Cidade dos EUA tenta acabar com domínio de seita que prega poligamia
Em um lugar onde as disputas políticas são virtualmente desconhecidas, as placas de campanha oferecem o último indício de que uma seita que prega a poligamia está perdendo o controle sobre essa remota comunidade de rochas vermelhas situada na fronteira entre Utah e Arizona.
"Para prefeita de Hildale, vote Donia", lê-se em uma placa com a imagem Donia Jessop, uma candidata retratada com um penteado contemporâneo e um tailleur vermelho.
As placas penduradas em cercas e muros são incomuns porque as eleições aqui há tempos têm sido decididas nos bastidores pela Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Últimos Dias, uma seita que prega a poligamia que há mais de um século faz deste lugar situado entre as rochas seu lar e escolhe a dedo os homens que não farão oposição a ela.
Há apenas cinco anos, Jessop era uma integrante do grupo também conhecido como FLDS (sigla de Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Últimos Dias). Ela vestia os tradicionais vestidos de pradaria da seita e usava cabelos longos. Agora ela faz parte de um cada vez maior número de ex-membros que voltaram a comprar casas hipotecadas, abrir negócios e tentar transformar Hidale em um local que se assemelhe a uma típica cidade ocidental, não uma comunidade religiosa enclausurada.
As competitivas eleições marcadas para terça-feira (7) podem causar um golpe esmagador aos tradicionalistas se os 367 eleitores registrados elegerem Jessop e os candidatos não alinhados ao FLDS para os dois assentos do conselho municipal. Seria mais em uma série de mudanças recentes que agitaram Hildale e sua cidade-irmã, Colorado City, com a qual tem uma população combinada de aproximadamente 7.800 habitantes.
Os despejos de famílias da seita de aproximadamente 150 casas, ordenados pelo governo, forçaram muitos membros a procurar refúgio em trailers nos arredores do município ou em outras cidades do Oeste. Os governantes locais e a polícia estão sendo observados de perto por monitores designados por um tribunal depois que um júri os considerou culpados de violações de direitos civis. E um caso de fraude com cupons de alimentos levou dez pessoas a se declararem culpados, exacerbando o vazio de liderança.
Jessop e outros ex-membros da seita saúdam as mudanças como um progresso que demorou para chegar e que vai ajudar a comunidade a se livrar do reinado do líder da seita, Warren Jeffs, que está detido no Texas por agressões sexuais a menores de idade que ele considerava suas noivas.
"As coisas que estavam acontecendo na igreja eram muito destrutivas. E agora esta destruição pode parar, e nós podemos começar a reconstrução”, disse Jessop. "Esta cidade está em uma completa paralisia até nós mudarmos seu governo”.
Mas os membros do FLDS acreditam que a cidade que eles construíram está sendo destruída. Norma Richter, 50, mãe de 13 filhos, disse que as mudanças que atingem a cidade são como "uma limpeza cultural", ecoando um bordão comum entre os membros da igreja e seus simpatizantes.
No coração da divisão está Jeffs, que tem sido mantido preso, em Utah ou no Texas, desde 2006.
Seus seguidores o consideram um profeta e acreditam que ele foi vítima de uma perseguição religiosa baseada em alegações fabricadas. Ex-membros da seita e forasteiros o consideram um homem perigoso que destruiu famílias e cometeu crimes sexuais.
Jeffs é "um homem muito doente" que controla as pessoas através do "medo de não chegar ao mais alto reino celestial da glória", disse Jessop. Ela observa que foi ele e os outros líderes quem colocou os despejos em ação há mais de uma década, quando optaram por não contestar as acusações judiciais de má administração dos encargos da igreja, levando os governos de Utah e do Arizona a assumir isso.
Seus apoiadores são firmes em suas crenças. Jeff "ainda é o único homem nessa Terra que pode receber revelação do pai celestial para as pessoas", disse a integrante do FLDS Lori Barlow. "Esta é uma conexão muito importante para mim".
Autoridades dizem que Jeffs ainda envia algumas orientações da prisão, mas Richter diz que seus seguidores não ouvem sua voz há anos e que não está claro quem, localmente, é o responsável pela igreja.
Um dos irmãos de Jeffs, Lyle, coordenou as operações cotidianas até o ano passado, quando foi preso no caso de fraude dos cupons de alimentos. Ele fugiu do confinamento ao qual estava submetido em sua casa enquanto aguardava o julgamento e foi capturado na Dakota do Sul depois de um ano. Ele pode ficar até cinco anos na prisão.
Em meio à falta de liderança, e com tão poucas pessoas que restaram na cidade, os seguidores já não se encontram para os cultos regulares, disse Richter. Casamentos que são arranjados pelo profeta da religião estão em compasso de espera até que Jeffs retorne, afirma.
Membros do FLDS acreditam que os despejos foram acelerados este ano para limpar as listas de eleitores e organizar as eleições para introduzir os candidatos externos. Os despejos resultam de uma ordem de um juiz do Estado de Utah que ficou cansado das pessoas que não pagavam as taxas mensais de ocupação de US$ 100.
Os membros da seita se recusaram a pagar as taxas porque acreditam que o dinheiro estava sendo usado por advogados que supervisionam os encargos da igreja para tomar ações legais contra o FLDS. Eles também acreditam que os encargos deveriam pertencer a eles.
Por toda a cidade, muitas casas grandes com quartos suficientes para famílias numerosas ficam vazias enquanto um conselho comunitário responsável pelos créditos trabalham na redistribuição das casas em que foram realizadas os despejos. Outras estão em ruínas, resultado de um decreto de Jeffs do início dos anos 2000, quando ele ordenou a suspensão de todas as construções em Utah e no Arizona para que se focasse na construção de um complexo no Texas.
Depois de verem muitos de seus seguidores, membros da igreja, despejados, Barlow e seu marido querem comprar uma casa, mas temem não encontrar nada adequado em outras cidades da região para seus cinco filhos e 14 vacas.
"Tudo o que sempre precisei estava aqui", disse Barlow. "A ideia de que estou procurando comprar uma casa em outro lugar é chocante para mim".
Quando autoridades enviaram recentemente um aviso de despejo para a casa onde aconteciam as reuniões da seita, Barlow e Richter se abraçaram e choraram recordando as histórias do edifício e todos os funerais e serviços que foram mantidos em seu interior. Os líderes de crença fizeram um acordo para impedir o despejo, mas isto serviu como mais uma evidência da perda de poder da seita.
Outros sinais do declínio da presença da seita são abundantes. Escolas primárias e secundárias que foram reabertas há vários anos agora estão movimentadas com umas 500 crianças, a despeito da maioria das famílias do FLDS educarem seus filhos em casa.
Mulheres e meninas com vestidos de pradaria costumavam ser vistas em toda a cidade --enchendo os tanques dos carros com gasolina, andando à cavalo e conversando. Agora, é mais difícil encontrá-las. Diversos novos negócios estão sendo abertos, incluindo uma cervejaria e hotéis.
O atual prefeito Philip Barlow, um membro do FLDS e morador da cidade há muitos anos, disse que as pessoas estão lidando com a mudança "fazenddo o que tem que ser feito". Ele reconhece que ter uma desafiante é algo novo, mas afirmar que vai aceitar o que os eleitores decidirem.
Jessop quer tornar a cidade um lugar de aceitação para todos. Ela disse que adoraria reviver as boas lembranças de crescer com suas duas mães e 25 irmãos.
"Eu adoraria ver famílias reunidas", disse ela. "Eu quero que eles permaneçam... Eles são minhas irmãs, meus irmãos, minhas tias, primos, tios. Eles são meu povo".
Jessop deixou o FLDS há quatro anos com o marido e 10 crianças, quando havia uma agitação sobre como Jeffs estava dirigindo o grupo. Ela e seu marido mais tarde trouxeram uma "esposa irmã" para a família, e as duas mulheres agora criam seus filhos e dirigem o negócio familiar juntas.
Quando ela retornou, Jessop comprou uma das casas hipotecadas e reabriu um posto de gasolina como uma loja de conveniência. Se eleita, ela seria a primeira prefeita da cidade.
Richter disse que os membros da FLDS não vão se acalmar, não importa o que aconteça nas urnas.
"Temos um homem muito bom como líder, mas seguimos uma religião", disse ela. "Eles não nos conquistaram. Eles podem levar tudo, mas eles não podem conquistar nosso espírito".
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