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Tema de embate entre Bolsonaro e Ciro, quantas pessoas passam fome no país?

Do UOL, em São Paulo

29/08/2022 12h24

O debate presidencial promovido ontem por UOL, Folha, TVs Band e Cultura teve a fome como tema de um embate entre os candidatos Jair Bolsonaro (PL) e Ciro Gomes (PDT).

Questionado pelo pedetista, o presidente, que concorre a reeleição, levantou a voz e minimizou a fome no país. Ao contrário do que ele disse, no entanto, dados de diferentes fontes mostram que houve um aumento da fome no Brasil.

33 milhões passam fome. De acordo com a segunda edição do Inquérito Nacional Sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil, feita pela Rede Penssan (Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) e divulgada em junho deste ano, há 125 milhões de pessoas em insegurança alimentar (em grau leve, moderado ou grave) no Brasil. Desse total, são mais de 33 milhões em situação de fome (insegurança alimentar grave).

O que Ciro perguntou? Ciro iniciou seu questionamento afirmando que Bolsonaro "costuma falar muitos absurdos" e disse ter ficado "chocado" com a declaração dada pelo chefe do Executivo na sexta-feira (26) de que no Brasil não existe "fome para valer". Ele perguntou, então, se Bolsonaro não temia ser interpretado como conivente com o problema.

Presidente Bolsonaro, o senhor, infelizmente, para mim, costuma falar muitos absurdos. Eu não sei se por maldade ou para desviar a atenção dos gravíssimos problemas do governo, seja de inflação, seja de corrupção, seja de problemas familiares, mas, assim, entre tantas aberrações que eu já ouvi e que me levaram a certa indignação, eu, anteontem, fiquei chocado. O senhor disse, pura e simplesmente, que o Brasil não tem gente com fome e que as pessoas não procuram pedir comida, porque o Brasil não tem, propriamente, fome; as pessoas até não comem bem, eu ouvi o senhor falando, mas que não tem fome no Brasil. O senhor não — Qualquer pessoa que conhece o Brasil como eu conheço, que anda nas ruas, vendo as pessoas com placa pedindo comida, qualquer pessoa que não tenha trocado o coração por uma pedra sabe que a fome está no lar de muitos milhões de brasileiros, que a subnutrição ofende crianças na mais jovem das idades; as mães estão nos ouvindo aqui, e elas sabem o que é uma criança dizer 'mãe, estou com fome'. O senhor não teme que isso seja interpretado como conivência com isso?

O que Bolsonaro respondeu? O presidente criticou os dados que apontam que milhões de pessoas passam fome no Brasil e classificou os números como "exagerados" e "demagogia".

O meu governo atendeu aos mais necessitados, e esses mais pobres que estão passando necessidade — alguns passam fome, sim, não nesse número exagerado. Querer fazer demagogia com números aqui fica complicado. Aí isso é inadmissível.

Em resposta ao pedetista, Bolsonaro citou números da economia, afirmou que o número de famílias na extrema pobreza no Brasil caiu no governo dele e atribuiu as dificuldades econômicas às políticas de contenção da pandemia de covid-19, que ele chamou de "fica em casa que a economia a gente vê depois".

Uma das principais apostas do presidente para conquistar votos entre os mais pobres para se reeleger, o Auxílio Brasil vai pagar até o final do ano R$ 600 por mês —o valor dele é de R$ 400 por família beneficiária, mas foi elevado antes das eleições após a aprovação pelo Congresso da chamada PEC dos Auxílios.

Bolsonaro tem prometido que poderá, caso reeleito, buscar meios para manter os R$ 600 no próximo ano, sem, no entanto, explicar como isso seria financiado.

Temos aqui dados do próprio Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada], levando-se em conta o começo do meu governo, 2019, até agora: no mundo, o número de famílias na extrema pobreza cresceu, e no Brasil diminuiu — passou de 5,1 milhões para 4 milhões. Ou seja, nós atendemos aos mais necessitados

Conforme mostrou o UOL Confere, a fala do presidente é verdadeira e o Brasil deve fechar 2022 com redução nos índices de extrema pobreza. De acordo com o Ipea, a projeção é de queda para 4,1% ainda este ano. Em 2019, o Brasil tinha uma taxa de extrema pobreza de 5,1%.

Dados confiáveis e trapalhada na tréplica. Ciro, por sua vez, rebateu Bolsonaro e disse que os dados são confiáveis: "São números recentes. 33 milhões e 100 mil brasileiros estão passando fome. 125 milhões de brasileiros. Você está nos ouvindo aí. Só uma de cada quatro crianças no Brasil fazem as três refeições", disse o ex-governador do Ceará.

O presidente se atrapalhou com as regras e acabou ficando com apenas 13 segundos para tréplica, tempo que usou para repetir um dado que já havia citado.

Outros dados sobre a fome. Além do Inquérito feito pela Rede Penssan, há outras fontes que mostram que houve um aumento da fome no Brasil.

Pesquisa Datafolha realizada no fim de julho apontou que um em cada três brasileiros afirmava que a quantidade de comida em casa nos últimos meses não foi suficiente para alimentar a família.

Um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), também publicado em julho, mostrou que mais de 61 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar no Brasil.

Não é a primeira vez que Bolsonaro minimiza o problema. Na sexta-feira (26), em entrevista ao Ironberg Podcast, transmitido pelas redes sociais, Bolsonaro disse que não existe o problema da fome no Brasil "da forma como é falado".

Antes, em entrevista à Jovem Pan, o presidente também questionou os dados de milhões na linha da pobreza. "Alguém vê alguém pedindo pão no caixa da padaria? Você não vê, pô."

No entanto, em várias cidades brasileiras tem sido comum ver cenas de pessoas pedindo comida ou compra de gêneros alimentícios nas portas das padarias, supermercados e comércios em geral.

Também não é difícil encontrar relatos de brasileiros que chegam a pegar ossos descartados em açougues ou mesmo depender do lixo para se alimentar.

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