiros colocados nas pesquisas, só o programa de Marília Arraes (PT) prevê explicitamente a universalização.
"O problema é que muitos políticos, quando viram prefeitos, não conhecem suas responsabilidades nem na antiga nem na nova lei. Mas são eles que serão responsabilizados, inclusive perante a Justiça, se não garantirem o cumprimento das metas definidas nos contratos. Se a empresa não entregar, troca, não renova a concessão", diz Édison Carlos.
Para o presidente do Trata Brasil, falta compreensão da amplitude e das consequências da falta de saneamento. "O nome saneamento básico não é à toa. O contato com água ruim deixa as pessoas doentes. As crianças não vão à escola. E o esgoto desvaloriza os imóveis, a cidade perde muito por não ter saneamento", diz.
"Não adianta o prefeito construir 50 postos de saúde numa comunidade se o esgoto passa na frente da casa. Por isso os prefeitos precisam fazer uma boa negociação com as empresas e fazer articulação política para regularizar as áreas mais complexas. Quanto mais a empresa investe, mais a prefeitura economiza para outras áreas. É importante o eleitor entender tudo isso e escolher certo. Votar em quem tem como prioridade resolver os problemas."
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