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Às vésperas de eleições, sanções à Rússia ajudam Putin a fortalecer seu poder

Com 70% das intenções de voto, Putin deve ser reeleito nas eleições presidenciais russas de domingo - Maxim Shemetov/Reuters
Com 70% das intenções de voto, Putin deve ser reeleito nas eleições presidenciais russas de domingo Imagem: Maxim Shemetov/Reuters

Sandro Fernandes

Colaboração para o UOL, em Moscou

17/03/2018 04h00

“Presidente Forte – Rússia Forte”. Com esse slogan, o presidente russo, Vladimir Putin, fez sua campanha presidencial durante apenas três meses, sem muitas aparições ou atos públicos e sem participar de nenhum dos quatro debates televisionados entre os oito presidenciáveis.

Putin aparece com quase 70% das intenções de voto, enquanto o segundo colocado, do Partido Comunista, chega ofegante na corrida presidencial com apenas 7% das intenções. A vitória de Putin no próximo domingo (18) é tida como certa.

Mas a poucos dias do pleito russo, o Kremlin se encontra pressionado internacionalmente pelos países ocidentais. O Reino Unido impôs, na última quarta (14), um pacote de sanções contra a Rússia, em represália pela alegada participação da Rússia no envenenamento do ex-espião russo Serguei Skripal e de sua filha, em solo britânico.

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Moscou não respondeu ao ultimato dado por Londres cobrando explicações, negou qualquer envolvimento e declarou que só se posicionará sobre o caso quando receber um pedido formal do Reino Unido. Na quinta (15) foi a vez de os Estados Unidos anunciarem um novo pacote de sanções contra a Rússia por causa da interferência russa nas eleições norte-americanas.

16.mar.2018 - Ativista distribui panfletos apoiando o presidente Vladimir Putin na eleição presidencial em Moscou, na Rússia - Yuri Kadobnov/AFP - Yuri Kadobnov/AFP
Ativista distribui panfletos nas ruas de Moscou apoiando o presidente Vladimir Putin na eleição presidencial russa
Imagem: Yuri Kadobnov/AFP

A pressão ocidental, no entanto, ajuda o governo russo internamente.

“Para a maioria dos russos, as sanções (do Reino Unido e dos EUA) apenas unem os russos ainda mais contra o ‘Malvado Ocidente’”, explica Maksim, administrador de empresas, 32. O jovem russo não vota em Putin e se diz de oposição, mas assegura que, dentro da Rússia, o efeito das sanções ocidentais é positiva para o governo russo.

Para o público russo, temos ainda mais razões para votar em Putin. O inimigo criado pelo Kremlin passa a ser um inimigo real.”

Não é a primeira vez que sanções ocidentais acabam fortalecendo, entre os russos, o governo de Putin.

As sanções aplicadas pelo Ocidente contra a Rússia devido à anexação da Crimeia, em 2014, conseguiram aumentar (ainda mais) a aprovação ao presidente russo. Recentemente, outras crises, como o incidente diplomático com a Turquia em 2016 e a guerra na Síria, também funcionaram como uma alavanca para legitimar as decisões tomadas pelo Kremlin.

“Nós amamos nosso país e precisamos de alguém que ame o país também. Putin ama a Rússia e defende a Rússia. Somos mais respeitados no mundo graças a Putin e estamos vendo isso mais uma vez”, explica Olga, médica, 59.

15.mar.2018 - Ksenia Sobchak, jornalista russa e candidata à presidência dança durante um encontro com seus eleitores em Moscou, na Rússia - Alexander Nemenov/AFP - Alexander Nemenov/AFP
Ksenia Sobchak, jornalista russa e candidata à presidência, dança durante um de seus comícios
Imagem: Alexander Nemenov/AFP

“Aquela candidata mulher, que eu prefiro nem dizer o nome....”. Olga interrompe a conversa com o repórter, visivelmente emocionada. “Ela me deixa assim, viu? Dói o meu coração. Ela é jovem e não tem amor pela nossa pátria”. Olga se refere a Ksenia Sobchak, que não chega nem a 2% em intenções de voto, mas se transformou na candidata preferida do Ocidente.  “Ela (Sobchak) sabe o quanto já sofremos, o quanto já fomos agredidos por outros países, mas ela se esqueceu ou finge que esqueceu. Sempre fomos atacados pelo Ocidente e isso continua até hoje. Vou votar em Putin mais uma vez e com ainda mais convicção diante desses novos ataques (externos)”.

No dia em que o Reino Unido declarou o ultimato ao governo russo, Putin visitava a controversa península da Crimeia, anexada da Ucrânia há quatro anos. A data das eleições presidenciais russas foi alterada para coincidir com a data exata da anexação, tão criticada pelos países ocidentais, inclusive o Reino Unido.

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se limitou a dizer que Londres estava provocando a Rússia e insistiu que Moscou não tem nenhuma relação com o envenenamento.

3.mar.2018 - Presidente russo Vladimir Putin discursa durante um comício presidencial no estádio de Luzhniki em Moscou - Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP - Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP
Presidente russo Vladimir Putin discursa durante um comício presidencial no estádio de Luzhniki em Moscou
Imagem: Mikhail Klimentyev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

Putin continuou a campanha, sem fazer qualquer menção às acusações britânicas e também não falou sobre as novas sanções de Washington. O líder russo anunciou que a Rússia vai lançar uma missão a Marte no próximo ano e se reuniu com jovens, onde fez um discurso patriótico em que incluiu uma confrontação muito sutil ao “mundo inteiro”:

“Nós, na Rússia, sempre decidimos nosso destino e agimos de acordo com nossa consciência, nossa compreensão da verdade e da justiça, nosso amor à pátria. Esta é uma parte do nosso caráter nacional que o mundo inteiro conhece. Use o seu direito (de voto) para escolher o futuro da grande e amada Rússia", disse Putin aos jovens.

Na imprensa russa, tudo é versão do Kremlin

A Rússia tem apenas três canais de TV que cobrem todo o território nacional e os três são estatais ou controlados por uma empresa estatal. Durante toda a semana, os telejornais russos insistiram na falta de provas das acusações de Londres. O jornalista russo Dmitry Kiselyov, em seu popular programa dominical, disse que o Reino Unido é o responsável pelo envenenamento do ex-espião russo e que o objetivo de Londres é criar "um pretexto para um boicote internacional à Copa do Mundo na Rússia" e também para "estimular a russofobia".

Entre os jornais, a narrativa oficial também predomina. O jornal Moskovski Komsomolets, em um artigo de opinião, desdenha o fim das relações de alto nível entre o Reino Unido e a Rússia, anunciado no pacote de sanções. “Theresa May é uma mulher adorável em todos os sentidos, mas eu suspeito que Vladimir Putin vai conseguir superar o fato de não poder mais pegar o telefone e dizer ‘May, como voce está?’”.

4.mar.2018 - Primeira-ministra britânica Theresa May conversa com o chefe de polícia de Salisbury, onde o ex-espião russo e sua filha foram envenenados - Toby Melville/AFP - Toby Melville/AFP
Primeira-ministra britânica Theresa May conversa com o chefe de polícia de Salisbury, onde o ex-espião russo e sua filha foram envenenados
Imagem: Toby Melville/AFP

O jornal Komsomolskaya Pravda destaca que “autoridades britânicas se recusaram a fornecer para a Rússia os materiais da investigação e as amostras coletadas do agente venenoso” e diz que May acusa a Rússia sem evidências.

A ironia foi outro recurso usado para falar sobre o caso do ex-agente russo envenenado com agente nervoso. “Reação nervosa” foi o título escolhido pelo diário Rossiskaya Gazeta. “May decidiu envenenar as relações entre Londres e Moscou”, colocou na manchete o Nezavisimaya Gazeta. O jornal Izvestia preferiu um tom mais ameaçador. “Aguarde uma resposta” foi a título na primeira página.

O presidente russo espera ser reeleito com facilidade. “Putin não precisa fazer campanha. Ele tem a mídia toda a favor dele. E ainda contou com essa ‘ajudinha’ do Ocidente no último momento. Todo mundo tinha certeza da vitória de Putin. Agora estamos ainda mais unidos, a favor de Putin e contra as mentiras e as 'fake news' do Ocidente”, declarou Igor, um jovem que vota pela primeira vez.