Com alta produção, Congresso ocupa vácuo de poder deixado por Bolsonaro
Após a maior renovação parlamentar desde a redemocratização, deputados e senadores da 56ª legislatura do Congresso, eleita em 2018, chega às vésperas de um novo pleito exibindo uma produtividade acima da média, revela levantamento do UOL.
Para cientistas políticos, o grande volume de projetos protocolados e sancionados nos últimos quatro anos pelo Congresso é a prova de que o Parlamento ocupou o vácuo de poder deixado pelo governo Jair Bolsonaro (PL), o presidente que menos aprovou projetos na Câmara e no Senado.
O UOL somou os cinco tipos de proposições mais comuns apresentados e votados por parlamentares —Projetos de Lei, Projetos de Lei Complementar, Propostas de Emenda à Constituição (as chamadas PECs), Decretos Legislativos e Projetos de Resolução— nos últimos três mandatos. Depois, comparou quantas dessas propostas viraram lei na mesma legislatura.
Alta produtividade. Com 47% de renovação e 243 deputados federais eleitos pela primeira vez, a atual Câmara dos Deputados apresentou quase 18 mil propostas até agora e aprovou o equivalente à soma das duas legislações anteriores: 134 contra 92 (de 2015-2018) e 46 (2011-2014).
Com 46 novos nomes, o Senado viu renovadas 85% das 54 cadeiras disputadas em 2018.
A Casa protocolou nestes quase quatro anos mais propostas do que nas duas últimas legislaturas. Também foram 32% mais aprovações do que no mandato anterior, mas 10% menos do que as sanções de 2011 a 2014.
Governo aprova pouco no Congresso. Prometendo governar sem o "toma lá dá cá da velha política", Bolsonaro tentou negociar seus projetos diretamente com bancadas temáticas —como a empresarial, a de saúde e a evangélica— ao invés de montar um governo de coalizão com partidos do Congresso.
A tática não deu certo e o presidente aprovou apenas 30% das iniciativas legislativas enviadas à Câmara e ao Senado no primeiro ano de seu governo, metade do que Dilma Rousseff (PT) emplacou no primeiro ano de mandato (62%) e muito abaixo das aprovações de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2003 (90%).
Embora Bolsonaro tenha aprovado projetos importantes, como a reforma previdenciária, deixada pronta pelo antecessor Michel Temer (MDB), e parte do pacote anticrime do então ministro Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), o Congresso travou a pauta de costumes e rejeitou ou deixou de votar 11 das 20 medidas provisórias do governo em 2019.
No primeiro ano do primeiro mandato de Lula, 57 MPs foram aprovadas e apenas uma rejeitada. Dilma teve sete medidas recusadas e 29 aprovadas no primeiro ano de seu primeiro mandato.
Enquanto o governo enfrentava dificuldade para avançar suas pautas no Congresso, deputados e senadores sugeriram mais de 8.000 projetos e conseguiram transformar em lei 124 deles só em 2019.
"Quem chegou ao Parlamento pela primeira vez queria ser pai e mãe de alguma proposta", diz Waldir Rampinelli, cientista político da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
"Mais experientes, os deputados que se reelegeram também aproveitaram o vácuo de poder para emplacar seus projetos", completa Eduardo Grin, cientista Político da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Os governos anteriores pautavam o Congresso porque tinham um projeto definido e mantinham negociação parlamentar. Isso deixou de acontecer no atual governo."
Eduardo Grin, cientista político
Bolsonaro se alia ao centrão e terceiriza mandato. O sinal de alerta no governo acendeu quando o Congresso tentou avançar sobre os cofres da União. Durante a elaboração da Lei Orçamentária de 2020, os parlamentares elevaram os recursos das chamadas emendas de relator-geral, como é conhecido o parlamentar com o poder de distribuir entre deputados e senadores um dinheiro que antes era usado apenas para ajustes no orçamento.
Naquele ano, porém, o Congresso sugeriu ficar com R$ 30 bilhões. O governo, então, fechou seu primeiro acordo com o centrão: Bolsonaro vetaria a entrega do montante, mas no dia seguinte enviaria três projetos de lei que devolveriam ao relator-geral cerca de R$ 15 bilhões.
O acordo se aprofundou, e a distribuição da verba apenas para aliados da base teria garantido a ascensão de Arthur Lira (PL) à presidência da Câmara e o apoio parlamentar necessário para barrar pedidos de impeachment.
A falta de clareza sobre o uso da verba rendeu às emendas o apelido de "orçamento secreto", uma cifra que promete chegar a R$ 19,4 bilhões no ano que vem.
"A partir daí, o governo terceiriza seu mandato", afirma Rampinelli, da UFSC. "Sequestraram o orçamento da União. Corta farmácia popular, corta merenda na escola e entrega o dinheiro para o deputado aliado gastar como quiser em seu reduto eleitoral."
Foi com a distribuição dessas emendas que Bolsonaro teria conseguido aprovar projetos pontuais, como a PEC dos Precatórios, que permitiu ao governo adiar o pagamento de dívidas mesmo após perder na Justiça em segunda instância.
Ainda assim, o índice de aprovação de projetos do governo seguiu baixo no Congresso. Esse patamar alcançou 43% em 2020, quando o Auxílio Emergencial e o orçamento de guerra foram aprovados para conter a pandemia de covid-19, mas voltou a cair no ano passado.
Com apenas 28% dos projetos aprovados no Parlamento em 2021, Bolsonaro se tornou o presidente menos eficaz no Congresso, segundo o OLB (Observatório do Legislativo Brasileiro).
Sem uma fatia considerável do orçamento e com dificuldade de pautar Câmara e Senado, "o governo foi perdendo espaço para senadores e deputados, que ocuparam o vácuo com seus projetos", diz Grin.
Quantidade X qualidade. Para Rampinelli, a alta produtividade parlamentar não faz desta uma legislatura necessariamente exemplar. "Não basta aprovar muitos projetos, é preciso avaliar a qualidade deles", afirma.
"A renovação de 2018 com Bolsonaro eleito presidente seguramente foi a pior renovação do Parlamento brasileiro: rude, ignorante, anticiência", diz.
Renovação não é sinônimo de progresso. Mesmo que muitos projetos sejam aprovados, isso não significa eles sejam bons."
Waldir Rampinelli, cientista político
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