Aliança EUA-Ucrânia tem relação com queda de avião que matou 176 no Irã?
Resumo da notícia
- Aeronave ucraniana caiu no Irã horas após o país ter lançado mísseis contra bases americanas no Iraque
- Ainda não se sabe se a tragédia tem relação com a crise entre Irã e Estados Unidos
- Queda do avião, porém, coloca mais um país no xadrez geopolítico do conflito na região
Ainda não se sabe se a queda de um avião da Ukraine International Airlines em território iraniano tem relação com a crise militar entre Estados Unidos e Irã, que se agravou nos últimos dias com o assassinato do general Qassim Suleimani. O episódio, no entanto, acaba colocando mais um país —a Ucrânia— em meio ao já conturbado xadrez geopolítico desse conflito.
O avião ucraniano caiu logo após decolar do aeroporto de Teerã, horas após o Irã ter lançado mísseis contra duas bases que abrigam tropas norte-americanas no Iraque. A embaixada da Ucrânia no Irã chegou a descartar "terrorismo" e apontou uma falha no motor como causa da tragédia, mas depois voltou atrás e disse que ainda investiga os motivos do acidente.
Paulo Velasco, professor de relações internacionais da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que, tradicionalmente, a Ucrânia tem se alinhado politicamente aos Estados Unidos e, consequentemente, em contraponto com a Rússia.
"Desde o fim da Guerra Fria, a Ucrânia entra um pouco na lógica dos países da antiga União Soviética e do leste europeu, que identificaram nos Estados Unidos uma espécie de libertador da opressão soviética", afirma.
Ele explica que a Rússia, por sua vez, tem relações fortes com o Irã e com a Síria. "A Rússia tem posições e interesses muito grandes [na região do Oriente Médio], sobretudo com a Síria e com o Irã, em uma relação que já é bastante histórica. Naturalmente, tentando fazer um contraponto às posições norte-americanas", diz.
"Não que vivamos uma guerra fria no Oriente Médio, mas é uma maneira de a Rússia mostrar sua envergadura militar e também colocar uma linha vermelha, impor um limite às ações norte-americanas", afirma.
Há relação com a queda do avião?
Maurício Santoro, também professor da Uerj, diz ver com estranheza as circunstâncias do acidente e a reação do governo iraniano após a tragédia —o Irã anunciou que não entregará as caixas-pretas da aeronave para a fabricante Boeing, que é americana.
Ele lembra que, no fim dos anos 1980, um avião iraniano de passageiros foi abatido por um navio americano por engano após militares terem confundido a aeronave com um caça militar.
"Seria algo extremamente negativo, em termos da propaganda do regime, se eles admitissem ter cometido o mesmo erro que os americanos cometeram 30 anos atrás", diz.
"Agora, se isso se fato ocorreu, não foi pelo fato de o avião ser ucraniano", afirma o professor. Segundo ele, o episódio "teria sido um erro como acontece em guerras".
Velasco também lembra o episódio do avião comercial abatido por engano por tropas americanas, mas diz ser "muito precipitado" tentar fazer algum tipo de relação entre as alianças e rivalidades dos países envolvidos no conflito com a queda do avião ucraniano.
"É, no mínimo, uma fatal coincidência. Não haveria momento pior, assim como o terremoto de escala muito reduzida que foi sentido em torno de uma usina nuclear iraniana", afirma.
"Podem ser meras coincidências, podem não ser. Mas o que não podemos fazer neste momento é especular a partir de teorias conspiratórias", diz.
Histórico de conflitos e a situação na região
Para Santoro, três principais acontecimentos históricos ajudam a entender a configuração existente hoje de lealdades e rivalidades envolvendo o Oriente Médio.
"O primeiro e mais importante é a Revolução Islâmica no Irã, em 1979, por ter criado esse regime teocrático no Irã e lançado o país em rota de colisão com os Estados Unidos, da qual até hoje os dois países não conseguiram se desvencilhar", afirma.
Outro grande acontecimento, segundo ele, é a resposta dos Estados Unidos aos atentados de 11 de setembro de 2001, envolvendo principalmente a decisão de invadir o Iraque. "Isso aprofundou uma zona de instabilidade na região que até hoje não terminou", diz.
O professor diz ainda que a chamada Primavera Árabe, período de revoltas populares que atingiram países do Oriente Médio e do norte da África por volta dos anos 2010, também contribuiu em alguma medida para que a instabilidade se mantivesse presente na região.
Na avaliação de Santoro, a série de turbulências que se espalhou pelo Oriente Médio nos últimos anos, em especial após a invasão americana do Iraque, acabou dando maior poder regional ao Irã, mesmo que esta nunca tenha sido a intenção dos Estados Unidos.
"Não porque o Irã tenha ficado mais desenvolvido, rico ou sofisticado, mas porque seus principais rivais regionais ou entraram em colapso, como foi o caso do Iraque e da Síria, ou então como na Turquia, que se envolveu em uma crise doméstica tão profunda que isso acabou tolhendo a sua capacidade de interação internacional", diz o professor.
Para ele, tanto Estados Unidos como Irã podem se dizer vencedores em um ou outro ponto do conflito. Mas, segundo o professor, apesar de ter perdido o seu principal comandante militar, o Irã sai fortalecido politicamente.
"Uma morte como essa acabou unificando a opinião pública iraniana, apesar de certamente existirem pessoas críticas ao regime", afirma.
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