Assédio eleitoral atinge mais os pobres, diz procurador-geral do Trabalho
"Teve um empresário que ameaçou fechar a empresa em caso de vitória de um dos candidatos" e outro "que colocou o desenho de uma urna ao lado do registro de ponto para os funcionários começarem a 'treinar'".
Quem conta esse dois relatos é o chefe do MPT (Ministério Público do Trabalho), o procurador-geral José de Lima Ramos Pereira, que em quase 30 anos de trabalho no órgão diz "nunca" ter visto tanto assédio em uma eleição, principalmente contra pobres.
De fato as 1.633 denúncias de assédio eleitoral recebidas pelo MPT até 25 de outubro são quase oito vezes as 212 ocorrências da eleição de 2018. Enquanto 1.250 empresas foram denunciadas em 2022, esse número não passou de 98 há quatro anos.
Em entrevista ao UOL, o chefe do MPT diz que o alvo principal dos empresários assediadores são os trabalhadores de baixa renda, "pessoas mais simples, com mais necessidade de manter seus empregos".
Mas ele afirma que há todo o tipo de vítima porque o assédio eleitoral foi "banalizado" e "disseminado" no Brasil em 2022, provocando um verdadeiro "teste para a democracia" brasileira.
Foi no segundo turno que a coisa piorou em razão da campanha presidencial. Precisamos entender o que está acontecendo no Brasil.
José de Lima Ramos Pereira, procurador-geral do Trabalho
A seguir, os principais trechos da entrevista:
UOL - O que é um assédio eleitoral?
José de Lima Ramos Pereira - O assédio eleitoral é uma prática proibida em que uma pessoa constrange ou coage uma outra para manipular o voto. Pode ser uma promessa de benefício financeiro para que a pessoa vote de acordo com o assediador. Não é uma conversa, um diálogo, mas uma imposição ou promessa de benefício ao funcionário.
Quando isso ocorre no ambiente de trabalho, seja pelo empregador, pela direção, ou mesmo por um colega na mesma função, o assédio se torna um ilícito trabalhista, uma violência. Essa violência precisa ser combatida pelo empregador, a quem cabe garantir um ambiente de trabalho saudável.
O MPT registrou mais de 1.600 casos em 2022. O que houve?
Em 2018 houve 212 denúncias de 98 empresas. Este ano começou com 45 denúncias no primeiro turno, dentro do esperado. Mas nas últimas semanas começou uma escalada que passou de 1.200 empresas.
É um número muito grande, preocupante para toda a sociedade porque demonstra que o ambiente de trabalho foi contaminado, o que exige a atuação do Estado brasileiro e dos promotores sociais. É uma pauta que não fomos buscar, a sociedade nos trouxe.
Então as denúncias aumentaram no segundo turno?
Foi no segundo turno que a coisa piorou em razão da campanha presidencial. Precisamos tirar algumas conclusões depois desse pleito e entender o que está acontecendo no Brasil. É algo preocupante, que merece um estudo sociológico sobre o que pode ser feito no futuro. Não acredito que esses números devam ser esquecidos quando terminar a eleição.
O assédio eleitoral é maior em que atividade econômica?
Ele é disseminado entre todos os segmentos: agropecuária, indústria, comércio, hospitais, hotéis, transportes. Agentes públicos fazem isso também.
Está disseminado, não tem um local específico, mas acontece principalmente em ambiente com pessoas mais simples, com mais necessidade de manter seus empregos.
Pela fragilidade, vulnerabilidade social do trabalhador. Mas também não é regra, pode haver exceção, mas os casos aumentam quanto maior for essa vulnerabilidade.
Tem alguns exemplos que te chamaram a atenção?
Chama atenção que as redes sociais estejam sendo usadas para o assédio. Nos assédios mais comuns, como o moral, se faz escondido, discretamente, mas agora não. Tem empresário nas redes tentando influenciar segmentos, mandando correspondências, ameaçando outras empresas de diminuir fornecimento.
Teve um empresário que ameaçou fechar a empresa e liquidar todo o estoque em caso de vitória de um dos candidatos. Outro empresário sugeriu que o eleitor leve dois celulares para a zona eleitoral: ele entrega um para o mesário e usa outro clandestinamente na cabine [para registrar em quem vai votar].
Em outro caso, um empregador colocou o desenho de uma urna ao lado do registro de ponto para os funcionários começarem a 'treinar'. E tem as pressões de praxe, como por exemplo: 'se votar, posso te conceder um 14º salário'.
É uma situação diferente nesta eleição. Tenho 30 anos de instituição e nunca tinha visto algo similar; esse volume de denúncias. Não significa que todas são verdadeiras; tem de ser investigado, mas assusta.
Por que o assédio eleitoral é maior nesta campanha?
São vários fatores, como o aumento das denúncias pela conscientização maior da sociedade, mas o principal é a polarização e a banalização do ilícito. Tem empresário que acha normal gravar vídeos e divulgar esses pedidos.
Mas não tenha dúvida de que é a polarização política que está levando essa disputa para dentro das casas, para os ambientes de amizades e para as relações de trabalho.
Esse aumento não é um retrocesso democrático?
Seria um retrocesso se não houvesse reação do Estado. Se fosse um retrocesso, as pessoas fariam isso e ninguém seria processado. Eu diria que o Brasil vive um teste para o fortalecimento da democracia.
O que pode acontecer a um empresário que comete esse crime?
Sobre o ilícito trabalhista, o MP ajuíza ações para que o juiz proíba que a prática se repita e estipule o pagamento de um dano material convertido para a sociedade e dano moral individual para cada trabalhador afetado.
Em caso de assédio moral, o financiamento público da empresa pode ser prejudicado. Se for crime eleitoral, tem prisão e multas, mas a análise é feita pelo Ministério Público.
Esses empresários desconhecem a lei ou são mal-intencionados?
Não acredito que seja desinformação. Pode ser em alguns casos, mas acredito que seja a empolgação política: ele quer que seu candidato vença. Também não posso garantir que seja má intenção. Agora, neste exato momento, com tal cobertura pela imprensa, é impossível que eles achem que estão fazendo algo correto.
Houve alguns casos de assédio eleitoral em 2018, mas as condenações demoraram muito. Como acelerar os julgamentos?
Acredito que o Congresso pode se debruçar sobre o tema e reduzir os prazos na Justiça do Trabalho pra que gente consiga dar resposta. Hoje temos uma necessidade de prazo em horas. Como faltam alguns dias para o pleito, se a Justiça der prazo de dias para receber a resposta, a eleição passa. Tem de ser mais rápido. Mas não tenha dúvida de que as investigações continuarão depois do dia 30.
Os valores das indenizações e dos TACs (Termos de Ajuste de Conduta) não são muito baixos?
As denúncias que não se comprovam são arquivadas. As que se provam, buscamos o empregador e tentamos um TAC. Se ele não aceita, ajuizamos a ação.
Sobre os valores, depende de quem está sendo investigado, da complexidade e gravidade do ilícito, do números de empregados e do tamanho da empresa. Tem pedido de R$ 10 milhões, de R$ 1 milhão... Mas nosso órgão não é arrecadador, é de prevenção e repressão.
Quem é mais beneficiado pelos assédios, Bolsonaro ou Lula?
O MPT não tem e nem vai ter pesquisa ou registro estatístico sobre qual candidato é mais beneficiado porque o que interessa ao MPT é a estatística das denúncias. A nós não interessa quem é o candidato beneficiado, mas o empregador infrator. Sobre os beneficiados, há outras esferas que podem verificar isso.
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