Mais de 300 quilombolas são eleitos; veja quais estados têm mais

O Brasil elegeu 17 prefeitos, 36 vices e 334 vereadores quilombolas neste ano. É a primeira vez que o dado entra nos registros do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), de forma autodeclaratória. No total, 11% dos 3.455 candidatos quilombolas foram eleitos.

O que aconteceu

Dos 26 estados brasileiros, 9 elegeram prefeitos quilombolas em seus municípios. Goiás teve o maior número: quatro quilombolas vão tomar posse em 1º de janeiro de 2025 em cidades do estado.

Tocantins elegeu três prefeitos quilombolas. Bahia, Maranhão e Minas Gerais elegeram dois prefeitos cada um. São Paulo, Piauí, Ceará e Pará elegeram um prefeito cada um.

Também foram eleitos 334 vereadores quilombolas em todo o país. O Nordeste lidera, com 142 eleitos. A maior parte desses vereadores venceram em municípios baianos: no estado são 57.

Roraima e Acre não elegeram nenhum vereador quilombola. As regiões Sul e Centro-Oeste foram as que elegeram menos: 33 cada uma.

1,3 milhão de quilombolas no Brasil e 13% deles vivem em áreas demarcadas. Para especialistas, a distinção de quilombolas nos dados do TSE representa um avanço.

Quilombolas não eram contabilizados pelo Censo do IBGE, então o TSE não fazia essa diferenciação. "O TSE só introduziu as categorias raciais em 2014, muito depois do IBGE", explica a especialista do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) Carmela Zigoni, que acompanha de perto candidaturas em comunidades remanescentes de quilombos. "A partir do momento em que o Censo 2022 passou a fazer o levantamento dos quilombolas no Brasil, que não existia, o TSE também incluiu na sua coleta de dados essa categoria."

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As comunidades quilombolas têm pautas políticas muito urgentes, principalmente no quesito território. Os territórios ocupados por quilombolas no Brasil são titulados com muita lentidão e é importante que essa regularização seja feita com mais efetividade, porque essas populações sofrem invasões e violências frequentes, preservando assim saberes e tradições ancestrais e garantias de direitos.
Carmela Zigoni, doutora em antropologia e assessora política do Inesc

Centrão lidera

Partidos com maior número de quilombolas estão no "centrão", que elegeu 220 vereadores. O MDB foi o partido que mais elegeu vereadores quilombolas: 53 deles são filiados à legenda. Em seguida, aparecem PSD e União Brasil, com 40 cada um. O partido Progressistas ficou em quarto, com 33 eleitos.

O PT foi a sigla de esquerda que mais teve vereadores quilombolas eleitos: 30. O partido é seguido pelo PSB, que elegeu 26, e o PDT, com 20.

A direita elegeu 13 quilombolas para o Legislativo municipal. Doze foram eleitos pelo PL e um pelo Novo. O PRTB não elegeu nenhum.

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Lideranças comemoram resultados

Eleição de quilombolas é resultado de "luta secular", diz porta-voz da Conaq. Para Maria Rosalina, coordenadora-executiva da Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, a ocupação de espaços de poder e decisão por quilombolas é crucial para que políticas públicas em defesa das comunidades sejam implementadas no país.

Somente quando ocupamos esses espaços de poder e decisão é que nossas vozes serão ouvidas, nossos direitos serão defendidos e as políticas públicas que precisamos serão implementadas. Nesse sentido, é muito importante para os nossos quilombos a eleição de um pleito tão representativo quanto esse. Isso é sinal de que, aos poucos, estamos colhendo os frutos de uma luta tão árdua e secular.
Maria Rosalina, coordenadora-executiva da Conaq

Mulheres são defensoras da floresta. "É uma alegria imensa finalmente poder falar disso", diz Viviana Santiago, diretora da Oxfam Brasil, que estuda as populações de territórios quilombolas tradicionais do Nordeste. Dentro dos estudos sobre clima, ela se deparou com mulheres negras, quilombolas e indígenas defendendo as florestas. "No Brasil, se tem floresta em pé, é porque tem mulher. A justiça climática é pautada por essas mulheres."

A Oxfam financiou e treinou 13 candidatas quilombolas. Quatro foram eleitas vereadoras, três em São Paulo e uma em Minas Gerais. "Cada uma dessas pessoas teve uma conquista histórica, já que vivemos em um país que viola sistematicamente os direitos de quilombolas", afirma Santiago. Ela ajudou no treinamento de candidatas quilombolas contra a violência política, já prevendo que disputas no Parlamento. "Essas pessoas eleitas explicam o que é resistência", disse ainda. A Oxfam também contribuiu com o financiamento das candidaturas.

Entendemos que muitas dessas mulheres sofrem violência política antes de sequer tentar um cargo político, por isso ajudamos no planejamento da campanha, mas também na proteção das violências políticas. Elas tiveram momentos de apresentar as suas plataformas políticas. É um espaço de acolhimento e reconhecimento da violência.
Viviana Santiago, diretora da Oxfam

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Territórios ameaçados

98,2% dos territórios quilombolas estão ameaçados no Brasil. Segundo um levantamento divulgado em maio pelo ISA (Instituto Socioambiental) em parceria com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), quase todos os quilombos no país estão ameaçados por obras de infraestrutura, empreendimentos de mineração e sobreposições de imóveis particulares.

Comunidades são diretamente impactadas por desmatamento. Entre as principais consequências socioambientais mapeadas pelo estudo, estão a degradação ambiental causada por desmatamento e incêndios e a perda de biodiversidade e recursos hídricos pela exploração mineral e atividades de agricultura e pecuária no entorno dos territórios, facilitadas por obras de infraestrutura como a abertura de estradas e rodovias.

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