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Ex-PTB, Bolsonaro mente ao tentar se descolar de Roberto Jefferson

Bolsonaro tenta descolar sua imagem de Roberto Jefferson, mas fotos recentes mostram os dois juntos                              - Redes Sociais/PTB
Bolsonaro tenta descolar sua imagem de Roberto Jefferson, mas fotos recentes mostram os dois juntos Imagem: Redes Sociais/PTB

Do UOL, em São Paulo

24/10/2022 15h32

Após o atentado de ontem cometido por Roberto Jefferson (PTB) contra agentes da Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro (PL) mentiu ao tentar dissociar sua imagem da do aliado. Os dois se reaproximaram ainda em 2020, quando o presidente se coligou ao centrão no Congresso para se blindar do impeachment e cogitou se filiar novamente ao PTB para disputar a reeleição este ano.

No começo da tarde de ontem, enquanto ainda ocorria a negociação para Jefferson se entregar, Bolsonaro tentou se desvincular do aliado ao dizer que não havia fotos dos dois juntos, o que foi logo desmentido.

Amigos? Embora Bolsonaro tenha negado ser próximo dele, os dois trabalharam juntos na Câmara entre 2003 e 2005, quando Bolsonaro era filiado ao PTB, então comandando por Jefferson.

"Ele [Bolsonaro] foi o meu liderado na Câmara. Eu era o líder do PTB e o Bolsonaro era o liderado meu na bancada do PTB", afirmou Jefferson ao UOL em abril de 2020, quando começava a se reaproximar do governo.

"O Bolsonaro é o meu amigo pessoal. Guardamos isso do passado", afirmou Jefferson.

Foi nessa época que o filho 03 de Bolsonaro, o hoje deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL), exerceu o primeiro emprego público: Aos 18 anos, ele foi nomeado para um cargo comissionado na liderança do PTB na Câmara três dias depois de aprovado para o curso de Direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Reaproximação. Ainda na entrevista ao UOL, Jefferson afirmou que se sentia "indignado" e na "obrigação" de defender Bolsonaro após "vê-lo apanhar como estava apanhando".

O ex-deputado se referia à repercussão de uma entrevista sua concedida ao blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio —uma live com 1,8 milhão de visualizações compartilhada por Bolsonaro e sua base de ativistas digitais.

Na entrevista, Jefferson denunciou um suposto golpe planejado pelos governadores —então responsabilizados por Bolsonaro pela pandemia— e líderes políticos, como ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: o plano, segundo o ex-deputado, era derrubar Bolsonaro ou minar sua liderança de modo que o Congresso assumisse suas funções em uma espécie de parlamentarismo branco.

Nessa mesma época, Bolsonaro divulgou em suas redes um vídeo em que Jefferson lhe faz elogio.

"Ele é representante do povo, ele é o chefe do estado, chefe do governo e ele tem honrado o que ele disse na campanha: ele disse eu não vou roubar e não vou deixar roubar", diz o petebista no vídeo.

Bolsonaro aproveita o aceno. Jefferson aderiu ao bolsonarismo justamente quando o presidente era vítima de críticas pela má condução da pandemia de covid-19. Atraído pelas "mesmas convicções", Bolsonaro "empunha a bandeira dos ideais que eu sustento", disse o petebista ao jornal Folha de S.Paulo.

O movimento foi logo assimilado pelo presidente, que já buscava apoio parlamentar para evitar o "parlamentarismo branco". Contrariando o discurso eleitoral de não firmar alianças com membros do Congresso, Bolsonaro se aproximou dos partidos do centrão para tentar isolar o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB), que fazia oposição ao governo e que tinha o poder de desengavetar as dezenas de pedidos de impeachment que se avolumavam contra o presidente.

Desde então, Bolsonaro se reuniu pelo menos duas vezes com Jefferson no Palácio do Planalto. Uma dessas reuniões aconteceu no dia 3 de agosto de 2021, dez dias antes de ser preso pela PF. Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", em dois anos, Jefferson participou de pelo menos dez reuniões com a cúpula do governo, incluindo presidência da República e os ministérios da Justiça, Direitos Humanos, Agricultura e GSI (Gabinete de Segurança Institucional).

Sobre a aliança, o ex-deputado negou a negociação de cargos. "Para nós não ofereceram nada. Nem nós pedimos", disse à Folha.

STF prende Jefferson e Bolsonaro tenta retaliar. Bolsonaro mostrou fidelidade ao aliado dias depois de Jefferson ser preso por ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes no ano passado. O magistrado acusou o petebista de participar de milícias digitais que organizavam atos antidemocráticos pelo país.

Na decisão de 13 de agosto do ano passado, Moraes escreveu que Jefferson "faz parte do núcleo político" de uma organização criminosa "que tem por um de seus fins desestabilizar as instituições republicanas".

Dois dias depois da prisão, Bolsonaro comunicou em redes sociais que apresentaria ao Senado um pedido de impeachment contra Moraes e o ministro Luís Roberto Barroso, então presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

"Os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (...) extrapolam com atos os limites constitucionais", afirmou na época. "O povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais, como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los".

Também nas redes, o filho 02 do presidente, o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), se referiu à prisão de Jefferson como injusta, cujo objetivo era atingir seu pai indiretamente.

Em 20 de agosto, Bolsonaro cumpre a promessa e protocola o primeiro pedido de impeachment da história contra um ministro do Supremo, mas apenas contra Moraes. Pacheco arquivou o documento cinco dias depois alegando falta de embasamento jurídico e a necessidade de restabelecer uma boa relação entre os Três Poderes.

Bolsonaro quase se candidata pelo PTB. A ligação de Bolsonaro e Jefferson se estreitou ao longo do ano passado, quando o PTB decidiu convidar oficialmente o presidente a se filiar ao partido para concorrer à reeleição em 2022.

                                 Roberto Jefferson (PTB) e Jair Bolsonaro (PL). Presidente tenta desligar vínculo com ex-candidato à presidência, veja declaração de Bolsonaro sobre prisão de Roberto Jefferson                              - REPRODUCÃO/REDES SOCIAIS                             - REPRODUCÃO/REDES SOCIAIS
Roberto Jefferson em visita ao presidente Jair Bolsonaro
Imagem: REPRODUCÃO/REDES SOCIAIS
Ainda sem legenda após romper com o PSL, Bolsonaro chegou a admitir à revista Veja que negociava sua filiação com PP, PL, Republicanos e PTB.

As conversas com o partido de Jefferson se intensificaram em setembro de 2021, quando a então vice-presidente da sigla, Garciela Nienov, chegou a se reunir com o presidente para tratar do assunto em 27 de setembro.

As conversas, no entanto, se davam principalmente com o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o filho 01. As condições foram todas acertadas: Gienov havia domado os dissidentes e convencido todos os presidentes estaduais do partido a aceitar a filiação do mandatário.

Bolsonaro pediu para escolher todos os candidatos do partido ao Senado e alguns nomes para concorrer aos governos estaduais.

"Ele terá, se ele quiser ele terá [poder de indicação]. Isso já está garantindo", afirmou Gienov na época. "Se ele aceitar o nosso convite, provavelmente vamos fazer tudo em conjunto, PTB junto com o nosso presidente. Ele vai ser o nosso maior líder e vamos trabalhar para reconduzi-lo à presidência."

Jefferson seria mantido na presidência da legenda, enquanto Bolsonaro ocuparia o cargo de presidente de honra. A investida do PTB incluiu abrir as portas do partido a membros controversos do bolsonarismo, como os ex-ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente), Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub (Educação).

Nenhum deles, no entanto, se filiou ao partido. Quem aceitou o convite foi o ex-deputado Daniel Silveira (RJ), condenado em março por Moraes no mesmo processo contra milícias digitais. Silveira teve a prisão revogada após receber o perdão de Bolsonaro, mas continuou sem direitos políticos e não pôde se candidatar ao Senado, como pretendia.

Outro bolsonarista a integrar o partido de Jefferson é o empresário Otávio Fakhoury, que em julho do ano passado assumiu a presidência estadual do PTB de São Paulo.

Em nota sobre o convite a Bolsonaro, o PTB prometeu reforçar valores "inegociáveis" como "Deus", "pátria", "família", "democracia" e "liberdade", além classificar o PTB como "a verdadeira casa do conservador brasileiro".

Depois de muita negociação, no entanto, em 30 de novembro Bolsonaro se filiou ao PL, de Valdemar da Costa Neto.

Jefferson se candidata ao Planalto. Mesmo em prisão domiciliar, Jefferson lançou sua candidatura à Presidência em uma chapa pura com Padre Kelmon. Já na convenção que referendou seu nome, Jefferson tratou de demonstrar que sua candidatura estava alinhada a Bolsonaro.

"Ofereço meu nome para disputar a eleição. Preso fui, preso estou. Sou fã das ideias de Bolsonaro. Ele defende os mesmos valores e bandeiras do nosso PTB", disse ele em uma gravação enviada para a convenção.

O ex-senador Delcídio do Amaral —que foi preso acusado de atrapalhar as investigações da Lava Jato— confirmou na convenção de que lado estava a candidatura do PTB: "Roberto Jefferson defendeu mais o presidente Bolsonaro do que os próprios ministros do presidente Bolsonaro", disse.

Sai Jefferson, entra Padre Kelmon. Em setembro, no entanto, o TSE negou o registro de candidatura a Jefferson em razão de sua condenação por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão.

                                 Padre Kelmon é o vice na chapa de Roberto Jefferson                              - Reprodução PTB                             - Reprodução PTB
Padre Kelmon com o correligionário Roberto Jefferson
Imagem: Reprodução PTB
Com Jefferson impedido de se candidatar, Padre Kelmon assumiu a cabeça de chapa. Ele ficou nacionalmente conhecido durante os debates presidenciais, quando atuou em dobradinha com Bolsonaro, defendendo o presidente de acusações e atacando seus adversários.

Kelmon, que terminou em sétimo lugar no primeiro turno, recebeu uma homenagem de aniversário da primeira-dama Michelle Bolsonaro e da senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) dois dias antes de Jefferson atirar nos policiais federais.

Parabéns, padre Kelmon, o padre mais amado do Brasil! Deus te abençoe, meu querido, viva o padre Kelmon."
Michelle Bolsonaro, em vídeo de na sexta-feira (21)

O mesmo Padre Kelmon participou das negociações para a rendição de Jefferson após os tiros de ontem. Ele foi ovacionado por um grupo de apoiadores ao chegar à residência de Jefferson. Foi ele quem entregou o fuzil utilizado pelo correligionário nos disparos contra os agentes.

Bolsonaro se defende. Após a polêmica, Bolsonaro afirmou em redes sociais que Jefferson era um "criminoso" e, em vídeo, disse que o ex-deputado teve "tratamento" de "bandido" após atirar em agentes da Polícia Federal.

Como determinei ao ministro da Justiça, Anderson Torres, Roberto Jefferson acaba de ser preso. O tratamento dispensado a quem atira em policial é o de bandido. Presto minha solidariedade aos policiais feridos no episódio."
Jair Bolsonaro, presidente da República

Para demonstrar que não tinha relação com Jefferson, citou um processo do petebista no STM (Superior Tribunal Militar) contra ele, que teria se omitido ao não intervir no Senado para obrigá-lo a apreciar o impeachment de Moraes e não intervir no STF para impedir a continuidade do inquérito das fake news.