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Sob Tarcísio, Infraestrutura recebeu R$ 1 bilhão do orçamento secreto

Ainda ministro, Tarcísio de Freitas visita obra na BR-156, considerada a mais antiga do Brasil - Márcio Pinheiro/Divulgação
Ainda ministro, Tarcísio de Freitas visita obra na BR-156, considerada a mais antiga do Brasil Imagem: Márcio Pinheiro/Divulgação

Do UOL, em São Paulo

21/10/2022 04h00

Criticado pela falta de transparência, o orçamento secreto abasteceu com R$ 1 bilhão obras contratadas pelo Ministério da Infraestrutura durante a gestão de Tarcísio de Freitas, atualmente candidato do Republicanos ao governo de São Paulo.

A utilização de orçamento secreto em obras tocadas pela pasta foi apurada pelo UOL no site de transparência do Senado, o Siga Brasil. Para descobrir o destino de cada emenda, a reportagem cruzou os dados com informações do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira).

Mas o que é orçamento secreto? O nome oficial do orçamento secreto é emendas de relator, como é conhecido o parlamentar com o poder de distribuir entre deputados e senadores recursos públicos que antes eram usados apenas para ajustes no orçamento do governo. O valor, porém, vem crescendo desde 2020 e este ano chegou a R$ 16,5 bilhões.

Embora seja o relator quem assina a emenda, ele só decide o destino do dinheiro depois de negociar com o governo e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O nome "orçamento secreto" foi dado pela imprensa em razão do sigilo imposto sobre os nomes dos parlamentares que pedem o dinheiro.

No ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) chegou a suspender o pagamento das emendas de relator, mas depois recuou e voltou a autorizar os repasses. A corte, porém, determinou a implementação de medidas de transparência, para que fosse possível identificar o parlamentar que destinou os recursos. A criação do orçamento secreto também virou tema de debate na corrida presidencial.

R$ 1 bilhão para Infraestrutura. Criado em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o Ministério da Infraestrutura tem a função de investir em obras e elaborar as políticas nacionais de trânsito e transportes, sejam eles rodoviário, aéreo, ferroviário ou aquaviário. Tarcísio foi o primeiro a comandar a nova pasta.

Fachada do Ministério da Infraestrutura, onde também funcionam os ministérios de Ciência, Tecnologia, Inovações e das Comunicações - Geraldo Magela/Agência Senado - Geraldo Magela/Agência Senado
Fachada do Ministério da Infraestrutura, onde também funcionam os ministérios de Ciência, Tecnologia, Inovações e das Comunicações
Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Somente em 2020, 38 emendas do relator direcionaram para a Infraestrutura R$ 1,1 bilhão, um valor que vem sendo executado aos poucos deste então. Em 2021 e 2022, o Siga Brasil indicas novas emendas para a pasta, mas não aponta os valores delas.

Do valor direcionado há dois anos, o ministério executou de fato R$ 1,03 bilhão até 31 de março de 2022, quando Tarcísio deixou a pasta para se candidatar. Entre março e 18 de outubro deste ano, outros R$ 32,2 milhões foram repassados para projetos do ministério, agora sob o comando de Marcelo Sampaio.

O pico foi em 2020, quando foram executados R$ 691 milhões.

O que diz Tarcísio? Em nota, a campanha de Tarcísio diz que, no ministério, ele sempre "prezou pela transparência e eficiência na execução do recurso".

"Não cabe ao ministro de Estado definir o orçamento, mas sim ao Congresso Nacional. Aos ministérios cabe executá-lo com responsabilidade", diz em nota, embora caiba ao governo federal elaborar o Orçamento, que depois é aprovado pelo Congresso.

O que diz o Ministério da Infraestrutura? Em nota, o ministério declarou que "não existe 'orçamento secreto': todas as receitas e despesas do Ministério da Infraestrutura estão públicas, de fácil acesso pela internet para toda a população".

"O orçamento da pasta, assim como de todo o governo federal, possui total transparência, conforme previsto nas boas práticas e regras orçamentárias", diz o texto.

Para onde foi o dinheiro das emendas? Entre 2020 e 2022, a pasta gastou apenas R$ 7,7 bilhões dos R$ 13 bilhões reservados com a manutenção de rodovias federais. No mesmo período, parlamentares direcionaram à Infraestrutura outros R$ 425,3 milhões para esse fim em emendas de relator.

"Salvando vidas." Para melhorar o escoamento da produção agrícola de Mato Grosso, o então ministro Tarcísio divulgou a construção de um trecho rodoviário na cidade de Uruaçu (GO), em maio de 2020, quando disse que era "o governo Bolsonaro salvando vidas por meio da engenharia".

Desde então, a Infraestrutura desembolsou apenas 53% do previsto (R$ 83 milhões dos R$ 157 milhões reservados), enquanto emendas do relator direcionaram para a obra mais R$ 4,7 milhões.

Trecho da rodovia localizada entre Brasília e Uruaçu (GO) recebeu R$ 4,7 milhões em emendas de relator-geral - Divulgação - Divulgação
Trecho da rodovia localizada entre Brasília e Uruaçu (GO) recebeu R$ 4,7 milhões em emendas de relator-geral
Imagem: Divulgação

Obra mais antiga do Brasil. Tarcísio também visitou a pavimentação da BR-156, uma obra federal iniciada em 1944 que é considerada a mais antiga do Brasil. Ao lado de membros do Congresso e do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), o ex-ministro disse, em 2019, que decidiu priorizar o asfaltamento de um trecho da BR em Oiapoque (AP) "graças à articulação da bancada federal amapaense".

A pasta reservou R$ 46 milhões para a obra entre 2019 e 2022, mas o desembolso ficou em apenas R$ 823 mil, 1,79% do total. No mesmo período, a obra recebeu R$ 1,7 milhão em emendas de relator.

Tarcísio prometeu a conclusão dos trabalhos até 2022, mas, em fevereiro deste ano, o MPF (Ministério Público Federal) condenou o Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), vinculado à Infraestrutura, e o Estado do Amapá a concluírem as obras de pavimentação.

Por "omissão na execução do empreendimento", ambos foram multados em R$ 100 milhões por danos morais coletivos. Ministério e estado recorreram. Eles negaram irregularidades e culpam a pandemia e as fortes chuvas no período pela demora na conclusão da obra.

Ponte recebe emenda depois de concluída. Apesar de inaugurada em maio do ano passado, uma ponte sobre o rio Madeira, em Porto Velho, recebeu uma emenda de relator no valor de R$ 49 mil este ano, embora o governo não tenha previsto recursos para a ponte desde sua inauguração.

Segundo o ministério, o Dnit "abriu processos administrativos para apuração de responsabilidade".

Ponte sobre o Rio Madeira, no distrito de Abunã, recebeu emenda de relatór mesmo após inaugurada  - Anderson Riedel/EBC - Anderson Riedel/EBC
Ponte sobre o Rio Madeira, no distrito de Abunã, recebeu emenda de relatór mesmo após inaugurada
Imagem: Anderson Riedel/EBC

Corrupção com orçamento secreto?

Diretora-executiva da Transparência Brasil, Juliana Sakai diz que é muito comum que o governo anuncie projetos e faça convênios, mas acabe não liberando dinheiro e atrasando as obras. O jeito é apelar para as emendas do relator.

"Se já começou a obra e não consegue que o governo libere a segunda parcela, tem empreiteira que abandona, e é preciso buscar dinheiro", diz. "Mesmo com repasse previsto no convênio, algumas obras começam a andar só depois de receber recurso extra."

Sakai também lembra do escândalo na Saúde do Maranhão, deflagrado na semana passada. Um grupo teria inserido dados falsos em sistemas do SUS (Sistema Único de Saúde) para receber repasses de emendas de relator-geral em Igarapé Grande, a 300 km de São Luís. O município informou ter realizado mais de 12,7 mil radiografias de dedo em 2020, embora só vivam na cidade 11,5 mil habitantes.

"É uma quantidade enorme de recursos que não são aproveitados, um benefício que está indo para outro lugar", diz a especialista em contas públicas.

"Nas propagandas de reeleição, os parlamentares usam outros tipos de emendas para aparecer, dizer que participou da obra", ao contrário das emendas de relator, cujo autor é secreto, diz Sakai. "Por que eles não querem a publicidade para uma conquista deles? Isso gera muita desconfiança."

Secretaria do governo mandou vetar. Em agosto, a Secretaria de Orçamento Federal emitiu nota técnica recomendando ao governo que vetasse o orçamento secreto na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).

"Além de ferir a Constituição, o orçamento secreto esvazia a prerrogativa do Poder Executivo de elaborar a proposta orçamentária", diz o documento, que acabou ignorado pelo presidente ao sancionar, em 10 de agosto, a LDO prevendo R$ 19,4 bilhões para o orçamento secreto do ano que vem.

O governo diz que vai dar mais transparência, mas ainda não deu e ainda usa desse expediente para abrir mão de sua obrigação de fazer um planejamento adequado da execução orçamentária."
Juliana Sakai, da Transparência Brasil

Qual é o caminho das emendas de relator - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL