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Bancada da Bíblia na Câmara cobra PT por abandono de pautas evangélicas

Michelle e Bolsonaro em culto evangélico em Belo Horizonte  - Reprodução/Facebook
Michelle e Bolsonaro em culto evangélico em Belo Horizonte Imagem: Reprodução/Facebook
Gabriela Vinhal, Leonardo Martins, Eduardo Militão, Lucas Borges Teixeira, Gabriela Vinhal, Leonardo Martins e Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília*

16/09/2022 04h00

A poucas semanas das eleições, a bancada da Bíblia na Câmara dos Deputados reafirma o seu apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) e afasta cada vez mais uma aliança com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Entre os argumentos, estão o suposto abandono das pautas evangélicas nos governos petistas e a retomada de propostas prioritárias para o grupo na gestão bolsonarista.

Deputados que integram o grupo afirmaram que tanto o governo Lula como o de Dilma Rousseff (PT) se esqueceram de olhar para a parcela evangélica da sociedade. Procurado pela reportagem, o PT não se manifestou. Uma das lideranças evangélicas envolvidas na campanha de Lula, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) rebate as críticas dos colegas e diz que aliados de Bolsonaro transformam o segmento religioso em partido político.

Esquecidos. Ex-líder da frente evangélica na Câmara, o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP) disse que o escanteamento de qual se queixam não foi ocorreu somente em governos petistas, mas também no tucano, durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso à frente do Palácio do Planalto.

"Eles sempre nos menosprezaram. São uns mentirosos e enganaram o povo com um pensamento de esquerda. Por exemplo, quem começou com essa história de ideologia de gênero foi o FHC", disse Madureira. O deputado, contudo, não sabia apontar quais políticas foram implementadas pelo governo tucano no tocante ao tema. A reportagem procurou o PSDB, mas o partido afirmou que não iria se posicionar.

Bolsonaro e deputado Cezinha de Madureira no ato "Acelera para Cristo" em São Paulo, em junho de 2021 - Reprodução/ Flickr - Reprodução/ Flickr
Bolsonaro e deputado Cezinha de Madureira no ato "Acelera para Cristo" em São Paulo, em junho de 2021
Imagem: Reprodução/ Flickr

Para Madureira, não foi apenas o resgate do pensamento cristão que mobilizou o apoio a Bolsonaro desde a eleição de 2018, mas o empoderamento dos políticos no Parlamento que "representam essa parte da população".

Foi no atual governo que a bancada conseguiu eleger Lincoln Portela (PL-MG) para a vice-presidência da Câmara e a indicação do evangélico André Mendonça ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Na reta final da campanha eleitoral, Lula tenta quebrar a resistência do eleitorado evangélico — voto que foi decisivo pela vitória do atual presidente na eleição passada. Segundo o último Datafolha, de 9 de setembro, Bolsonaro tem 51% das intenções de voto entre os eleitores evangélicos e Lula, 28%.

Questionado sobre uma possível vitória do petista, Madureira ressaltou que preza pela paz e pela liberdade, e que a bancada "não vai atrapalhar nenhum governo".

Mas ele [Lula, se for eleito] vai ter que conversar com os 150 deputados e vai ter que aderir à nossa pauta. Não vamos compactuar com os mentirosos do PSDB e do PT"
Cezinha de Madureira, deputado pelo PSD-SP

"Ideologia de gênero". A divergência na agenda programática de Lula também foi citada pelo vice-presidente da Câmara, Lincoln Portela. Para ele, porém, não houve falta de abertura com os governos petistas, "porque ninguém governa sozinho".

"O meu problema é a 'ideologia de gênero', a liberação das drogas, o aborto, chamar o agronegócio de 'fascismo'. O espaço sempre há, mas eu, graças a Deus, não tenho nenhum espaço em nenhum governo. Nem no municipal, nem no estadual nem no federal", afirmou.

Segundo o deputado bolsonarista Marco Feliciano (PL-SP), que é pastor da igreja neopentecostal Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento, "os governos petistas, em todos os níveis federativos, sempre se caracterizaram por um forte compromisso com pautas identitárias de minorias, muitas das quais com pensamento diametralmente oposto do professado pelos evangélicos e pela maioria dos brasileiros".

Te digo que, nos 14 anos de desgoverno petista, nossa batalha era diária no Congresso para evitar o avanço dessa pauta maldita. O governo tentava o tempo todo. Não quero ter que passar por tudo aquilo de novo"
Marco Feliciano, deputado pelo PL-SP

24.abr.2019 - O deputado federal Marco Feliciano (Pode-SP)  - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados - Vinicius Loures/Câmara dos Deputados
24.abr.2019 - O deputado federal Marco Feliciano (Pode-SP)
Imagem: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Ele afirma também temer que, caso Lula seja eleito, haja retaliação pelo apoio que a bancada dá a Bolsonaro. "E, além da questão ideológica, o PT já entendeu que hoje a grande sustentação social da direita no Brasil está no segmento evangélico. Retornando ao poder irão nos perseguir", disse.

Líder da bancada da Bíblia, o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) afirma que houve um "afrontamento" das pautas ideológicas pelo PT. Ele justifica o apoio a Bolsonaro pela defesa do presidente às pautas relacionadas aos "costumes e valores", como a criminalização do aborto e das drogas. Bolsonaro costuma citar os assuntos em seus comícios eleitorais.

Agenda conservadora. Na contramão dos colegas da bancada religiosa, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), coordenadora nacional do Núcleo dos Evangélicos do Partido dos Trabalhadores, diz que durante os governos petistas que houve a implementação de programas sociais que beneficiaram as classes mais pobres, inclusive entre os evangélicos.

"Esqueceu quem incluiu tantos brasileiros no Minha Casa Minha Vida, Brasil sem Miséria, Bolsa Família, Luz para Todos? Esses evangélicos [do Congresso] fizeram do segmento um partido político e adotaram como verdade a agenda conservadora. A sociedade é plural, e a maioria da população é cristã, mas não só evangélica. Onde há leis, não tem doutrina", disse a deputada.

Lula, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e Geraldo Alckmin (PSB) - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Lula, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) e Geraldo Alckmin (PSB)
Imagem: Reprodução/Twitter

Benedita listou algumas leis sancionadas durante as gestões, como o Dia Nacional da Marcha para Jesus, em 2009, e o Dia Nacional do Evangélico, em 2010.

Nos bastidores, interlocutores da campanha de Lula afirmam que não há como disputar com o bolsonarismo nas pautas de costumes, e a estratégia traçada é reafirmar as propostas econômicas do plano de governo e no combate às notícias falsas, disparadas por núcleos bolsonaristas, como o boato de que, se eleito, o petista fecharia templos evangélicos.

Não é bem assim. Doutora em Ciências da Comunicação, Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora geral do Coletivo Bereia Informação e Checagem de Notícias, rebate a ideia de que os governos de Lula e de Dilma se distanciaram dos movimentos evangélicos.

O governo Lula e os governos do PT foram os governos que mais deram espaço a evangélicos no acesso ao governo federal desde a redemocratização. Foi no governo Lula que evangélicos tiveram espaço aberto a diálogos no Palácio do Planalto"
Magali Cunha, pesquisadora de movimentos religiosos

Bispo e pastor no governo: Ela cita como exemplo o fato de dois evangélicos serem chefes de ministérios na gestão Dilma Rousseff: o ex-prefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella foi ministro da Pesca e Aquicultura entre 2012 e 2014, e George Hilton esteve à frente da pasta federal de Esportes entre 2015 e 2016, durante a segunda gestão da petista.

Crivella é bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, de denominação neopentecostal, e sobrinho de Edir Macedo, fundador da igreja. George Hilton é pastor da Universal.

"Se são os privilégios, concessões, perdão de dívidas [que parlamentares evangélicos se referem como 'abandono' de Lula], podemos dizer que eles não foram privilegiados como no governo Bolsonaro, que atende aos interesses de uma parcela dos evangélicos, as empresas religiosas e corporações. Se são setores evangélicos de projeto, ONGs, isso aconteceu de forma farta [nos governos petistas]", disse.

Para Magali Cunha, o alinhamento de setores evangélicos com Bolsonaro se dá por ideologia. "Defesa da família, combate a inimigos, que seriam inimigos das igrejas. Esses discursos de Bolsonaro provocam uma reação negativa a Lula, que é colocado como esse inimigo relacionado às esquerdas, que seria uma ameaça às igrejas e seus valores."

*Colaborou Lucas Borges Teixeira, do UOL, em São Paulo