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PM de SP abre investigação para apurar direcionamento de voto em Bolsonaro

Do UOL, em São Paulo

29/09/2022 16h51

A Polícia Militar determinou hoje a abertura de uma investigação para apurar a denúncia de direcionamento de voto da tropa nos candidatos à Presidência Jair Bolsonaro (PL) e ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos). O UOL revelou o caso. Em áudio de uma reunião a portas fechadas, um dos oficiais do batalhão de Jundiaí se posiciona politicamente, indicando que há partidos "interessados em acabar com a Polícia Militar".

O comando da unidade também procurou o UOL por email para propor aos policiais militares responsáveis pelo relato para que se identifiquem e registrem as suas versões sobre o episódio no batalhão, abrindo mão do anonimato.

Três policiais conversaram com a reportagem, informando que oficiais pediram voto aos candidatos bolsonaristas em reuniões nos dias 20 e 21 de setembro para orientar o comportamento da tropa nas eleições do próximo domingo (2). No primeiro encontro, registrado em áudio por uma das fontes, havia cerca de 100 colegas de farda deles.

"Rigorosa apuração" Em nota enviada ao UOL, a PM-SP (Polícia Militar de São Paulo) informou que o coronel Ronaldo Vieira, comandante-geral da corporação, determinou a abertura de uma "rigorosa apuração da denúncia pela Corregedoria da PM".

"Renúncia de anonimato" O tenente-coronel André da Rocha Sousa, comandante do 11º BPMI (Batalhão de Polícia Militar do Interior) em Jundiaí, onde ocorreu o episódio, enviou email hoje à reportagem propondo renúncia de anonimato "a fim de que suas versões sobre os fatos sejam formalmente registradas" em razão da necessidade de apuração de "todo o conteúdo possível para que se chegue à verdade real".

Sob a condição do anonimato para evitar represálias, um dos PMs responsáveis pela denúncia criticou a atitude do comando. "Não podemos nos calar e nos portar como se estivéssemos no curral eleitoral do coronel", disse.

"Isso demonstra a necessidade de buscar o denunciante para se vingar da denúncia contra os oficiais sob o seu comando. Se [estivesse interessado na investigação do caso], buscaria apurar a conduta deles, já demonstrada suficientemente no áudio, em vez de caçar que ousou expor a prática comum em seu batalhão", completou.

O que mostra o áudio "Boa eleição, votem conscientemente. Lembrem-se que a agenda de alguns partidos é acabar com a Polícia Militar. Acabar com a Polícia Militar é acabar com a sua estabilidade, com a sua aposentadoria, com a sua qualidade depois que você se aposentar", diz o oficial.

Em outro momento, o oficial demonstrou desconforto com as regras da eleição. Segundo a orientação, um policial militar à paisana que votar armado pode ser preso pelo mesário, descrito de maneira pejorativa no áudio.

"Policial de serviço, tá fardado, vai votar, pode ficar com a arma. O descumprimento acarretará na prisão em flagrante por porte ilegal, tá? Então, o policial que descumprir essa regra poderá ser preso pelo porra do mesário, pelo porra do paisana."

O conteúdo foi encaminhado ao TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), Ministério Público Eleitoral e Ouvidoria das Polícias de São Paulo.

Áudio com orientações de voto à tropa nas eleições é atribuído por policiais militares ao major Augusto José Martinelli, subcomandante do batalhão de Jundiaí (SP) - Reprodução da internet - Reprodução da internet
Áudio com orientações de voto à tropa nas eleições é atribuído por policiais militares ao major Augusto José Martinelli, subcomandante do batalhão de Jundiaí (SP)
Imagem: Reprodução da internet

Quem é o oficial no áudio Segundo os policiais militares ouvidos pela reportagem, o oficial flagrado no áudio é o major Augusto José Martinelli. Subcomandante do batalhão de Jundiaí, ele recebeu a homenagem do Mérito Amigo da Guarda Municipal em dezembro de 2020.

O oficial chegou a ser convocado pelo então deputado federal Major Olímpio para participar de uma audiência pública, em debate sobre defeitos apresentados em armas fornecidas aos órgãos de segurança pública. Apoiador de Jair Bolsonaro (PL) em 2018, Olimpio se elegeu senador de São Paulo em 2018, rompeu com o presidente e morreu em março do ano passado devido a complicações causadas pela covid-19.

O outro oficial citado foi identificado pelos PMs como o capitão Samuel Barban Ruiz. Comandante da 1ª Companhia do batalhão de Jundiaí, Ruiz foi condecorado na Câmara dos Vereadores com o título de cidadão jundiaiense em outubro de 2019.

Uma segunda reunião ocorreu no dia seguinte, com a participação dos dois oficiais citados na reportagem, Ambos orientaram o voto da tropa, de acordo com a versão contada ao UOL por três policiais militares da unidade sob a condição de anonimato. Contudo, esse segundo encontro não foi gravado.

A reportagem foi ao batalhão de Jundiaí para conversar com o major Martinelli. Mas ele não estava no batalhão. O UOL também o procurou por email enviado à corporação, mas não obteve resposta com a sua versão sobre o episódio.

O UOL conversou com Ruiz na sede da unidade na tarde de terça-feira (27). Ele negou ter dado orientações de voto aos policiais militares e disse que não iria se posicionar até ter acesso ao conteúdo do caso relatado por meio de órgãos oficiais.

"Denúncia grave de intimidação" O áudio e o conteúdo da denúncia foram encaminhados à Ouvidoria das Polícias de São Paulo. Em entrevista ao UOL, o ouvidor Elizeu Soares Lopes disse que irá formalizar denúncia junto à Corregedoria da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo).

É uma denúncia grave de intimidação e de um atentado à democracia. Trata-se de um crime eleitoral, que fere a liberdade de escolha dos policiais militares. Um oficial jamais pode fazer esse tipo de indicação, fazendo uso do medo e da intimidação. Isso fere o Estado Democrático de Direito"
Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de SP

Ele disse ainda que o posicionamento contrasta com a postura do comando-geral da PM-SP. "Nas conversas que tivemos, o comando da Polícia Militar tem sido claro nos pedidos para que os servidores públicos se abstenham de fazer manifestações político-partidárias."

"Atentado à democracia" A advogada Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz esperar por uma resposta rápida da Polícia Militar em relação ao episódio.

É um absurdo que isso ainda aconteça em uma polícia tão profissionalizada como a de São Paulo. A gente espera por uma apuração transparente e ágil. Esse oficial não pode abusar da influência hierárquica que tem na tropa para fazer qualquer tipo de orientação de voto. Ele tem que ser afastado imediatamente. É um atentado à democracia"
Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

"O policial também é cidadão, também tem direito a voto e pode ter opinião política. Mas não quando está atuando como agente do estado. Ele não pode usar desse cargo para induzir determinado comportamento eleitoral", complementou.

Quais os crimes que podem ter sido cometidos? Segundo o advogado Mauro Ribas, especialista em direito militar, o oficial pode responder por crime militar e por infração ao regulamento interno da corporação.

"Com relação ao Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, é infração do dever ético não se abater de atividade político-partidária salvo quando candidato. Os deveres éticos obrigam ainda exercer a profissão sem discriminação política", cita.

Segundo ele, o oficial também pode responder por improbidade administrativa por "promover enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos".

O advogado Luciano Santoro cita ainda o artigo 300 do Código Eleitoral, por "valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido". A pena é de até seis meses de prisão ou pagamento de multa.