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Registros de fuzis como os de Roberto Jefferson dobram na gestão Bolsonaro

Do UOL, em Brasília

27/10/2022 04h00Atualizada em 27/10/2022 12h37

O calibre de fuzil usado pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) para atirar 50 vezes contra policiais federais no domingo (23) teve um "boom" de registros na Polícia Federal desde o início da gestão do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).

Dados reunidos desde 2012 pela PF e obtidos pelo UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação) apontam que, em três anos e nove meses de governo, foram 7.651 novos fuzis calibre 5.56 mm no país.

Isso significa mais que o dobro das 3.739 armas do tipo cadastradas entre 2012 e 2018, durante as gestões de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), como mostram os dados abaixo:

  • Governo Dilma (2012-2015): 1.558 armas;
  • Governo Dilma e Temer (2016): 646 armas;
  • Governo Temer (2017 e 2018): 1.535 armas;
  • Governo Bolsonaro (2019 a set. 2022): 7.651 armas.

Arsenal nas ruas. Durante a gestão de Bolsonaro, 1 milhão de novas armas particulares foram registradas no país.

Ampliar o acesso da população a armamento foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro em 2018. Quando assumiu a Presidência, em 2019, ele assinou um decreto facilitando o registro, a posse, o porte e o comércio de armas pelos CAC's (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores).

O reflexo da medida foi imediato: apenas no primeiro ano de governo, foram 3.957 registros da posse deste tipo de fuzil no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal — montante equivalente a quase oito vezes o total desse tipo de arma adquirido no último ano de Temer (523).

Quando se considera a média de registros de armas, o aumento é de mais de três vezes. Na gestão de Dilma e Temer, foram feitos 534 registros de fuzis por ano. Com Bolsonaro, foram 2.040 por ano, considerando-se o período de janeiro de 2019 a setembro de 2022.

Armas acima de tudo. Em seus discursos, Bolsonaro tem saído em defesa do armamento da população para "garantir a democracia no país". Numa reunião ministerial em abril de 2020, por exemplo, o presidente defendeu que "o povo se arme, [para] a garantia de que não vai aparecer um filho da p... e impor uma ditadura aqui".

No ano passado, Bolsonaro chegou a comemorar e a incentivar, para toda a população, a compra de fuzil, arma liberada apenas para atiradores esportivos.

"Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado. Eu sei que custa caro. Aí tem um idiota: 'Ah, tem que comprar é feijão'. Cara, se você não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar", disse Bolsonaro a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada em agosto de 2021.

Cara e burocrática. A arma usada por Jefferson para evitar ser preso no último domingo, um fuzil Smith Wesson de calibre 5.56, é arma restrita para atiradores esportivos com dinheiro e tempo para adquirir o armamento.

Segundo especialistas, o fuzil, vendido por pelo menos três fabricantes diferentes, pode chegar a custar R$ 26 mil. Para comprar legamente a arma é preciso também ter uma autorização do Exército, documento que pode levar até dois anos para sair.

Impacto do projétil. Bruno Langeani, mestre em administração pública e políticas públicas pela Universidade de York (Reino Unido) e gerente do Instituto Sou da Paz, afirma que as munições calibre 5.56 são "muito letais".

"Porque transpassam blindagens e também edificações e veículos normais. São calibres mais propensos a gerarem vítimas de balas perdidas", diz o especialista.

Usada por agentes de segurança. Policiais militares utilizam o fuzil calibre 5.56 em situações específicas, de acordo com o tenente-coronel Onivan Elias de Oliveira, da Polícia Militar da Paraíba.

"Usa-se para o enfrentamento qualificado em ocorrências de roubos a bancos (domínio de cidades/novo cangaço), busca e captura de criminosos fortemente armados em locais de difícil acesso ou entrincheirados em residências ou similares, e em cenários de reféns localizados", afirma o tenente-coronel.

Desenho de munição de calibre 5,56 e 7,62 - iStock e Arte/UOL - iStock e Arte/UOL
Imagem: iStock e Arte/UOL

Disparo semiautomático. Segundo o advogado criminalista e especialistas em armas Marcelo Barazal, o modelo usado por Jefferson é o liberado para civis, com disparo semiautomático — ou seja, é preciso apertar o gatilho a cada tiro. Sendo assim, a cadência depende da experiência e da destreza do atirador.

A versão automática do fuzil só pode ser usada por forças de segurança. O diferencial é que ela possui um mecanismo que ativa as "rajadas". Isto é, o atirador puxa o gatilho apenas uma vez, segura-o e uma série de disparos é feita até que o gatilho seja liberado ou que acabem os projéteis no carregador.

Ainda de acordo com Barazal, a arma ficou popular entre os atiradores esportivos no Brasil por ser usada na modalidade "3Gun", em que o atirador usa três modelos diferentes de arma de fogo: um fuzil, uma carabina e uma espingarda.

Nos EUA, diz o advogado, a arma também é usada para caça de animais. "É um projétil mais veloz e com mais estabilidade durante o trajeto dele. São tiros efetivos até 600 metros."

Caso Roberto Jefferson. Aliado de Bolsonaro, Jefferson cumpria prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica e foi alvo de uma ação da Polícia Federal determinada por Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele reagiu e atirou. Segundo a PF, o ex-deputado também lançou granadas na direção dos agentes. Dois policiais ficaram feridos, atingidos por estilhaços —e passam bem.

Jefferson se entregou à policia por volta das 19h do domingo, passou a noite isolado na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na zona norte do Rio, e foi transferido na segunda-feira para o presídio Bangu 8, na zona oeste da cidade.

O UOL solicitou informações ao Exército sobre o armamento de Jefferson na segunda-feira (24). Os esclarecimentos serão publicados se forem recebidos. A Polícia Federal disse que não pode comentar o registro de arma do ex-deputado e que o inquérito que apura o ataque contra os policias corre em sigilo.