Netanyahu faz 1ª visita ao Brasil enquanto enfrenta acusações de corrupção
O premiê Binyamin Netanyahu chega ao Brasil nesta sexta-feira (28) com afagos de Jair Bolsonaro. Desde a campanha presidencial, há um entusiasmo crescente na aproximação entre Brasil e Israel. Em sua casa, no entanto, a situação de Netanyahu não está tão confortável quanto a recepção que o espera por aqui.
No começo de dezembro, a polícia israelense denunciou o premiê pela terceira vez em sua gestão. As acusações citam recebimento de propina, fraude e quebra de decoro. Sua mulher, Sara, é julgada por fraude e quebra de confiança por empregar com dinheiro público cozinheiros de luxo. Seu filho mais velho, Yair, 27, foi banido do Facebook neste mês por propagar discurso de ódio contra palestinos e muçulmanos.
Para além das investigações, Netanyahu perdeu parte de sua base aliada por divergências sobre a estratégia usada na repressão em Gaza e para lidar com as ameaças iranianas. Desde novembro, ele sobrevivia com uma maioria de apenas uma cabeça no fragmentado Knesset, o Parlamento israelense, e corria o risco de perder ainda mais aliados ao tentar aprovar a obrigatoriedade do alistamento de judeus ultraortodoxos no Exército.
No dia 24 de dezembro, em uma manobra para manter o apoio e desviar o desgaste de uma acusação formal, o primeiro-ministro dissolveu o Parlamento e anunciou eleições antecipadas para abril de 2019 --a princípio, elas estavam programadas para novembro do ano que vem.
"Os analistas assumem que o avanço das investigações contra Netanyahu devem ter determinado o 'timing' da dissolução do governo. O procurador-geral passa a ter uma limitação, porque poderia ser acusado de influenciar o processo, e a oposição fica com menos tempo hábil para se reestruturar", explica ao UOL Samuel Feldberg, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo) e atualmente pesquisador da Universidade de Tel Aviv. "Mas Netanyahu certamente também não vai querer se ausentar por muito tempo", diz.
Expansão da agenda da ultradireita
"Bibi" Netanyahu está no poder em Israel há dez anos e três eleições --antes disso, ele já havia sido primeiro-ministro entre 1996 e 1999. Hoje acumula também as funções de ministro das Relações Exteriores, da Saúde (ao menos na fachada) e, mais recentemente, da Defesa. Por um período foi ainda o ministro das Comunicações e também é o líder do Likud, o partido conservador.
Seu longo governo foi marcado pela notória expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia, considerados ilegais pela comunidade internacional e que empacam o processo de paz com os palestinos.
Nesse tempo, ganhou espaço a agenda da ultradireita do país, que até a dissolução do Parlamento representava o grosso da coalizão do Likud. Exemplo dessa agenda foi a aprovação de uma Lei Básica em julho que define Israel como um Estado judeu e exclui o árabe como uma de suas línguas oficiais --os árabes-israelenses representam 20% da população do país, segundo o Censo nacional.
"Os sustentáculos centrais de Netanyahu são os religiosos, em particular os judeus ortodoxos, que são o fiel da balança no sistema político israelense", explica Augusto Teixeira Júnior, professor do programa de pós-graduação em ciência política e relações internacionais da UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e líder do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional (GEESI).
"Essas pautas tradicionais e conservadoras tornam Netanyahu uma pessoa de confiança para um segmento que tem uma visão de Israel como um tipo de Estado particular. Nesse sentido, o grande problema do Netanyahu torna-se sua capacidade de manter a maioria e a confiança de seu partido ao longo do tempo."
Quais são as acusações de corrupção?
Netanyahu é alvo de três investigações. Uma delas por oferecer benefícios a um veículo de imprensa em troca de um bom trato à sua imagem nas páginas dos jornais. Outra por aceitar presentes de empresários bilionários, como charutos, joias e champanhe.
A terceira, até agora a mais contundente e que deve culminar em uma denúncia pela Procuradoria de Israel, envolve o maior grupo de telecomunicações do país, o Bezeq. Netanyahu é investigado por conceder benefícios ao conglomerado em troca de uma cobertura jornalística favorável no popular site de notícias Walla, pertencente ao Bezeq.
As investigações tomaram forma a partir de delações premiadas negociadas com antigos aliados do premiê, como seu ex-chefe de gabinete Ari Harow, o ex-porta-voz da família Nir Hefetz e o ex-diretor do Ministério das Comunicações Shlomo Filber.
Se a Procuradoria seguir a recomendação da polícia e indiciar Netanyahu, será a primeira vez que um primeiro-ministro israelense em exercício enfrenta um processo criminal. O atual premiê nega qualquer transgressão e chama as atuais investigações de "caça às bruxas" contra o Likud.
Apesar das pressões contrárias, o primeiro-ministro tem se mostrado resiliente. O discurso da perseguição e de proteção à segurança nacional cola entre seu eleitorado e, quanto mais tempo se passa sem acusações formais, mais a pressão arrefece. Sem adversários de peso, não será surpreendente se Netanyahu vencer o próximo pleito, tornando-se assim o líder mais longevo no poder do Estado.
"O público israelense está há muitos anos dividido em sua percepção e na avaliação sobre Netanyahu. Por um lado acumulam-se as denúncias de corrupção --curiosamente acusações que seriam consideradas insignificantes frente ao que ocorre no Brasil--, por outro as pesquisas de opinião pública dão como certa mais uma vitória do partido Likud se as eleições fossem realizadas hoje", diz Feldberg.
Isso tem uma explicação na atual conjuntura do país. "A situação econômica é excelente, desde 2014 não houve nenhum confronto militar importante, nem atentado terrorista de grandes proporções, e as alternativas dos partidos de centro e de esquerda não conseguem se consolidar", afirma o professor.
Parte do interesse de Netanyahu em visitar o Brasil está associada às próximas eleições israelenses, já que Jair Bolsonaro promete um voto favorável a Israel, que tem poucos amigos nos órgãos internacionais. Ainda que no passado o então porta-voz do Ministério das Relações Exteriores israelenses, Yigal Palmor, tenha se referido ao Brasil como "anão diplomático", o voto representa uma mudança significativa na atitude sobre o conflito israelo-palestino. Com relevância na América Latina, o Brasil pode acabar puxando seus vizinhos.
"Netanyahu sofre os custos da manutenção do poder ao longo do tempo. O reconhecimento brasileiro pode ser de certa forma um lucro importante no campo simbólico e diplomático para ele robustecer sua posição junto ao Parlamento e junto à sociedade israelense", diz Teixeira Júnior.
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