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Governo esconde orçamento secreto e diz à OCDE que contas são transparentes
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Resumo da notícia
- Informação sobre orçamento nacional faz parte de documento entregue pelo Brasil para conseguir sua adesão à OCDE
- Nas mais de mil páginas mantidas em sigilo, governo Bolsonaro omite desmonte de mecanismos de combate à corrupcão
Contrariando o estabelecimento de um orçamento secreto no Congresso Nacional, o governo de Jair Bolsonaro informou à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que as contas públicas no país vivem uma situação de transparência.
A afirmação faz parte do documento de mais de mil páginas obtido pelo UOL e que foi entregue pelo Brasil para a OCDE, no final de setembro. O informe estava sendo mantido em sigilo pelo governo. Trata-se do memorando inicial que todos os candidatos precisam apresentar, com as informações do país sobre os principais temas de interesse da OCDE, uma espécie de "clube dos países mais ricos".
A adesão à entidade com sede em Paris é um dos principais objetivos da política externa bolsonarista. Mas a entrada não depende apenas de uma decisão políticas dos países que fazem parte da instituição, mas também de que critérios estabelecidos sejam atendidos pelo Brasil.
Um deles se refere às contas públicas e governança orçamentária. Ao explicar o funcionamento do sistema nacional, o memorando do governo Bolsonaro declara que "no que diz respeito a transparência, a governança do processo orçamentário brasileiro se destaca".
No documento, o governo camufla o que instituições como a Transparência Internacional classificam como o maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro na história brasileira, que é o macro esquema do "Orçamento Secreto".
O esquema operado entre o governo federal e o centrão no Congresso é ainda tido como responsável por retrocessos e violações do devido processo orçamentário, desviando bilhões de reais de recursos de ministérios e políticas públicas formuladas em bases técnicas, para serem utilizadas, sem os mínimos parâmetros de transparência e controle, segundo interesses de parlamentares aliados.
Isso, na avaliação da Transparência Internacional, poderia ser destinado para fins eleitoreiros ou mesmo para enriquecimento ilícito.
Procurado pela reportagem, o Itamaraty não deu respostas sobre o conteúdo do documento entregue pelo Brasil e nem o motivo pelo qual ele é mantido em sigilo.
Combate contra corrupção
O documento também lista dezenas de iniciativas do governo Bolsonaro para atacar a corrupção, ignorando as acusações até mesmo por parte da OCDE da preocupação em relação ao desmonte de tais mecanismo. Para o governo, o país está "completamente alinhado" com todos os seis instrumentos e recomendações estabelecidas pela entidade para lidar com esses crimes.
No início do ano, a OCDE apresentou o que seria o "roadmap" para o país. Ou seja, o que se exigirá que o Brasil cumpra para que a adesão ocorra. Um dos aspectos é a questão de combate à corrupção. Internamente, a OCDE já demonstrou profundo desconforto diante das intervenções de Bolsonaro na Polícia Federal, no desmantelamento das forças tarefas e no esvaziamento de medidas concretas para combater a corrupção.
Mas no documento submetido pelo Brasil, a avaliação do governo era outra. No Memorando Inicial, o governo brasileiro afirma que o Brasil está "totalmente alinhado" com a Convenção Antissuborno da OCDE, o principal instrumento da organização sobre o tema da corrupção.
Mas, no relatório "Exporting Corruption" lançado na semana passada, a Transparência Internacional rebaixou a classificação do Brasil, de cumprimento "moderado" para "limitado", em relação à efetividade do país em seguir esta convenção.
Entre os motivos que explicam essa queda do Brasil estão:
- A perda de independência de instituições que atuam no controle da corrupção internacional, em especial a Procuradoria-Geral da República, a Polícia Federal e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI, vinculado ao Ministério da Justiça);
- a descontinuação do modelo das Forças-Tarefas (essencial para investigações de casos complexos de corrupção internacional), sem sua substituição por estruturas adequadas de trabalho em equipe e cooperação interinstitucional;
- a transferência da competência de investigação de casos de corrupção e lavagem de dinheiro quando associados a crimes eleitorais (como caixa dois) para a Justiça Eleitoral, com menos estrutura e especialização para processar crimes complexos;
- a insegurança jurídica e deficiências legais sobre instrumentos vitais para o enfrentamento à corrupção transnacional, como os acordos de leniência, a recuperação de ativos e compensação de vítimas e a proteção aos denunciantes de boa-fé (whistleblowers); e
- a pouca transparência de dados sobre investigações contra o suborno transnacional e sobre as sanções aplicadas pela Controladoria-Geral da União (CGU), especialmente no caso de acordos de leniência;
Omissão
No âmbito do Ministério Público Federal, as Forças-Tarefas foram substituídas pelos GAECOs, o que de fato é mencionado pelo documento entregue pelo Brasil para a OCDE.
Mas o texto não aponta a precariedade das condições de funcionamento de parte dessas novas estruturas, incluindo o baixíssimo número de procuradores com dedicação exclusiva e a falta completa de estrutura de apoio para lidar com os casos complexos de macrocorrupção (incluindo suas ramificações internacionais).
As omissões estão em diversos trechos do documento. O governo, por exemplo, lista a Lei de Improbidade Administrativa, de 1992, como um dos marcos legais alinhados à OCDE. Mas, segundo a Transparência Internacional, silencia sobre a reforma da lei, em 2021, pelo Congresso Nacional, que minimizou drasticamente seu alcance.
De acordo com a entidade, a realidade é que a avaliação que será feita pelo Grupo de Trabalho Antissuborno da OCDE, para chancelar ou não a entrada do Brasil na organização, levará em conta não apenas a existência de normas alinhadas à OCDE, mas a efetividade de sua aplicação.
O governo também deixou de fora medidas que estão sendo criticadas pela OCDE. Uma delas é a Lei de Abuso de Autoridade, de 2019, que não aparece no texto. Ainda que ela traga elementos importantes para coibir abusos, a legislação também abriu brechas para insegurança na atuação dos agentes da lei — e por isso foi severamente criticada pela OCDE.
Monitoramento inédito sobre o Brasil
Outra omissão do governo se refere aos motivos que levaram a OCDE a criar de forma inédita um grupo de monitoramento, em 2020, sobre o Brasil. O texto de fato cita a missão especial. Mas silencia sobre o fato de que tal iniciativa foi tomada diante dos retrocessos identificados no país e de descumprimentos graves da Convenção Antissuborno.
O memorando ainda menciona o Plano Anticorrupção, lançado pelo governo federal, mas não detalha o atraso em parte significativa das metas estabelecidas;
Apesar de trazer números sobre investigações e processos referentes à corrupção, o texto omite o fato de que umas das poucas condenações por corrupção transnacionais foi revertida devido à prescrição das acusações contra executivos da Embraer em abril de 2022;
"É sintomático que o governo Bolsonaro não permita que a sociedade brasileira tenha acesso ao documento de autoavaliação que apresentou à OCDE", disse Guilherme France, consultor da Transparência Internacional - Brasil.
"Ao longo de quatro anos de governo, foram inúmeras as tentativas, muitas delas bem-sucedidas, de se ocultar dados inconvenientes para o governo e de hostilizar jornalistas e ONGs que questionam informações oficiais incompletas ou inverídicas", disse. "Se a transparência e a accountability são alguns dos princípios transversais da OCDE, presente em grande parte dos 240 instrumentos aos quais o Brasil deve aderir, por coerência a organização deveria assegurar que atores não estatais independentes também tenham acesso às informações produzidas pelo governo e condições de participar efetivamente deste processo de adesão.", apontou.
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