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31% dos candidatos a prefeito não receberam verba pública para a campanha

Avenida Fernandes Lima, em Maceió, repleta de santinhos e panfletos de candidatos - Carlos Madeiro/UOL
Avenida Fernandes Lima, em Maceió, repleta de santinhos e panfletos de candidatos Imagem: Carlos Madeiro/UOL

Amanda Rossi

Do UOL, em São Paulo

18/11/2020 04h00

O financiamento das eleições 2020 foi diferente de todas as outras disputas municipais. Pela primeira vez, a principal fonte de receitas dos candidatos a prefeito foi o próprio governo, e não doadores privados. Mas o dinheiro público não chegou para todos. Dentre os candidatos a prefeito, 31% não receberam verba pública na campanha, segundo a prestação de contas divulgada até o domingo de eleições.

São 5.800 candidatos a prefeito sem financiamento público. Dentre eles, 1.300 se elegeram. Em cerca de 200 cidades brasileiras, a disputa aconteceu sem verba pública em nenhuma das campanhas. Já em São Paulo, as candidaturas de prefeito custaram R$ 33,7 milhões aos cofres públicos.

Em alguns casos, os candidatos a prefeito que não receberam recurso público para campanha ficaram de fora do rateio feito por seus partidos. Em outros, partidos ou candidatos abriram mão de usar o dinheiro, por serem contra o financiamento público.

"Se eu olhasse de fora, ia achar que minha campanha era fantasma. Foi uma humilhação", diz Bianca Biancardi, que concorreu a prefeita de Cariacica, cidade de cerca de 400 mil habitantes no Espírito Santo.

Filiada ao PMB, a candidata não recebeu dinheiro do partido para a campanha. Em doações privadas, obteve R$ 6.000.

"É ridículo uma candidata a prefeita de uma cidade gastar menos de R$ 7.000. Eu não tive incentivo de ninguém", afirma Bianca, que ficou em último lugar na disputa.

O PMB é o partido que menos financiou seus candidatos a prefeito —91% não receberam nada da sigla. Também é um dos partidos que menos recebe dinheiro público.

Anísio Maia - PT/Divulgação - PT/Divulgação
Anísio Maia, candidato à revelia do PT nacional em João Pessoa não recebeu verba do Fundo Eleitoral
Imagem: PT/Divulgação
Em 2020, o Fundo Eleitoral dividiu R$ 2 bilhões entre os partidos. Siglas maiores, com mais votos e mais representantes no Congresso, recebem mais. No caso do PMB, ficou com a cota mínima, de R$ 1,2 milhão. Depois de receber o dinheiro, é o partido que decide como será a repartição entre os candidatos.

"Se o candidato a prefeito não é muito competitivo, vai receber menos recursos. Os partidos têm um desenho de uma estratégia. Vão investir mais onde têm mais chance", diz Andrea Freitas, professora de ciência política da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Do ponto de vista dos partidos, lançar um candidato não competitivo e não colocar dinheiro na sua campanha faz sentido, diz ela. "Os partidos não podem pensar só nesta eleição, têm de pensar em outras que virão. Candidatos a prefeito são excelentes cabos eleitorais para candidatos a deputado federal e estadual. Lançar candidato a prefeito é um bom jeito de conquistar esses apoios futuros."

Partido com dinheiro, candidato sem recurso

Mas mesmo os partidos com mais Fundo Eleitoral não financiaram a campanha de todos os candidatos nas eleições 2020.

O PT, que obteve a maior fatia do fundo, R$ 201 milhões, deixou 10% dos postulantes a prefeito de fora do rateio —mais de cem candidatos. Entre eles, o candidato a prefeito de João Pessoa (PB), Anisio Maia, que ficou em nono lugar nas urnas. Isso porque a Executiva nacional defendeu outro candidato, Ricardo Coutinho (PSB). Ele também ficou de fora do segundo turno.

Já em São Paulo, o PT colocou R$ 4,9 milhões do Fundo Eleitoral na candidatura de Jilmar Tatto, que ficou na sexta colocação.

O PSL, que tem a segunda maior parcela do Fundo Eleitoral, R$ 199 milhões, não deu dinheiro para 30% dos candidatos a prefeito —mais de 200. Por outro lado, Joice Hasselmann, que concorreu a Prefeitura de São Paulo, recebeu R$ 5,9 milhões. Com 1,8% dos votos, não foi eleita.

"Os amigos do rei levam a maior parte do dinheiro, enquanto muitos ganham uma migalha ou não ganham nada", diz Bruno Carazza, especialista em financiamento eleitoral no Brasil e autor do livro "Dinheiro, Eleições e Poder". Segundo Carazza, a falta de regras para distribuição de recursos "reforça a estrutura de poder das lideranças partidárias, dificultando a oxigenação dos partidos políticos e das lideranças".

Partidos e candidatos contra o Fundo Eleitoral

Até as eleições 2016, as doações privadas eram a principal forma de financiamento das campanhas de prefeitos. Naquele ano, só foram permitidas doações de pessoas físicas —as doações de empresas se tornaram proibidas após uma decisão do Supremo Tribunal Federal em 2015. Sem dinheiro de empresas e com pouco recurso público, as receitas das campanhas minguaram.

Joice - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO - ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Joice Hasselmann recebeu R$ 5,9 milhões do PSL, mas não passou ao segundo turno
Imagem: ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
Para contornar a queda de receitas, em 2017, foi criado o Fundo Eleitoral. Além dele, os partidos podem usar recursos do Fundo Partidário nas eleições. Este ano, até o domingo de eleições, os candidatos a prefeito declararam que receberam R$ 1,1 bilhão do Fundo Eleitoral e R$ 58 milhões do Fundo Partidário. Já de doações de pessoas físicas foram R$ 518 milhões.

Dois partidos abriram mão do Fundo Eleitoral. O Novo, que tinha direito a R$ 37 milhões, e o PRTB, R$ 1,2 milhão. Juntas, as siglas lançaram 330 candidatos a prefeito.

Candidatos de outras siglas também decidiram, por conta própria, abrir mão do dinheiro público na campanha. "O partido disse que tinha um dinheiro para distribuir entre os candidatos. Mas nós não queríamos o Fundo Eleitoral. Prometemos para o eleitor que não íamos usar dinheiro público para fazer campanha", diz Luigi Rotunno, candidato a prefeito de Porto Seguro, na Bahia, pelo PSDB.

O candidato ficou em terceiro lugar, com 17% dos votos. O primeiro lugar usou R$ 350 mil do Fundo Eleitoral. O segundo, R$ 215 mil. "Claro que é injusta [a disputa]. É uma outra forma de fazer campanha, totalmente diferente. Mas foi uma opção nossa", diz Rotunno.