Quociente deixa de fora candidatos com mais votos que alguns eleitos
A vitória de candidatos a vereador pouco votados e a derrota daqueles que angariam mais apoio nas urnas gerou uma onda de críticas nas redes sociais. Inúmeras publicações compararam os votos de eleitos ou suplentes com aqueles que ficaram de fora da Câmara de Vereadores. Em muitos casos, a diferença foi gritante.
A situação se deve pelo quociente eleitoral, cálculo que estipula quantos votos cada partido precisa somar para obter uma ou mais cadeiras no Legislativo municipal. Se não atingir esse número, o partido não terá representante na Câmara. A regra é aplicada na escolha de vereadores e deputados (estaduais, federais ou distritais).
Em Santa Maria (RS), a candidata Alice Carvalho (PSOL), 24 anos, foi a mais votada e superou todos os outros adversários, mas não foi eleita. Obteve 3.371 votos —685 a mais em relação ao segundo colocado. Além dela, havia outros dois candidatos que concorriam pela sigla. Juntos, conseguiram convencer 3.999 pessoas a digitarem seus números nas urnas. Mas era preciso mais: 6.907 votos.
Ao UOL, Alice não escondeu o descontentamento por ficar de fora da Câmara, apesar da votação expressiva. "Na verdade, foi um misto de sentimentos. Teve a frustração inicial, mas, independente do resultado, a gente sentiu que nossa candidatura foi muito vitoriosa. A gente conseguiu atingir muitas pessoas que acreditaram nesse sonho", ponderou.
A estudante de direito garante que não vai parar por aqui. "A gente sempre fala que a nossa luta não começou nas urnas e não vai terminar nas urnas."
Na cidade de São Paulo, a situação se repetiu. A jornalista Renata Falzoni (PV), 67 anos, teve mais de 26 mil votos e também não obteve a cadeira no Legislativo municipal. Apesar de ter 74 nomes na disputa, o partido dela só conseguiu emplacar um candidato com quase o dobro de votos de Renata. Por outro lado, outra sigla conseguiu uma cadeira com menos da metade do apoio da jornalista.
Em vídeo após o resultado, Renata agradeceu o apoio, mas reconheceu que estava "muito triste" com a situação. "Foi uma campanha linda, ética, maravilhosa e alegre por uma pauta justa. Vamos continuar na luta", disse na gravação.
Ao UOL, Renata salientou que as eleições deste ano foram atípicas já que os partidos não podiam fazer coligações.
"Todos os partidos buscaram o maior número de candidatos, o que pulverizou os votos. No caso do PV, tivemos uma quantidade muito grande de candidatos com 500 votos. Só sete tiveram mais de mil votos. A impressão que fica é a realidade —meus eleitores fizeram o que tinha que ser feito, eu fiquei em 33º lugar na votação, quem não fez o trabalho foi o partido."
A jornalista observa que a opção pelo PV pode não ter agradado parte da base eleitoral dela. Apesar disso, ela não se arrepende de ter concorrido pela sigla. "Tive que fugir dos partidos mais polarizados, senão perderia muito do meu eleitorado se fosse para um partido mais extremista. As cláusulas do PV batem com o que eu acredito, tem regras e diretrizes que eu endosso. Porém, o PV faz alianças que desagradam parte do meu eleitorado", salienta.
'O sistema é esse'
Em Fortaleza, o advogado Rodrigo Marinho (Novo), 40 anos, angariou 8 mil votos, mas também não conquistou uma cadeira na Câmara. O partido dele obteve mais de 13 mil votos, mas era preciso quase o dobro para ele ser eleito.
"O sistema é esse. Teve gente com 3 mil votos que foi eleita e eu não. Mas faz parte, o Novo não usa dinheiro público, não usa fundo eleitoral", afirma o advogado, lembrando que só dez pessoas se candidataram pela sigla na cidade.
Colega de partido, o empresário Gabriel Cesar de Andrade (Novo), 24 anos, passou por situação semelhante em Florianópolis. Ele obteve mais de 2 mil votos e não conseguiu ser eleito, enquanto candidatos com menos apoio conseguiram a vaga. "Antes do resultado, imaginei que se não rolasse eu ficaria triste. Depois, a única coisa que não fiquei foi triste. O primeiro sentimento foi de missão cumprida. [Minha campanha] não teve igreja comprada, não teve populismo, entre outras coisas."
Para Andrade, o sistema atual tem melhores resultados em outros países, mas, segundo ele, aqui falta coesão ideológica entre as siglas. "Sou a favor de um sistema majoritário, mas essa mudança é em nível federal. E isso poderia passar a imagem que eu não sei perder. Eu não perdi, fiz campanha limpa. Estou muito feliz, de alma lavada, não considero uma derrota, está surreal", revela.
5º mais votado em Manaus, coletivo também fica de fora
Um coletivo de cinco mulheres ficou na quinta posição entre os mais votados em Manaus. No entanto, mesmo com mais de 7,6 mil votos, o grupo também não foi eleito por conta do quociente eleitoral. Para ingressar na Câmara, era preciso que o partido delas (PSOL) tivesse o apoio nas urnas de 18 mil pessoas, mas obteve cerca de 10 mil.
Por outro lado, um outro candidato do PTC conseguiu o passe para o Legislativo Municipal com 2.450 votos.
Apesar do resultado, a produtora cultural Michelle Andrews, 36 anos, entende que ocupar um cargo é uma questão de tempo. "Não vamos desistir. A gente faz a política da vida real. Eu, por exemplo, trabalho, estudo e tenho vida amorosa ativa, sou muito bem casada. Se a gente conseguisse (se eleger), seria uma megarrevolução na cidade de Manaus."
Ela destaca a dificuldade de fazer campanha em meio à pandemia do novo coronavírus, enquanto outros candidatos descumpriam os protocolos de saúde.
"A pandemia lascou a dinâmica (da campanha). Não dá para ganhar a eleição em home office. Só a gente seguia protocolo, os outros estavam aglomerando descaradamente. Eu fiz seis testes [para a covid-19] na campanha. Ficava oito dias fora e voltava", conta Michelle, que ainda quebrou o pé nesse período.
Colega de coletivo, a estudante de direito Alessandrine Silva, 28 anos, afirma que não ter sido eleita é frustrante, mas defende que a votação expressiva é sinal que parte da população da cidade quer mudança. "Tivemos quase o triplo de votos de alguns vereadores. Vamos continuar nesse lugar de representar as pessoas. As pessoas estão incomodadas, frustradas e esperançosas. E agora a gente está recebendo frutos, de pessoas que querem entrar no partido."
'Maneira de amenizar força popular', diz pesquisador
O cientista político e professor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Tiago Losso, observa que o quociente eleitoral procura aumentar a importância do partido e coibir a liderança pessoal de um candidato.
"É uma maneira de amenizar a força popular. Por mais estranho que isso possa parecer, nosso sistema atua para evitar que uma maioria tenha muita interferência. Uma Câmara de vereadores não é formada pelos mais votados, mas pelos mais votados de determinados partidos", entende.
O voto popular é temperado por mecanismos que diminuem o peso dele. Ou ele limita ou modula. Esses mecanismos contra o voto majoritário (de uma maioria) têm como uma das características impedir que personalidades, que uma maioria avassaladora, possam tomar decisões que não olhem para quem é minoria."
Para o pesquisador, o quociente eleitoral ganhou mais fôlego neste ano por não ser permitido as coligações entre partido na disputa para vereadores.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.