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PMs afirmam que oficiais direcionam voto de tropa em bolsonaristas; ouça

Policiais militares afirmam que dois oficiais do batalhão de Jundiaí, no interior de São Paulo, estão direcionando o voto da tropa nos candidatos à Presidência Jair Bolsonaro (PL) e ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos). O UOL teve acesso a um áudio gravado em uma reunião a portas fechadas para orientar o comportamento da tropa nas eleições do próximo domingo (2), indicando esse tipo de posicionamento.

Após dar uma série de orientações aos servidores públicos para o dia da votação, um dos oficiais se posiciona politicamente no áudio, indicando possível direcionamento de voto nesses candidatos. Mesmo sem citar diretamente, o recado indica que há partidos interessados em "acabar com a Polícia Militar", no entendimento do oficial.

"Boa eleição, votem conscientemente. Lembrem-se que a agenda de alguns partidos é acabar com a Polícia Militar. Acabar com a Polícia Militar é acabar com a sua estabilidade, com a sua aposentadoria, com a sua qualidade depois que você se aposentar", diz o oficial.

Em outro momento, o oficial demonstrou desconforto com as regras da eleição. Segundo a orientação, um policial militar à paisana que votar armado pode ser preso pelo mesário, descrito de maneira pejorativa no áudio.

"Policial de serviço, tá fardado, vai votar, pode ficar com a arma. O descumprimento acarretará na prisão em flagrante por porte ilegal, tá? Então, o policial que descumprir essa regra poderá ser preso pelo porra do mesário, pelo porra do paisana."

Um dos policiais ouvidos disse sob a condição de anonimato que o direcionamento de voto por parte dos oficiais não se limita ao áudio obtido pela reportagem. "A orientação é para votar no Bolsonaro para presidente e no Tarcísio para o governo de São Paulo para que a gente não corra o risco de perder nossos direitos."

Em nota, a PM-SP informou que o recebimento da denúncia ainda não foi verificado pela corporação. Procurado, o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) disse que o caso foi para a Procuradoria-Regional Eleitoral.

O conteúdo foi encaminhado ao TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo), Ministério Público Eleitoral e Ouvidoria das Polícias de São Paulo.

Áudio com orientações de voto à tropa nas eleições é atribuído por policiais militares ao major Augusto José Martinelli, subcomandante do batalhão de Jundiaí (SP) - Reprodução da internet - Reprodução da internet
Áudio com orientações de voto à tropa nas eleições é atribuído por policiais militares ao major Augusto José Martinelli, subcomandante do batalhão de Jundiaí (SP)
Imagem: Reprodução da internet

Quem é o oficial no áudio Segundo os policiais militares ouvidos pela reportagem, o oficial flagrado no áudio é o major Augusto José Martinelli. Subcomandante do batalhão de Jundiaí, ele recebeu a homenagem do Mérito Amigo da Guarda Municipal em dezembro de 2020.

O oficial chegou a ser convocado pelo então deputado federal Major Olímpio para participar de uma audiência pública, em debate sobre defeitos apresentados em armas fornecidas aos órgãos de segurança pública. Apoiador de Jair Bolsonaro (PL) em 2018, Olimpio se elegeu senador de São Paulo em 2018, rompeu com o presidente e morreu em março do ano passado devido a complicações causadas pela covid-19.

O outro oficial citado foi identificado pelos PMs como o capitão Samuel Barban Ruiz. Comandante da 1ª Companhia do batalhão de Jundiaí, Ruiz foi condecorado na Câmara dos Vereadores com o título de cidadão jundiaiense em outubro de 2019.

O encontro de cerca de 30 minutos gravado em áudio, que contou com a presença de cerca de 100 policiais militares, foi no dia 20 de setembro no Clube dos Veteranos de Jundiaí. O local fica a apenas 400m da sede do 11º BPMI (Batalhão de Polícia Militar do Interior).

Uma segunda reunião ocorreu no dia seguinte, com a participação dos dois oficiais citados na reportagem, Ambos orientaram o voto da tropa, de acordo com a versão contada ao UOL por três policiais militares da unidade sob a condição de anonimato. Contudo, esse segundo encontro não foi gravado.

A reportagem foi ao batalhão de Jundiaí para conversar com o major Martinelli. Mas ele não estava no batalhão. O UOL também o procurou por email enviado à corporação, mas não obteve resposta com a sua versão sobre o episódio.

O UOL conversou com Ruiz na sede da unidade na tarde de terça-feira (27). Ele negou ter dado orientações de voto aos policiais militares e disse que não iria se posicionar até ter acesso ao conteúdo do caso relatado por meio de órgãos oficiais.

"Denúncia grave de intimidação" O áudio e o conteúdo da denúncia foram encaminhados à Ouvidoria das Polícias de São Paulo. Em entrevista ao UOL, o ouvidor Elizeu Soares Lopes disse que irá formalizar denúncia junto à Corregedoria da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo).

É uma denúncia grave de intimidação e de um atentado à democracia. Trata-se de um crime eleitoral, que fere a liberdade de escolha dos policiais militares. Um oficial jamais pode fazer esse tipo de indicação, fazendo uso do medo e da intimidação. Isso fere o Estado Democrático de Direito"
Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de SP

Ele disse ainda que o posicionamento contrasta com a postura do comando-geral da PM-SP. "Nas conversas que tivemos, o comando da Polícia Militar tem sido claro nos pedidos para que os servidores públicos se abstenham de fazer manifestações político-partidárias."

"Atentado à democracia" A advogada Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz esperar por uma resposta rápida da Polícia Militar em relação ao episódio.

É um absurdo que isso ainda aconteça em uma polícia tão profissionalizada como a de São Paulo. A gente espera por uma apuração transparente e ágil. Esse oficial não pode abusar da influência hierárquica que tem na tropa para fazer qualquer tipo de orientação de voto. Ele tem que ser afastado imediatamente. É um atentado à democracia"
Isabel Figueiredo, conselheira do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

"O policial também é cidadão, também tem direito a voto e pode ter opinião política. Mas não quando está atuando como agente do estado. Ele não pode usar desse cargo para induzir determinado comportamento eleitoral", complementou.

Quais os crimes que podem ter sido cometidos? Segundo o advogado Mauro Ribas, especialista em direito militar, o oficial pode responder por crime militar e por infração ao regulamento interno da corporação.

"Com relação ao Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo, é infração do dever ético não se abater de atividade político-partidária salvo quando candidato. Os deveres éticos obrigam ainda exercer a profissão sem discriminação política", cita.

Segundo ele, o oficial também pode responder por improbidade administrativa por "promover enaltecimento do agente público e personalização de atos, de programas, de obras, de serviços ou de campanhas dos órgãos públicos".

O advogado Luciano Santoro cita ainda o artigo 300 do Código Eleitoral, por "valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido". A pena é de até seis meses de prisão ou pagamento de multa.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o advogado Luciano Santoro citou o artigo 300 do Código Eleitoral, e não do Código Penal. O texto foi corrigido.