Uma pessoa é suficiente para destruir país, diz especialista em Holocausto
Resumo da notícia
- Escritor vê semelhança entre propagandas nazistas e produção política atual
- Lavagem cerebral com fake news busca permanência no poder, aponta
- Especialista em Holocausto faz palestra em SP no dia 23
Se tem uma coisa que lideranças da atualidade se assemelham aos governos autoritários do século 20 é o uso de informações falsas para a conquista e a manutenção do poder. Para o escritor e cineasta Márcio Pitliuk, especialista em Holocausto, é possível ver semelhança nas propagandas nazistas de Terceiro Reich e a produção política atual.
"O objetivo [de propagar informações falsas] é fazer uma lavagem cerebral nas massas para que todos compactuem com a sua ideologia", afirma Pitliuk. "Isso está presente em tudo, da alteração de informações e imagens a mentiras em discursos gigantescos."
A forma mais eficiente da manutenção do poder por meio da manipulação se dá em especial por duas frentes: produção de qualidade de material propagandista nacionalista que ressalte o regime, como fazia a Alemanha nazista, e a invenção de um inimigo em comum.
"Quando Adolf Hitler invadiu a Polônia [em 1939, dando início à Segunda Guerra Mundial], ele dizia que iria libertá-la da orientação judaica. O mesmo fizeram os soviéticos poucos dias depois. Mas os judeus eram apenas entre 5% e 8% da população do país", argumenta Pitliuk. "Ou seja, era mentira, mas foi tudo tão bem feito que acreditaram."
"Na Alemanha foi pior. Durante a ascensão nazista, povo judeu era apenas 0,5% da população: 300 mil para um total de 65 milhões [de pessoas]. Como 0,5% era culpado pelo fracasso na Primeira Guerra? Como teriam tanto poder? Era fake news, desculpa para tomarem o poder. Mas o povo estava mal, mais suscetível", afirma o escritor, que dará uma palestra sobre a produção de fake news na Alemanha nazista no Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto, em São Paulo, no dia 23 de setembro.
Segundo ele, esta estratégia de repetição de mentiras sobre um grupo específico para manobrar a opinião pública pode ser vista dos nazistas à União Soviética stalinista e em governos atuais.
Na Europa, tudo era culpa dos judeus. Nos países comunistas, dos Estados Unidos. Nos EUA, era dos russos; e assim vai... O inimigo é sempre externo. Todo ditador precisa arrumar este inimigo que não seja do seu grupo. Se está ruim, não é minha incompetência, alguém é culpado pela situação
Márcio Pitliuk, escritor e cineasta
Ele exemplifica: "Os EUA diziam que a qualquer momento os russos iam bombardeá-los, por isso tinham que investir em bombas atômicas. Mas a URSS nem se mantinha em pé, ruiu sozinha. Ela só era uma potência aos olhos deles, do inimigo. Hoje, a desgraça na Venezuela é igualmente culpa dos EUA —e não do governo [Nicolás] Maduro. Logo, criam-se fatos para consolidar uma tese. Se param com isso, o rei fica nu. Se não há inimigos, vão começar a reparar nos problemas próprios."
Nas Américas e na Europa, onde hoje a disputa de poder se dá por meio de eleições democráticas, ele avalia que este fenômeno continua a se formar pela criação de mitos.
"Se está tudo ruim em um país, como você resolve o problema? Elegendo um salvador. A gente pode ver isso em diversas situações. Lá atrás, os salvadores já foram Hitler e [o ex-comandante soviético Joseph] Stálin. No Brasil de hoje, este salvador já foi o [ex-presidente Luiz Inácio] Lula e agora é o [presidente Jair] Bolsonaro. A propaganda cria isso."
Para que criar uma fake news?
Outra forma de manipular massas e segregar a população é criar informações falsas sobre assuntos específicos. Na Europa, sempre foi comum a questão da imigração e do antissemitismo (embora, ele pondera, o Holocausto tenha elevado isso a um nível extremo). No Brasil, os pontos são outros, como questões de gênero e meio ambiente.
"O poder pega uma bandeira que dá ibope e cria situações sobre ela. Nesses países da Europa, atacar os judeus dá audiência. Até hoje partidos da direita atacam a imigração. Pois lá, o estrangeiro é sempre estrangeiro, não importa que esteja na décima geração nascida no país", argumenta o escritor. "Na Lituânia, por exemplo, onde existem judeus há 600 anos, eles ainda se dividem entre os lituanos [Lietuviai] e os judeus lituanos [Litvaks]."
"No Brasil, não dá para fazer isso: o japonês da segunda geração é brasileiro. Pode ter olho puxado, o que for, não importa, é brasileiro." Por isso, por aqui cria-se fake news sobre outras questões.
"Existe uma discussão infinita sobre os homossexuais, por exemplo. Eles não surgiram com o PT nem vão acabar com o PSL, mas virou bandeira [de disputa política], assim como outras minorias em diferentes lugares e locais", afirma Pitliuk. "Agora, também há a questão da Amazônia como uso político em meio a um monte de desinformação."
Apesar de a grande maioria dos governos autoritários terem acabado no século 20, Pitliuk afirma que este passado não está tão distante assim, por isso é sempre bom ficar alerta sobre os discursos políticos e o uso de fake news como manobra de manipulação.
"Falam que é coisa do passado... Mas o Holocausto existiu há 75 anos, Stálin morreu em 1953, tudo há menos de um século. Isso é nada para a história", diz. "Veja ainda o Maduro na Venezuela e o Bashar al-Assad na Síria: eles estão lá atualmente."
"É preciso entender que uma pessoa é o suficiente para destruir um país. Esses caras têm essa capacidade, pois se cercam de pessoas comprometidas com ele e usam de fake news para ajudar nisso", alerta Pitliuk.
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