Por que o prefeito Ricardo Nunes não foi investigado após BO da esposa?

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo contrariou declaração do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), ao confirmar que não é "forjado" o boletim de ocorrência feito por sua esposa, Regina Carnovale Nunes, contra ele em 2011. Apesar do BO, Nunes não foi investigado pela polícia em razão da natureza do crime atribuído a ele.

O que aconteceu

Nunes afirmou em sabatina UOL/Folha que é "óbvio" que o BO foi "forjado". "É uma irresponsabilidade [a sabatina] trazer uma coisa dessa."

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) confirmou ao UOL que Regina procurou a polícia para dizer que sofria ameaças. "O caso em questão foi registrado pela 6ª Delegacia de Defesa da Mulher, em fevereiro de 2011. Na ocasião, a vítima compareceu na unidade especializada para comunicar os fatos, e a ocorrência foi encaminhada à Delegacia de Embu Guaçu, responsável pela área dos fatos", diz a secretaria.

A SSP disse ainda que Nunes não foi investigado porque Regina não o "representou". "Contudo, havia necessidade de representação contra o autor [além do BO], o que a vítima não fez."

Inconformado com a separação, [Nunes] não lhe dá paz, vem efetuando ligações proferindo ameaças, envia mensagens ameaçadoras todos os dias e vai em sua casa, onde faz escândalos e a ofende com palavrões. Afirma a vítima que, diante da conduta de Ricardo, está com medo dele.
Trecho do BO registrado por Regina

Nem sempre basta um BO

Boletim de ocorrência registrado por Regina Carnovale contra Nunes em 2011
Boletim de ocorrência registrado por Regina Carnovale contra Nunes em 2011 Imagem: Reprodução

O Código de Processo Penal prevê três tipos de ações, que seguem regras próprias de investigação, a depender do crime: Ação Penal Pública Condicionada, Ação Penal Pública Incondicionada e Ação Penal Privada.

O crime atribuído a Nunes se enquadra na Ação Penal Pública Condicionada. "A ação penal é condicionada à representação da vítima", explica o advogado criminalista Euro Bento Maciel Filho. São casos como ameaça, estelionato e lesão corporal culposa, como no trânsito. "Quem apresenta a denúncia para a Justiça é o Ministério Público, depois da investigação policial, mas se a vítima for à delegacia e não falar a frase mágica 'eu quero ver o autor do fato ser processado criminalmente', o Estado não faz nada, nem investiga nem processa."

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A representação é o aval da vítima para que o Estado atue. "Essa representação tem de ser exercida pela vítima ou representante legal num prazo de seis meses a contar do conhecimento da autoria [do crime]", explica o criminalista. "Se passou desse prazo, o autor do crime não pode ser punido mesmo com provas."

Já na Ação Penal Pública Incondicionada, a polícia é obrigada a investigar após o BO. É aqui que se enquadra a maioria dos crimes, como homicídio, estupro, furto, roubo e extorsão. "Esse tipo de ação independe da vontade da vítima em querer investigar", explica Maciel Filho. "Como são crimes que o Estado tem de apurar, a polícia investiga e aciona o Ministério Público que, se entender que tem de denunciar, denuncia."

Na Ação Penal Privada, quem deve recorrer à Justiça é a própria vítima. São os casos de calúnia, injúria e difamação. Para a polícia investigar, é preciso que a vítima também manifeste essa vontade à autoridade policial. "Mas o inquérito policial não é enviado ao MP. Ao conhecer o autor do crime, a vítima tem seis meses para apresentar uma queixa-crime direto no Fórum."

STF mudou entendimento

Um ano após o BO, o STF decidiu que a representação era desnecessária para investigar casos como ameaça. "Em 2012 o STF confirmou a natureza incondicionada das ações penais a partir da lei Maria da Penha, mesmo quando se trata de crime de menor potencial ofensivo, como ameaça", diz Marina Ganzarolli, ex-presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB de São Paulo.

Na prática, no entanto, pouco mudou. "Com falta de capacitação e pouca gente para muito trabalho nas delegacias, os casos de violências consideradas mais leves não são movimentados, não tem atuação", diz a advogada. "Então a mulher faz uma denúncia e acha que ela anda sozinha, quando na verdade não é assim que funciona."

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O sistema de justiça criminal e o sistema de segurança pública são intrinsecamente, estruturalmente machistas, assim como a nossa sociedade.
Marina Ganzarolli, advogada

Regina mudou sua versão

O boletim de ocorrência contra Nunes foi revelado pela Folha de S.Paulo em 2020. Na época, ele disputava a eleição como vice de Bruno Covas (1980-2021).

Após a polêmica, Regina enviou nota ao jornal dizendo que descreveu no boletim "coisas que não são reais". Quando as críticas a Nunes pressionaram a campanha de Covas, ela mudou a versão e disse que não se lembrava do BO.

Nunes também procurou a polícia contra Regina em 2011. Após o boletim da esposa, Nunes fez o mesmo menos de um mês depois. Ele afirmou que "em conversa referente à pensão, veio a autora [Regina] por agredir a vítima [Ricardo Nunes]".

"Amo a minha esposa"

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), em sabatina do UOL/Folha
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), em sabatina do UOL/Folha Imagem: 15.jul.2024-Mariana Pekin/UOL
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Nunes tratou da polêmica após a sabatina. "Estou casado há 27 anos, pai do Ricardinho, da Mayara, da Isabela, vovô do Ricardinho Neto, um casamento de 27 anos, a gente tem orgulho enorme de poder ter os filhos que dão tanto orgulho para a gente", afirmou em coletiva de imprensa.

Essa é a história que a gente tem para mostrar para a sociedade: de uma família muito bem estruturada, que eu amo a minha esposa

Agora toda vez que tem eleição surge alguma discussão para poder desestabilizar, para poder atingir as pessoas. O que é importante nessa história toda: 27 anos de casado, isso que é fundamental
Ricardo Nunes, prefeito de São Paulo

Regina postou ontem uma mensagem celebrando o casamento com Nunes. "27 anos de um casamento com muito amor, respeito e companheirismo."

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