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Havia esperanças por reformas na Síria, diz antropólogo brasileiro que acompanhou início do governo Assad

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

27/08/2012 06h00

“Acompanhei o processo que desembocou nisso que vemos hoje. Havia esperança por democracia e por reformas, mas o regime se tornou mais autoritário e repressivo. Quando eu volto pra lá? Não sei, vai depender de quando eu tiver alguma segurança pra isso”.

O depoimento é do antropólogo Paulo Hilu da Rocha Pinto, coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Oriente Médio da Universidade Federal Fluminense, de Niterói (RJ). O estudioso, que morou na Síria entre os anos de 1999 e 2001, acompanhou a transição de governo do então presidente Hafez Assad para o filho, Bashar Assad, em 2000, e foi ao país durante todos os anos seguintes, até 2010, por conta dos trabalhos de pesquisa. Com o início dos conflitos ano passado, interrompeu as viagens.

O que acompanhou à distância desde então faz com que o antropólogo não consiga visualizar um fim para os conflitos. “Tão cedo, essa situação não acaba. A Síria tem apoio de países como Rússia e China, além de uma aliança muito forte com o Irã; aos olhos de russos e chineses, não deixa de ser um exercício disfarçado de impor uma influência”, afirmou.

Ele faz uma comparação: “De certa maneira, é análogo ao apoio dos EUA a Israel, que tem territórios ocupados em situações de violação aos direitos humanos. Ou seja: Assad efetivamente está produzindo um massacre de proporções absurdas, mas ninguém tomará medidas concretas porque ele tem seus patronos”.

No período em que viveu no país, o especialista viu um aumento na insatisfação da população. “O que percebi é que, a cada ano, eram maiores as reclamações e ressentimentos contra o regime, e justamente por grupos que davam base de sustentação a ele, como os camponeses. Houve uma reversão nos pontos de apoio ao regime, que tinha uma margem de manobra muito grande, no início, mas não fez as reformas e não correspondeu à popularidade do presidente Bashar quando ele assumiu”, conta. “E isso, efetivamente, por conta dos interesses de dirigentes que não quiseram abrir mão de seus privilégios”.

De acordo com o pesquisador, os protestos contra Assad não são unanimidade entre os sírios. “A revolta tem uma base popular, sim, mas não é unânime: há regiões onde ela é muito forte, especialmente em áreas rurais mais afetadas pela seca, pela crise e que foram desinvestidas pelo Estado”, comentou. “Mas há algumas minorias religiosas, sobretudo a classe média das cidades de Aleppo e Damasco, que ganharam com as reformas neoliberais. Esses preferem o regime a uma situação política desconhecida, além de verem com desconfiança um movimento que começa no campo”.