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Voto no papel, jogadores de rúgbi fiscalizando: como é a eleição argentina

Campanha incentiva jogadores de rúgbi pró-Macri a fiscalizar voto na Argentina - Reprodução
Campanha incentiva jogadores de rúgbi pró-Macri a fiscalizar voto na Argentina Imagem: Reprodução

Luciana Taddeo

Colaboração para o UOL, em Buenos Aires

24/10/2019 04h01Atualizada em 24/10/2019 22h05

Resumo da notícia

  • Argentina escolhe presidente neste domingo
  • Voto no país é manual, em cédulas de papel
  • Sistema conta também com fiscais voluntários
  • Processo tem software desenvolvido na Venezuela

Em meio a uma crise econômica persistente e à polarização entre Mauricio Macri, que tenta a reeleição, e Alberto Fernández, apontado como favorito, a Argentina se prepara para ir às urnas domingo (27) com cédulas de papel e um esquema de fiscais voluntários, incluindo jogadores de rúgbi, que afirmam querer combater possíveis irregularidades.

"Em outubro, nós, jogadores de muitíssimos clubes de todo o país, vamos cuidar das urnas. Cruzada nacional do rúgbi contra a fraude!", escreveu nas redes o vereador da cidade de Mar del Plata, Guillermo Volponi, após as eleições primárias de agosto. A ilustração que acompanhava o texto mostra dois jogadores vigiando uma senhora votar. E gerou polêmica.

Um grupo de jogadores se manifestou contra a mensagem, afirmando que o esporte não é instrumento "para amedrontar votantes".

Mas Volponi diz que não há ameaça na mensagem e mantém o post no ar. Ele afirma que a iniciativa de formar um grupo entre conhecidos para conseguir fiscais voluntários surgiu em 2015, quando o PRO, partido de Macri, lançou pela vez uma candidatura em nível nacional, provincial e local e não tinha gente suficiente para participar do pleito como fiscal partidário.

"Esse [os jogadores de rúgbi] era o meu grupo de afinidade", diz ele, que parou de jogar há 20 anos. O grupo virou nacional. E depois das primárias desse ano, vencidas pelo candidato peronista Alberto Fernández por cerca de 15 pontos, os integrantes decidiram fazer a convocatória para clubes e outros jogadores.

Eles ecoam denúncias da aliança de Macri de que houve irregularidades no pleito e afirmam temer que isso se repita no domingo.

"Não é que vamos encher as mesas eleitorais de jogadores de rúgbi, mas temos gente em muitas províncias do país trabalhando para mobilizar suas famílias e amigos, e com certeza a participação vai ser boa", afirmou o vereador ao UOL.

Macri pediu para eleitores "cuidar do voto"

"Cuidar do voto" foi um pedido frequente de Macri aos eleitores na reta final da campanha, quando percorreu o país sob o lema "Sí se puede" (sim, é possível).

Cédula de voto na Argentina - Reprodução - Reprodução
Cédula de voto argentina: eleitor destaca a lista de candidatos que quer escolher
Imagem: Reprodução
A aliança eleitoral do atual presidente argentino afirma que cerca de 10 mil presidentes de mesa das sessões eleitorais tinham afiliação partidária ou não votavam naquela seção, o que não é permitido. A Câmara Nacional Eleitoral (CNE) acolheu e levou adiante 65 denúncias penais por irregularidades.

O macrismo diz que faltou fiscalização nas eleições primárias e passou a atuar para arregimentar voluntários para a função.

Nas marchas "macristas", foram distribuídos cartões com um código QR que leva ao site para inscrever-se como fiscal voluntário. Os interessados passaram por treinamentos para aprender a fiscalizar e entender como votos podem ser "roubados".

"Como perdemos, muita gente se assustou, em só uma semana foram 10 mil inscritos. Agora estamos mais preparados", dizem membros da campanha de Macri.

Dos 100 mil voluntários nas primárias, o número de fiscais partidários passou para 150 mil para as eleições deste domingo. Para o dia do pleito, o macrismo prevê o uso de um hashtag nas redes sociais para denúncias e atenção telefônica de advogados para assessorar os fiscais que tiverem dúvidas ao longo da jornada.

Volponi afirma que resultados transmitidos às centrais não coincidiam com os das atas de apuração. A informação, defende, poderia ter sido manipulada por um presidente de mesa. A campanha de Macri estima que as supostas alterações poderiam chegar a representar dois ou três pontos porcentuais. "Como precisamos chegar ao segundo turno, não podemos nos dar ao luxo de perder esses pontos", afirmam fontes da campanha ao UOL.

Um dos ministros de Macri, no entanto, disse que as denúncias não são "fraudes" e que as primárias demonstraram que as eleições do país são limpas e transparentes, mas que ocorrem abusos. O governo disse ainda que alertou à Justiça sobre pessoas ligadas ao kirchnerismo intimidando fiscais de outros partidos em escolas eleitorais.

Voto manual

Diferentemente do Brasil, o voto na Argentina é manual. Cada aliança tem uma cédula retangular divida por linhas pontilhadas. Caso o eleitor queira votar para presidente (e vice) de uma sigla e na lista de candidatos a senadores de outra, por exemplo, deve cortar a cédula na linha, verticalmente, e depositar somente uma lista para cada cargo elegível do partido que escolher. No fim do pleito, os votos são contados manualmente em cada colégio eleitoral.

Fiscais partidários de cada aliança podem estar à mesa com o presidente da seção eleitoral para certificar o processo. Eles garantem que:

  • somente os eleitores daquela seção votem
  • que a cédula de seu partido esteja à disposição do eleitor
  • que um envelope assinado seja entregue ao votante para o depósito na urna e a contabilização dos votos.

"A Argentina tem um sistema eleitoral muito robusto, muito forte, que vem elegendo autoridades desde 1983 até o momento sem problema. Quando se fala em denúncias, que há em todas as eleições do mundo, geralmente são dos partidos que perdem, mas quando você vai à Justiça eleitoral, não tem denúncias que tenham sido investigadas de forma mais séria porque não têm nenhum tipo de correlato com a realidade", diz Pablo Secchi, diretor executivo da Fundação Poder Ciudadano.

Software

A transferência dos dados para o centro de cômputos passou a ser feita neste ano um software da companhia Smartmatic, empresa de origem venezuelana e matriz no Reino Unido que atuou em eleições na Venezuela e no Brasil.

Nas primárias, o sistema apresentou problemas, e o resultado demorou para ser divulgado. Mas o governo decidiu mantê-lo para as eleições gerais do dia 27, afirmando que a falha seria resolvida.

Após a publicação da reportagem, a assessoria de imprensa da empresa afirmou que "a apuração das primárias, realizada com tecnologia da Smartmatic, foi exitosa", e a divulgação do resultado foi rápida. A empresa também afirmou que a tecnologia utilizada na argentina não foi desenvolvida na Venezuela e que as operações venezuelanas da Smartmatic foram encerradas em 2017.

A aliança de Fernández advertiu à Justiça que erros voltaram a ser evidenciados nos últimos testes e exigiu garantias no processo.

No dia das primárias, o candidato peronista contou com um centro para contabilizar números transmitidos por testemunhas nos colégios eleitorais. Nesta terça, a senadora Cristina a Kirchner, ex-presidente candidata à vice na chapa de Fernández, escreveu em uma rede social que foi "muito importante contar com informação própria para evitar a manipulação de dados". Ela pediu que seus apoiadores voltem a fiscalizar o pleito.