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'Vai ser apertado': operação vira-voto usa humor, 'terapia' e Telegram

Lula e Bolsonaro disputam a Presidência em eleição acirrada neste domingo - REUTERS
Lula e Bolsonaro disputam a Presidência em eleição acirrada neste domingo Imagem: REUTERS

Júlia Marques

Do UOL, em São Paulo

29/10/2022 04h00Atualizada em 29/10/2022 13h00

"Temos de ir atrás do último indeciso, de cada voto", gritava no microfone uma vereadora do PSOL em uma noite abafada, na Avenida Paulista, no centro de São Paulo.

A frase resume as mobilizações na reta final de uma das eleições mais acirradas da história brasileira. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) disputam a Presidência, após um primeiro turno que terminou com 48,4% dos votos para o petista e 43,2% para o candidato do PL.

Os "vira voters" se organizaram em lugares com alta concentração de pessoas nas capitais e criam grupos nas redes sociais. Parte de quem se mobilizou para conquistar indecisos foi às ruas apenas no segundo turno, depois do susto com a votação na primeira etapa.

Em abordagens aos indecisos, usam algumas doses de humor para conquistar a simpatia — ou pelo menos um pouco da atenção de quem passa. Mobilizações para escuta, quase no estilo "terapia", também fazem parte da estratégia.

"Vai ser apertado. Por isso estou aqui", dizia o professor Reinaldo Ricarte da Silva, 38, enquanto entregava adesivos com o rosto de Lula em uma das entradas da estação Santa Cruz do metrô, na zona sul de São Paulo.

Reinaldo Ricarte - Júlia Marques/UOL - Júlia Marques/UOL
O professor Reinaldo Ricarte, em panfletagem na zona sul de SP
Imagem: Júlia Marques/UOL

De vez em quando ele gritava: "vacina ou cloroquina? O que você prefere?", em tom bem humorado — a tentativa era de recuperar a memória da pandemia entre os que passavam. "Já viu o preço do ovo?", emendava, com um sorriso no rosto.

Em volta de uma mesa cheia de bandeiras, adesivos e cartazes, apoiadores de Lula discutiam estratégias de mobilização. Por medo de retaliações, a panfletagem só ocorre quando conseguem reunir pelo menos quatro voluntários, disse um dos organizadores.

Quem se mobiliza na rua tem intenções diferentes —- há quem acredita que virar voto é possível; outros apostam em marcar posição.

"Não sei se consigo mudar votos de bolsonaristas, mas quero fazer a onda. Mais do que virar voto, é segurar os que temos", diz Ricarte.

A entrega de adesivos, diz ele, tem a função simbólica de afastar o medo. Muitos dos que passam pelo grupo até pegam os adesivos, mas evitam colar por receio de agressões, dizem os voluntários.

Uma colega no mesmo local se dizia confiante. "Tenho certeza de votos que virei. Pessoas com quem tive uma conversa que durou mais de um dia", afirma a engenheira Camila Cavalieri, 29, sobre o diálogo com comerciantes da zona sul que passam pelo metrô diariamente.

Fora das ruas, nas redes sociais, apoiadores de Bolsonaro também contam seus êxitos na operação vira-voto. "Consegui quatro votos de indecisos, ou melhor isentões", dizia um. A estratégia foi mostrar vídeos sobre o que, segundo ele, o PT pode fazer com o país.

Vira Brasil - Reprodução - Reprodução
Operação 'Vira Brasil', organizada no Telegram, por apoiadores de Bolsonaro
Imagem: Reprodução

Embora seja menos comum encontrar panfletagem de apoiadores de Bolsonaro nas ruas de São Paulo, há grupos organizados para virar votos para o atual presidente em aplicativos de mensagem. Um deles, no Telegram, tem o nome de "operação vira voto" — e o clamor é para que os participantes não só curtam as mensagens, mas compartilhem.

No canal "operação vira Brasil", no Telegram, a "missão" é virar três votos todos os dias até domingo. "Muitos demoraram para agir e definir posição. Agora temos de correr atrás do prejuízo", escreveu um usuário chamado "Capitão Brasileiro" em um dos grupos de apoio a Bolsonaro.

Perto da estação Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, um apoiador de Lula também contava que teve dificuldades de agir após o primeiro turno. A votação acirrada deixou o engenheiro Carlos Alberto da Silva, 40, em "choque" — como ele mesmo narra.

Carlos - Júlia Marques/UOL - Júlia Marques/UOL
O engenheiro Carlos Alberto da Silva faz parte da 'banquinha do futuro'
Imagem: Júlia Marques/UOL

"Desliguei o celular, não conseguia fazer mais nada, mal ia para a empresa, mal me alimentava e não conseguia dormir direito."

Há duas semanas, voltou aos grupos de mobilização política e, no fim de uma tarde de quarta-feira, a quatro dias da eleição, estava na Barra Funda para participar de um grupo de diálogo com eleitores, chamado de "banquinha do futuro".

Sem bandeira de partido e com cores diferentes das usadas pelos candidatos, a banquinha tenta evitar resistências prévias.

Uma mesa é erguida na calçada e uma tigela com balas é colocada sobre a mesa. A banquinha é uma estratégia do movimento social Bem Viver, criado no Distrito Federal — o movimento apoia a candidatura de Lula.

"Como foram seus últimos quatro anos?", perguntava uma das voluntárias a quem passava em direção ao metrô.

Banquinha - Júlia Marques/UOL - Júlia Marques/UOL
Banquinha do futuro não tem cores associadas aos candidatos
Imagem: Júlia Marques/UOL

O objetivo é que as pessoas falem sobre si e, ao ouvirem a própria voz, façam reflexões — quase uma sessão de terapia, diz a jornalista Simone Castro, 41. "Ouvimos muito e tentamos achar alguma convergência", completa a designer Silvia Strass, 38.

Nem sempre é possível. Abordada por Silvia no fim da tarde, uma jovem eleitora de Bolsonaro até parou para conversar. Disse ser contra o aumento dos preços de alimentos e acha que "legalizar armas também não é bom".

Por outro lado, discorda das pautas de Lula sobre a família e, na segurança pública, acredita que é preciso reduzir a maioridade penal.

"Minha vontade é sair do Brasil. Esse negócio de política é complicado", disse ela — e seguiu para casa, prometendo pensar.