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Por Bolsonaro, partido de Jefferson abandonou centrão para abrigar radicais

Roberto Jefferson ao lado de Jair Bolsonaro em foto compartilhada no Instagram pelo presidente de honra do PTB - Reprodução: Instagram
Roberto Jefferson ao lado de Jair Bolsonaro em foto compartilhada no Instagram pelo presidente de honra do PTB Imagem: Reprodução: Instagram

Do UOL, no Rio

26/10/2022 04h00

A proximidade do ex-deputado federal Roberto Jefferson com o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez com que o cacique que controla o PTB há duas décadas comandasse uma guinada no partido —a legenda deixou de integrar o centrão para abrigar as franjas mais radicais da extrema direita bolsonarista.

A guinada afastou quadros com perfil fisiológico tradicionalmente ligados à sigla e abriu espaço para a chegada de radicais, como o deputado federal Daniel Silveira (RJ) —condenado a oito anos de prisão por ataques contra o STF (Supremo Tribunal Federal). O partido também abrigou a mulher de Silveira, Paola Daniel, que tentou se eleger deputada federal pelo Rio.

No entanto, nesta eleição, a aposta do partido no bolsonarismo deu errado —o PTB não venceu nenhuma disputa por governos estaduais ou vagas no Senado. Na Câmara, elegeu apenas um deputado federal contra dez eleitos em 2018. Já nas assembleias estaduais, emplacou oito parlamentares (foram 32 em 2018).

O processo de radicalização de Jefferson e do PTB teve seu clímax no último domingo (23), quando o ex-deputado fez disparos de fuzil e atirou granadas contra policiais federais que foram até sua casa, em Comendador Levy Gasparian, no interior do RJ, cumprir um novo mandado de prisão, Na ação, feriu sem gravidade uma agente e um delegado. Jefferson está preso no presídio de Bangu 8.

Abrigo para bolsonaristas "queimados". Ao longo da gestão Bolsonaro, o PTB se tornou abrigo para aliados a quem o presidente não podia se vincular diretamente por conta do radicalismo ou problemas com a Justiça —muitos deles são investigados pelo STF nos inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos ou das milícias digitais.

Além de Daniel Silveira, enquadra-se nesse perfil o empresário Otávio Fakhoury —investigado pelo STF sob a acusação de ser um dos financiadores da rede de desinformação bolsonarista— que assumiu o comando do diretório do partido em São Paulo.

O blogueiro Oswaldo Eustáquio —preso no âmbito do inquérito dos atos antidemocráticos— chegou a se filiar à legenda com vistas a concorrer nessas eleições, mas foi expulso do PTB em 2021 em meio a negociações para a filiação de Bolsonaro, O presidente acabou escolhendo ir para o PL, de Waldemar da Costa Neto.

Outro bolsonarista considerado tóxico para o clã presidencial conseguiu legenda no PTB. Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e pivô do escândalo das rachadinhas, chegou a negociar filiação ao PL de Bolsonaro, mas viu as portas se fecharem para ele. Frustrado, encontrou abrigo no partido de Jefferson, pelo qual tentou, sem sucesso, se eleger deputado estadual no RJ.

Armamentistas e pastores. Outro flanco explorado pelo PTB nessas eleições foi dar legenda para policiais, integrantes do movimento armamentista e lideranças evangélicas radicais —setores que integram o chamado bolsonarismo raiz.

De acordo com levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o PTB foi o segundo partido com mais candidaturas de profissionais de segurança pública e militares —142, atrás apenas do PL de Bolsonaro.

Diversos candidatos ligados ao movimento armamentista —insuflado por decretos flexibilizando o acesso a armas e munições no atual governo— lançaram-se candidatos pelo PTB. O policial civil do RJ Flávio Pacca —assessor de segurança pública do ex-governador Wilson Witzel— foi um dos candidatos recomendados pelo movimento ProArmas, a maior articulação de lobby do setor. Em 2019, ele chegou a ser preso sob a acusação de extorsão em uma operação do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Outro representante do setor é o advogado Paul Karsten, instrutor de tiro e militante armamentista. Ele se lançou à Câmara dos Deputados pelo Distrito Federal com um nome de urna sugestivo: Paul Karsten - O Doutor das Armas. Ligado ao movimento 300 do Brasil —acusado de articular ataques contra o STF—, ele foi um dos advogados da líder do grupo, Sara Winter.

Influenciadores do bolsonarismo, como o ex-BBB e comentarista do Jovem Pan Adrilles Jorge (SP), também fracassaram nas urnas. O mesmo ocorreu com a psicóloga Marisa Lobo —notória por sustentar a tese falsa da chamada cura gay— que falhou em se eleger à Câmara dos Deputados pelo Paraná.

O autodeclarado Padre Kelmon —que concorreu à Presidência da República pelo PTB atuando como linha auxiliar de Bolsonaro em debates— não foi o único a usar nas urnas sua suposta função religiosa. Segundo levantamento do UOL, o partido teve ao todo 57 candidatos que usaram identidades religiosas como nome de urna —entram aí pastores, bispos, missionários e outras funções.

Cacique há duas décadas. Jefferson assumiu a presidência do PTB em 2003 e, desde então, fez o partido servir de base para todos os presidentes eleitos —a legenda rompeu com Dilma Rousseff (PT) para apoiar Aécio Neves (PSDB) em 2014.

O partido fez parte da tropa de choque de Eduardo Cunha —candidato do PTB derrotado à Câmara em SP que revitalizou o centrão e conseguiu aprovar as chamadas "pautas bomba" e o impeachment da petista em 2016. Nesta legislatura, o PTB atingiu seu ápice, elegendo 25 parlamentares e se consolidando como um partido médio.

Pesquisadora do OLB (Observatório do Legislativo Brasileiro) e doutoranda em Ciência Política, Joyce Cruz lembra que o PTB foi base de todos os governos desde a redemocratização —de Fernando Collor a Jair Bolsonaro.

"O PTB é um partido que tem um perfil mais fisiológico. Tende a apoiar quem vai dar mais vantagens para ele. Por isso esteve em todas as coalizões de governo. Com FHC negociou ministérios, com Lula, Dilma e Temer também."

Cruz afirma ainda que, diante da polarização que marcou essas eleições, legendas que tentaram surfar na onda bolsonarista —muito centrada na própria figura do presidente— não tiveram sucesso.

"A identificação do eleitorado, dada a atual polarização, é com o PL. A estratégia do PL ao lançar deputados foi dizer que era o partido do presidente. Só aí já ganha mais visibilidade junto ao eleitorado", diz ela.

Cientista política do IEA/USP (Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo) e do DOXA/IESP/UERJ (Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Carolina Botelho diz que o PTB cometeu um erro de avaliação ao acompanhar a guinada de Roberto Jefferson rumo à extrema direita.

"Houve um erro de achar que o Bolsonaro ia criar novas estruturas para o partido ou pelo menos tornar essas estruturas mais longevas. Mas ele foi implodindo uma a uma, tentou inclusive criar um partido. Não consegue ter noção de que o ambiente partidário é importante", diz ela.

"Não foi só o PTB que errou, o próprio PSDB é um exemplo bem simbólico de como essa guinada à extrema direita esvaziou o próprio sentido daquele partido. Isso confundiu os eleitores [dessas legendas] e esvaziou a possibilidade de contato com eles. Aí é preciso criar novos eleitores de extrema direita. Só que o Bolsonaro conseguiu pegar todos e esses caras ficaram sem rumo", completa.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O UOL errou ao dizer que o ex-jogador de futebol Bebeto foi eleito deputado federal pelo PTB. Ele é filiado ao PSD e não foi eleito. A informação foi corrigida.