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Quem é o juiz que censurou reportagens do UOL sobre imóveis dos Bolsonaro

Reportagem do UOL foi censurada pela Justiça do DF - Reprodução
Reportagem do UOL foi censurada pela Justiça do DF Imagem: Reprodução

Do UOL, no Rio, em São Paulo e em Brasília

23/09/2022 16h24

Magistrado há quase 30 anos, o desembargador Demétrius Gomes Cavalcanti, do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios), é o responsável por assinar a decisão que censura reportagens do UOL sobre a compra de imóveis com dinheiro vivo pela família Bolsonaro.

O UOL cumpriu a decisão do TJDFT e entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal). À noite, o ministro André Mendonça —sorteado como relator do caso— derrubou a liminar, liberou as reportagens censuradas e disse que o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, não encontra guarida na Constituição Federal.

Cavalcanti foi nomeado em 2016 como integrante da 2ª instância do TJDFT —a decisão liminar foi tomada no âmbito da 3ª Turma Criminal. Ele também atua como juiz auxiliar em uma comissão de magistrados no TRE-DF (Tribunal Regional Eleitoral do DF) na análise de representações do Ministério Público.

Um magistrado do TJDFT disse ter estranhado a censura ao UOL, uma vez que o tribunal costuma seguir a jurisprudência de cortes superiores contra a censura. Apesar disso, o magistrado —que falou à reportagem sob a condição de anonimato— disse ver Cavalcanti como um "excelente juiz".

Para o magistrado, Cavalcanti é técnico, sem vínculos políticos e decide principalmente sob a letra da lei e menos sob decisões anteriores e estudos analíticos —as chamadas jurisprudência e doutrina, no jargão jurídico.

Mudança de interpretação. Apesar de usar a publicação de informações sigilosas de uma investigação como um dos argumentos para censurar as reportagens do UOL, o desembargador já teve interpretações opostas em casos semelhantes envolvendo matérias investigativas.

Em 2012, Cavalcanti julgou diversos recursos movidos por servidores públicos contra o site Congresso em Foco —que, na ocasião, mostrou que centenas de funcionários recebiam supersalários no Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim como nas reportagens do UOL, as matérias se baseavam em investigação oficial, naquele caso do TCU (Tribunal de Contas da União).

Em decisão sobre o caso, Cavalcanti entendeu que "não se verifica na informação conteúdo depreciativo ou atentatório aos direitos da personalidade do autor/recorrente".

Ainda segundo ele, "qualquer servidor da Administração está sujeito a críticas decorrentes do exercício da própria função pública, de modo que a simples evocação das normas que protegem e a intimidade e a vida privada não pode prevalecer diante do direito à informação e interesse público".

O desembargador também negou aos servidores a possibilidade de indenizações motivadas publicação de conteúdo jornalístico desse tipo.

Exclusão de postagens contra Damares. Cavalcanti proferiu nesta semana —como juiz auxiliar do TRE-DF— decisão favorável a Damares Alves, ex-ministra de Bolsonaro e candidata ao Senado na capital federal.

Ele determinou que postagens do perfil do Instagram "Brasília sem Damares" fossem excluídas por "propaganda eleitoral negativa com disseminação de informações falsas".

"Entendo que no presente caso se faz necessária intervenção judicial para que se cessem as ofensas com a finalidade de preservação da higidez do processo eleitoral", disse ele na decisão.

Cavalcanti exige também que o Facebook, responsável pelo Instagram, ceda os dados dos responsáveis pela conta. Hoje não constava no perfil nenhuma publicação daquelas apontadas como ofensivas por Damares.

Soltura de neto de juiz. Em 2004, o neto do então presidente do TJDFT, desembargador José Jeronymo Bezerra, foi preso por tráfico de drogas pela Polícia Federal. Em um plantão judiciário, Cavalcanti mandou soltar Daniel Souza, segundo a revista Época. Cavalcanti foi assessor de Bezerra entre 1993 e 1994.

Na ocasião, Bezerra negou conflito ético. ''Ele [Cavalcanti] sempre foi um burro de carga, um trabalhador. Eu o nomeei porque esse não é um cargo para qualquer um. Só os melhores são convocados para isso'', disse o desembargador à revista. "Não houve deslize ético nem troca de favores."

Pela intranet do TJDFT, Cavalcanti e o juiz Luís Gustavo Barbosa trocaram mensagens sobre o caso. "O fato de já ter sido assessor do avô do paciente não me entorpeceu de suspeição para afastar a análise do pleito, isto porque o direito lhe era cristalinamente favorável, transbordando e sobrepondo a qualquer impedimento", disse Demetrius em 2004, segundo o jornal O Globo.

O interlocutor, contudo, reclamou, dizendo ser o juiz do caso. "O juízo natural já estava estabelecido e, por questão de duas ou três horas, não havia razão para um conhecimento açodado da questão, tampouco para subtrair da Vara Especializada a análise do pedido de soltura", afirmou.

Soltura de suspeita de matar filha. Em dezembro de 2021, o juiz determinou a soltura de Laryssa Yasmin Pires, 21, suspeita de matar a filha Júlia Félix de Moraes, 2. A menina morreu por asfixia e levou dois golpes de faca no tórax na Colônia Agrícola de Samambaia, no Distrito Federal.

O desembargador apontou que havia inconsistências entre depoimentos da mãe e do pai da criança e as provas técnicas produzidas por peritos e soltou Laryssa com uso de tornozeleira eletrônica.

Decisão favorável a candidato apoiado por Lula. Em 24 de agosto, Cavalcanti negou pedido do governador do DF, Ibaneis Rocha (MDB), para derrubar publicação de Leandro Grass (PV), candidato ao governo do Distrito Federal apoiado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A coligação de Ibaneis afirmou que a peça continha divulgação de fake news sobre o Iges-DF (Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal). Na publicação, Grass cita Ibaneis como o "pior governador da história do DF" e diz que ele havia mentido na eleição passada sobre o "problema da saúde pública".

Na sua decisão, Cavalcanti afirmou que Grass "não está veiculando uma informação totalmente inverídica ou conduzindo o eleitorado a uma interpretação equivocada da realidade".

Remoção de propaganda irregular. No último dia 4, Cavalcanti determinou que o partido Solidariedade removesse propaganda que vinculava os seus candidatos a deputado federal à candidatura de Izalci Lucas (PSDB) ao governo do DF. A decisão atendeu a pedido da coligação de Ibaneis, que apontou que o Solidaridade não integra a coligação de Izalci.

Por meio da assessoria do TJ do Distrito Federal, o desembargador disse ao UOL que não faria comentários. "O Desembargador Demétrius Cavalcanti não comenta decisão judicial por vedação legal, de acordo com a Loman [lei da magistratura]. Qualquer questionamento com relação à decisão judicial deve ser feito no âmbito do processo, conforme rito legal", disse a assessoria do tribunal.