Candidatos recebem auxílio emergencial e doam para a própria campanha
Pelo menos uma dezena de candidatos a vereador de São Paulo e Rio de Janeiro doaram dinheiro para suas próprias campanhas eleitorais enquanto também receberam o auxílio emergencial pago pelo governo federal a prejudicados pela pandemia do novo coronavírus.
O número foi constatado ao cruzar dados já disponíveis de prestação de contas eleitorais com as folhas de pagamento do benefício social.
O levantamento revelou que a candidata a vereadora em São Paulo Mayara Tavares (Patriota) doou R$ 5.150 a sua campanha, divididos em duas transferências eletrônicas realizadas no final do mês de setembro. Dias antes, recebeu R$ 600 do governo federal.
Desde maio, Mayara já recebeu quatro parcelas do auxílio emergencial, totalizando R$ 2.400. Uma quinta parcela no mesmo valor está com pagamento aprovado.
A candidata declarou à Justiça Eleitoral ter mais de R$ 200 mil depositados em contas bancárias em seu nome. Procurada, Mayara disse que os recursos para doação a sua campanha vieram dessas contas. "Eu fiz uma economia para realizar meu sonho de ser candidata", disse. "Sou contra o fundão [Fundo Especial de Financiamento de Campanha]."
"Sou autônoma e minha renda diminuiu muito na pandemia", complementou Mayara, ratificando que precisa do dinheiro.
Com o auxílio, pude manter meu sonho de concorrer a vereadora para ajudar os mais necessitados sem afetar muito a minha subsistência. Não cometi nenhum crime.
Mayara Tavares, candidata a vereadora em São Paulo pelo Patriota
De fato, não há ilegalidade no fato de um candidato ser doador de sua própria campanha e ao mesmo tempo beneficiário de programa social, segundo advogados consultados pelo UOL.
O auxílio emergencial é destinado a trabalhadores sem carteira assinada e desempregados. Para ter direito ao benefício, é necessário possuir rendimentos de até R$ 28.559,70 em 2018 e 2019, ter no máximo de R$ 300 mil em bens e ter renda familiar de até R$ 3.135.
Candidato dono de BMW recebe auxílio
O empresário e candidato a vereador em São Paulo Luiz Castro (PSD) também é beneficiário do auxílio emergencial. Ele fez uma doação de R$ 1.000 para a própria campanha neste mês. Em sua declaração de bens, Castro informou ser dono de um carro BMW X1 avaliado em R$ 70 mil.
Procurado pelo UOL, disse ue recebeu R$ 1.200 do governo federal. Afirmou que, quando solicitou o benefício, precisava do dinheiro. "Foi realmente uma fase de necessidade."
Mais tarde, acabou recebendo recursos provenientes de seu trabalho, deixou de precisar do auxílio e resolveu investir em sua campanha. "Recebi recursos e decidi investir em santinhos."
De acordo com o governo federal, entretanto, Castro já recebeu R$ 3.000 em auxílios e continua como beneficiário do auxílio emergencial. Castro recebeu R$ 600 no final de setembro e já tem dois pagamentos de R$ 300 aprovados.
Questionado sobre esses pagamentos, Castro diz que os depósitos feitos em sua conta têm sido estornados.
Estudante candidato 'sobrevive' do auxílio
O estudante e candidato a vereador em São Paulo Igor da Juventude Trabalhadora (PCB) doou R$ 2.000 para sua campanha no dia 24 de setembro. Um dia antes, recebeu R$ 600 do auxílio emergencial. Ao todo, já foram R$ 3.000 vindos do governo federal.
Igor contou ao UOL que "sobreviveu" na pandemia com ajuda do auxílio. "Faço graduação e estou há dois anos sem um emprego fixo. Até estágio perdi", afirmou.
O auxílio pagou minhas necessidades básicas durante a pandemia.
Igor da Juventude Trabalhadora (PCB), candidato a vereador e beneficiário do auxílio emergencial
Segundo ele, o dinheiro que ele aplicou em sua campanha veio da poupança acumulada no seu último emprego. "Declarei a poupança à Justiça Eleitoral. Eram R$ 12 mil. Agora, já não tenho mais isso."
A campanha de Igor já arrecadou mais de R$ 76 mil em doações, segundo prestação de contas preliminares. Disso, R$ 70 mil vieram do PCB.
Doação própria é "vaquinha familiar"
O candidato a vereador no Rio de Janeiro Elzo Araújo (PROS) também é beneficiário do auxílio emergencial e doador de sua própria campanha. Na sua prestação de contas, constam dois depósitos feitos pelo próprio candidato, totalizando R$ 950.
Araújo, também conhecido como Gero, disse que precisou do auxílio porque o faturamento de sua microempresa caiu muito na pandemia. Ao todo, ele já recebeu R$ 3.000 do governo. Explicou que só doou para sua campanha pois recebeu ajuda de familiares.
"Pessoal da minha família deu um ajuda. Eu fui lá e depositei", contou. "Minha mãe tem mais de 70 anos. Se ela tivesse que fazer a doação, não conseguiria nunca."
A reportagem tentou contato com o candidato Augusto Nunes (PSD) pelo e-mail informado à Justiça Eleitoral e pela assessoria do partido, mas Nunes não respondeu aos questionamentos.
O PTB, de Vlad do Foto, se enquadra no mesmo caso. Patrick Welber, vice-presidente do PTB-RJ, disse que procuraria o candidato para que ele prestasse esclarecimentos ao UOL. Vlad não se pronunciou.
Ontem, o TCU (Tribunal de Contas da União) determinou que o Ministério da Cidadania e o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) revisem os pagamentos do auxílio emergencial, Bolsa Família e BPC (Benefício de Prestação Continuada) a candidatos que declararam patrimônio acima de R$ 300 mil. Para o órgão, há indícios de irregularidades na concessão dos benefícios.
Pesquisa do próprio tribunal apontou que 10.724 candidatos que declararam ter mais de R$ 300 mil em bens receberam o auxílio emergencial. Desses, 1.320 têm mais de R$ 1 milhão de patrimônio declarado à Justiça Eleitoral.
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