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Zambelli ameaçou homem com arma de calibre liberado no governo Bolsonaro

Do UOL, em Brasília e São Paulo

30/10/2022 14h19

A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), uma das principais aliadas do presidente Jair Bolsonaro (PL), usou uma pistola de calibre 9mm para ameaçar o jornalista negro Luan Araújo, 32, após uma discussão em São Paulo. O calibre 9mm, antes de Bolsonaro, era restrito às Forças Armadas e determinados setores policiais por sua potência, mas foi liberado pelo presidente da República por meio de decreto no ano de 2019.

O calibre é considerado mais potente que outras munições antes liberadas para civis, como o calibre .38. Dados obtidos pelo UOL por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação) apontam que o número de registros de armas desse calibre saltou durante o governo Jair Bolsonaro.

Ontem, Zambelli foi filmada apontando uma arma Luan Araújo na esquina da rua Joaquim Eugênio de Lima com a alameda Lorena, em São Paulo. Ela relatou ter sido agredida por Luan. Mas as imagens do incidente, gravadas por testemunhas, desmentem a versão da parlamentar. Araújo afirmou que a confusão começou em um bar e relatou que, durante a discussão, apenas xingou a deputada.

A reportagem procurou Carla Zambelli e seu segurança Valdecir Silva de Lima Dias, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Caso seja enviado algum posicionamento, o texto será atualizado.

Consta no BO (boletim de ocorrência) do caso o registro da arma apreendida pela polícia que a deputada apontou contra Luan. É uma pistola da marca Taurus de calibre 9mm. Os registros da arma foram considerados válidos pela autoridade policial.

Bolsonaro editou decretos flexibilizando o acesso de civis às armas, uma das bandeiras de sua campanha. Em maio de 2019, Bolsonaro liberou o acesso amplo para todos cidadãos com porte de arma a munições mais potentes, como calibre 9mm, .40 e .45.

Não à toa o número de registros de munições de calibre 9mm saltou após a "canetada" do presidente em seu mandato, conforme apontam dados da Polícia Federal obtidos pelo UOL via LAI entre 2012 e setembro de 2022. Entre 2019 e setembro de 2022, foram registradas, em média, 205 munições deste calibre por dia. Veja nos dados abaixo:

  • Governo Dilma (2012-2015): em média, 6 registros por dia;
  • Governo Dilma e Temer (2016): em média, 3 registros por dia;
  • Governo Temer (2017 e 2018): em média, 22 registros por dia;
  • Governo Bolsonaro (2019 a set. 2022): em média, 205 registros por dia;

"Esta é uma arma que pode disparar a grandes distâncias e também gerar mais vítimas de balas perdidas, pois é um calibre que transfixa com mais facilidade", explica Bruno Langeani, mestre em administração pública e políticas públicas pela Universidade de York (Reino Unido) e gerente do Instituto Sou da Paz.

Roberto Uchoa, policial federal e pesquisador que trabalhou no Sinarm (Sistema Nacional de Armas) da PF, disse que a arma deveria ser usada como defesa pessoal da deputada, não como forma de ataque.

"Ali, o que vimos, foi tudo menos defesa. A deputada perseguia um homem de arma em punho apontando e andando pelas ruas, inclusive entrando em estabelecimentos com outras pessoas. Ali não foi defesa, foi ataque", afirmou.

Durante a gestão de Bolsonaro, 1 milhão de novas armas particulares foram registradas no país. Ampliar o acesso da população a armamento foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro em 2018. Quando assumiu a Presidência, em 2019, ele assinou um decreto facilitando o registro, a posse, o porte e o comércio de armas pelos CAC's (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores).

Durante a gestão de Bolsonaro, também saltou o número de registros de fuzis como o usado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB) para atirar 50 vezes contra policiais federais.

Polícia recusou registrar crime de racismo

Valdecir Silva de Lima Dias, 46, segurança da deputada, é policial militar e estava de folga quando disparou para o alto durante a confusão e foi preso pela Polícia Civil. No entanto, ele pagou fiança e foi liberado.

A advogada de Luan Araújo, Sheila de Carvalho, afirmou à reportagem que a polícia se recusou a registrar o crime de racismo no boletim de ocorrência contra Zambelli e o segurança porque seria um crime inafiançável.

Zambelli disse uma frase racista a se referir a Luan. A parlamentar disse que "usaram um negro" para ir atrás dela.

Outro advogado de Luan, Renan Bohus, pediu a prisão da deputada pelo porte ilegal de arma na véspera da eleição.

Pela legislação eleitoral, é proibido o transporte de armas e munições por CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) nas 24 horas anteriores da eleição, assim como no dia e nas 24 horas posteriores ao pleito.

Zambelli chegou a dizer depois da confusão que "ignorou conscientemente" a determinação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), infringindo a lei. "Eu sou legisladora, uma resolução é ilegal e ordens ilegais não cumprem", disse ela à imprensa. "Conscientemente estava ignorando a resolução e continuarei ignorando a resolução do senhor Alexandre de Moraes. Ele não é legislador", disse.

O que diz a resolução do TSE? No dia 29 de setembro, o plenário do TSE, formado por sete ministros, aprovou de forma unânime uma resolução para proibir o transporte de armas e munições em todo o território nacional por CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) no dia das eleições e nas 24 horas antes e depois da votação.

"O descumprimento da referida proibição acarretará a prisão em flagrante por porte ilegal de arma sem prejuízo do crime eleitoral correspondente", diz a resolução.

Além disso, o porte de armas de fogo está vedado em um perímetro de 100 metros das seções eleitorais. Segundo o art. 154 da resolução, "a vedação aplica-se, inclusive, aos civis que carreguem armas, ainda que detentores de porte ou licença estatal".

Ao votar, o presidente da Corte, Alexandre de Moraes, disse que a proibição temporária é preventiva, para evitar confrontos armados derivados da violência política.