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Chance de fraude na eleição americana é praticamente nula, dizem analistas

O democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump, adversários nas eleições 2020 - Angela Weiss e Mandel Ngan/AFP
O democrata Joe Biden e o republicano Donald Trump, adversários nas eleições 2020 Imagem: Angela Weiss e Mandel Ngan/AFP

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

06/11/2020 13h04Atualizada em 06/11/2020 16h29

A probabilidade de fraudes nas eleições americanas é praticamente nula, afirmam especialistas em relações internacionais consultados pelo UOL. Sem provas, o presidente republicano e candidato à reeleição Donald Trump tem questionado a lisura do sistema eleitoral do país e, principalmente, os votos pelo correio.

Para os especialistas, o presidente americano criou uma narrativa para mobilizar seus eleitores e colocar à prova as instituições americanas. Seu comportamento, dizem, deve inspirar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em sua tentativa de reeleição em 2022.

"É muito difícil acreditar que o sistema eleitoral americano esteja sendo fraudado neste momento", afirma Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da USP.

"Nenhuma eleição é perfeita, sempre tem algum grupo que tenta votar duas vezes, registrar a mãe que morreu", opina o professor de relações internacionais da FGV (Fundação Getulio Vargas), Leonardo Paz. "A questão é que as fraudes são mínimas e não comprometem as eleições."

Trump voltou a insistir nas acusações de fraude ontem. Em coletiva, afirmou que o envio de votos pelo correio é corrupto e "destruiu o sistema" eleitoral nos EUA. A transmissão de seu pronunciamento foi interrompida por emissoras tradicionais de televisão, que alegaram falta de embasamento nas acusações.

Como é feita a verificação dos votos

De acordo com Maristela Basso, não é difícil provar a existência de irregularidade na eleição americana. "A própria cédula de votação é a prova", diz.

"É possível ver na cédula se ela foi de fato emitida pelo condado, se é falsa ou se é verdadeira, se tem rasuras ou a assinatura preenchida não corresponde. Essas são provas documentais que podem chegar pelo correio."

Ela afirma ainda que, durante toda a votação, há observadores internacionais, da imprensa e dos partidos Democrata e Republicano em cada seção eleitoral.

Poderíamos ter provas testemunhais. Eles poderiam ter visto alguma movimentação estranha, um voto que apareceu do bolso de algum examinador, mas até agora nenhum delegado apareceu com denúncia
Maristela Basso, professora da USP

Cortina de fumaça

Para Leonardo Paz, "ninguém sabe de fato se houve fraude, mas, pelo que tudo indica, as denúncias são uma cortina de fumaça". Ele avalia que Trump "trabalha a fraude não como possibilidade, mas narrativa".

"Ele fala disso há meses, brigou bastante há dois meses para emplacar uma juíza conservadora na Suprema Corte já imaginando que poderia pegar qualquer polêmica na votação e tentar recorrer", diz Paz.

O professor afirma que Trump aproveita as diferentes regras eleitorais nos estados permitidas pela Constituição para tentar confundir o eleitor. "Aí fica fácil dizer que é fraude ao comparar diferentes regras em diferentes locais."

O Trump é o protagonista dessa era da pós-verdade em que vivemos. Você cria uma narrativa e seus seguidores seguem independente do que se diz
Leonardo Paz, professor da FGV

"Se destrinchar o discurso dele de ontem, vai encontrar palavras-chave, ideias com mensagens fortes que já estão nos cartazes de simpatizantes em protestos pelos EUA", afirma.

Instituições em xeque

Para Paz, as afirmações do presidente "não vão implodir as instituições no país, mas a democracia sofre descrédito". "Para onde isso vai é imprevisível. Todo esse processo estressa muito as instituições, especialmente a eleitoral, cuja lisura ninguém discordava. Isso é uma novidade", diz.

Para a professora da USP, o que surpreende é a força de Trump nos Estados Unidos, mesmo se perder a eleição. Com mais votos do que em 2016, Trump avançou sobre o voto negro e latino "apesar de suas políticas contra essas parcelas da população".

"Como um personagem desses, contra toda a história democrática americana, continua recebendo tantos votos? Que patologia é essa que as urnas revelam? Isso define o que vem pela frente em relação à política nos Estados Unidos e no mundo", afirma Basso.

No Brasil, diz Paz, o caminho deve ser o mesmo na próxima eleição presidencial.

"Não tenho dúvidas de que Bolsonaro vai iniciar 2022 falando em fraude. Ele joga com as regras do Trump de forma muito disciplinada. O que o americano faz lá, ele imita muito direitinho no Brasil", conclui.

Trump votou pelos correios

Cerca de 100 milhões de votos foram enviados a distância pelos eleitores antes mesmo do dia 3 de novembro, a data oficial das eleições.

A apuração destas cédulas costuma ser a última a ser feita, o que gera dúvida até o fim da votação. Os votos pelo correio podem ser chave para definir o novo presidente americano.

O próprio Trump votou pelo correio este ano. O presidente escolheu a si mesmo como candidato à Casa Branca durante as primárias de seu partido na Flórida, onde tem registro eleitoral.

Era começo de março, e o novo coronavírus não havia atingido em cheio os EUA, assim como Trump ainda não investia de forma tão agressiva contra a opção de voto a distância, que se tornou determinante na pandemia.

Os Estados Unidos não têm um órgão oficial que divulga, em tempo real, os resultados das urnas, como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) no Brasil. Por isso, as agências de notícias e veículos de comunicação fazem projeções estatísticas e apontam os vencedores por estado. A AFP chegou a considerar definida a apuração do Arizona —por isso, Joe Biden somava mais 11 votos até a manhã de quinta-feira (5). A contagem de votos continua no estado.

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