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"Negócio de Fátima": como medalhas de santos financiam a TFP pelo mundo

Campanha que pede doação para a TFP envia medalhas de Nossa Senhora de Fátima para fiéis na Croácia  - Reprodução
Campanha que pede doação para a TFP envia medalhas de Nossa Senhora de Fátima para fiéis na Croácia Imagem: Reprodução

Julia Dauksza, Anna Gielewska, Konrad Szczygiel, Sarunas Cerniauskas, Migle Kranceviciute, Liucija Lenkauskaite, Lukas Diko, Tomas Madlenak, Masenjka Bacic, Oliver Kund, Holger Roonemaa, Márton Sarkadi Nagy*

De Reporter's Foundation, na Polônia, Siena.It, na Lituânia, Centro Investigativo Jan Kuciak, na Eslováquia, na Croácia, na Estônia e na Hungria

30/12/2020 11h30

Como cartas sagradas de Nossa Senhora de Fátima, distribuídas na Polônia, podem chegar a centenas de milhares de euros que foram investidos numa organização radicalmente conservadora na Lituânia? Nossa investigação internacional revela o funcionamento financeiro de uma rede católica ultraconservadora que está silenciosamente influenciando as sociedades na Europa Central.

Esta é a segunda reportagem produzida pela Reporter's Foundation, da Polônia, com parceiros na Europa e no Brasil. Na primeira parte, revelamos esta semana como o dinheiro arrecadado de doações individuais na Polônia foi enviado desde 2004 para organizações ligadas ao movimento Tradição, Família e Propriedade na França e no Brasil. Cerca de 500 mil euros (R$ 3,2 milhões) anualmente.

1.

Uma grande bandeira de vinil, retratando um mapa da Lituânia, flutua ao vento durante a Marcha pela Vida em Washington, em janeiro de 2018. A faixa, representando uma organização lituana financiada por dinheiro polonês, foi impressa por US$ 50 (R$ 260 em valores atuais) por uma entidade americana.

Ela é igual a outras bandeiras e faixas exibidas aqui, como a que declara que "O aborto é um tapa na cara de um Criador amoroso" ou "A Holanda diz NÃO ao aborto!" Esta última foi impressa em nome de uma organização holandesa financiada por dinheiro polonês e controlada por seus fundadores brasileiros...

Soa confuso? E é. As histórias de como essas bandeiras e faixas sugiram espelham perfeitamente as operações complexas do movimento TFP (Tradição, Família e Propriedade), que busca uma agenda ultraconservadora em todo o mundo.

Na primeira parte de nossa história, nós descrevemos as raízes latino-americanas da TFP e seus ativos na França. Também revelamos como entidades brasileiras e francesas foram apoiadas por doações enviadas pela organização polonesa Instituto Fundação Piotr Skarga, com sede em Cracóvia.

Hoje, o principal campo de batalha para esse movimento ultracatólico é a Europa Central e Oriental. A influência daqueles que buscam reverter a Europa para valores medievais, repleto de rituais e emblemas (como o leão dourado), vem crescendo constantemente. Eles lutam para condenar as uniões de mesmo sexo, divórcio, relacionamentos extraconjugais e os direitos ao aborto.

Partindo da Cracóvia, na Polônia, uma rede de organizações na Europa Central foi estabelecida e alimentada com centenas de milhares de euros em doações individuais. Após o lançamento de entidades conservadoras radicais na Lituânia, Estônia, Eslováquia, Croácia e Hungria, o grupo polonês também implementou seu modelo de arrecadação de fundos nesse locais.

O Instituto Fundação Piotr Skarga foi criado em 2001 em Cracóvia para disseminar a fé cristã e a defesa de valores "tradicionais", alinhados aos princípios da TFP. Nós descreveremos em detalhes suas origens, influência e ativos na Polônia em nossa segunda parte da série.

A fundação foi criada por Caio Xavier da Silveira, um brasileiro que vive na França, e Mathias von Gersdorff, um chileno que vive na Alemanha, que ainda fazem parte do conselho supervisor da fundação. A entidade surgiu dois anos após o lançamento da Associação Piotr Skarga para a Cultura Cristã. A fundação e a associação, que possuem nomes semelhantes, uma fonte constante de confusão para jornalistas e leitores, são duas divisões do mesmo grupo e com a mesma agenda conservadora.

Desde o início, ambas as organizações são administradas por três amigos de universidade, Slawomir Olejniczak, Slawomir Skiba e Arkadiusz Stelmach. Os fundadores do Brasil forneceram os fundos iniciais e compartilharam o know-how de como conduzir campanhas eficazes por correio e coletar dinheiro junto à comunidade católica na Polônia.

Esse modelo se tornou rapidamente bem-sucedido.

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Campanha no Brasil também pede doações
Imagem: Reprodução

2.

"Você não pode salvar o mundo se não puder pagar o aluguel." "A força mais poderosa na política é a indignação moral." Slawomir Olejniczak referiu-se, em seus folhetos, a esses "princípios de regras sociopolíticas", formuladas por Morton Blackwell. Em suas apresentações no Leadership Institute, em 2010 e 2014, Olejniczak compartilhou sua experiência na arrecadação de fundos e organização de protestos de rua contra a comunidade LGBT na Polônia.

Os líderes da TFP tanto inspiraram quanto foram inspirados por métodos dos conservadores americanos. Morton Blackwell, um proeminente político americano, fundou o Leadership Institute, que "fornece treinamento em campanhas, arrecadação de fundos, políticas jovens e comunicações".

A organização já treinou mais de 220 mil conservadores nos Estados Unidos e em todo o mundo. De forma interessante, segundo dados oficiais de transferência telegráfica, as atividades internacionais do instituto tiveram início em novembro de 1999, com a Conferência de Campanha da Polônia. Ou seja, quatro meses após a criação da primeira organização Skarga.

Blackwell tem bons laços com os líderes da TFP americana, na Fundação para uma Civilização Cristã (que posteriormente imprimiu as bandeiras e faixas estrangeiras para as Marchas pela Vida), assim como com os fundadores brasileiros do TFP. Segundo Benjamin Arthur Cowan, da Universidade da Califórnia, em San Diego, "Blackwell até mesmo se transformou em uma espécie de operador na campanha da TFP brasileira para expansão por todo o mundo".

O próprio Blackwell, quando escreveu um prefácio para o livro de Plinio Corrêa de Oliveira, chamou o autor de um "amigo de uma dezena de anos". Os líderes do TFP, incluindo Caio Xavier da Silveira, Mathias von Gersdorff e Jose Ureta, deram palestras e compartilharam sua experiência no Leadership Institute.

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Da esquerda para a direita, o brasileiro Caio Xavier da Silveira, o Monsenhor Juan Rodolfo Laise, bispo emérito de Sean Luis (Argentina), e o príncipe Dom Luiz Gastão de Orleans e Bragança
Imagem: Reprodução/Redes sociais

O "modelo de negócio de Fátima", adotado e desenvolvido pelo grupo em Cracóvia, se apoia no envio de medalhas baratas, imagens de Nossa Senhora de Fátima e de santos, livros e rosários para centenas de milhares de pessoas para solicitar doações.

Simultaneamente, as mesmas pessoas operam veículos de mídia (a revista bimestral "Polonia Christiana" e o site PCH24.pl) e financiam enormes campanhas, como a recente contra a entrega da hóstia da comunhão na mão na Polônia, com outdoors em ruas por todo o país. Uma campanha semelhante, menor, também foi realizada na Eslováquia.

O sucesso da mala direta, como explica Skargowcy (um grupo Skarga), se deve primeiramente à escala da operação. Ao longo dos anos, os pacotes enviados pela fundação chegaram a milhões de lares por toda a Polônia. Apenas em 2018, a fundação enviou mais de 1 milhão de folhetos e centenas de milhares de envelopes contendo calendários, medalhas e brochuras. Sua renda anual chegou a 8,4 milhões de euros (R$ 53,5 milhões em valores atuais).

Como mostramos na primeira reportagem, essa prática também funciona no Brasil. Segundo Victor Gama, um historiador da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a TFP estabeleceu uma rede internacional de associações. Algumas, porém, não revelam seus laços com o movimento. "Pessoas em muitos países encontram imagens de santos em suas caixas postais e uma carta pedindo a realização de doação para fins religiosos. Elas acham que estão apoiando instituições católicas locais, mas caso decidam doar, o dinheiro delas alimenta a TFP global. O dinheiro é então canalizado para pessoas associadas ao movimento e às suas divisões. A TFP então recruta novos membros, pessoas jovens", revela Gama.

Com base no sucesso na Polônia, a fundação implantou esse modelo e começou a promover sua agenda ultraconservadora pelo mundo. Até ocorrer um racha em torno de dinheiro e propriedades em 2019, o grupo baseado em Cracóvia cofundou uma rede de organizações satélite na Europa Central e canalizou para elas centenas de milhares de euros.

Segundo os arquivos que analisamos, até 2017 havia uma rede de 40 organizações apoiadas financeiramente pelo Instituto Skarga. Quase metade delas fica localizada em países da Europa Central e Oriental. Vamos olhar mais de perto a rede da TFP que cresceu na Lituânia, Estônia, Eslováquia, Hungria e Croácia.

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Pedidos de doação do Instituto Skarga
Imagem: Reprodução

3.

Em 11 de novembro de 2020, Sarunas Puscius subiu no monumento de Vytis, o brasão lituano, em Kaunas. Ele iniciou seu discurso dando apoio à Marcha do Dia da Independência Polonesa, um evento anual realizado por nacionalistas poloneses e uma demonstração violenta de poder da extrema-direita.

"Nós parabenizamos vocês e queremos dizer que sua luta, a luta pela civilização católica, contra os bárbaros, contra os liberais comunistas que destroem suas igrejas e querem assassinar crianças ainda não nascidas (...) sua luta, quando reúnem mais de 200 mil assinaturas contra as paradas gays na Polônia, é um encorajamento a todas as nações católicas", disse Sarunas Puscius.

Ao pedir pelo início de uma "contrarrevolução católica" na Polônia, Puscius se apresentou como o gerente de relações públicas do Instituto da Cultura Cristã (Krikscioniskosios Kulturos Institutas Institutas, KKI), uma ONG lituana criada e controlada pelas organizações Skarga a partir de Cracóvia, Polônia.

Ao longo de três anos, as duas organizações Skarga (a fundação e a associação) investiram mais de 280 mil euros (R$ 1,8 milhão) na expansão na Lituânia. Este investimento financiou uma plataforma radical de direita contra a comunidade LGBTQ e foi uma fonte significativa de receita para pelo menos dois membros importantes da TFP.

A definição de "cultura cristã" apresentada na página do KKI no Facebook vai muito além das noções comumente conhecidas. Juntamente com as repetidas alegações de "bárbaros liberais comunistas" tentando tomar a Polônia, o KKI dissemina teorias de conspiração sobre a covid-19, pede uma proibição de "propaganda homossexual" e até mesmo encontrou um momento para anunciar uma cruzada contra as celebrações "satânicas" do Dia das Bruxas (Halloween).

Fundado em 2003, o KKI não possuía uma presença pública notável até 2018, quando ficou ao lado de várias organizações de extrema-direita em um protesto contra a "LRT", a empresa nacional de rádio e televisão, que recentemente está sob nova direção.

Um pequeno grupo de manifestantes se reuniu em frente à sede da "LRT", a acusando de propaganda globalista, exigindo o afastamento de vários jornalistas e exibindo símbolos anti-LGBT. A Pro Patria, uma organização de extrema-direita, organizou o evento juntamente com o KKI. Os representantes do Pro Patria eram os mais visíveis durante o protesto, mas eles também eram financiados pelo KKI e, posteriormente, pelas organizações Skarga.

Em 2017, o staff da KKI cresceu de três para sete pessoas. Os quatro "gerentes" recém-contratados eram todos vinculados à organização Pro Patria. Pessoas apoiadas pela KKI tentaram entrar na política, mas tiveram pouco sucesso. Um dos quatro "gestores" contratados em 2017, Martynas Katelynas, foi eleito para o conselho municipal de Varena em 2019. Em 2018, as duas organizações polacas forneceram à KKI 115 mil euros (R$ 738 mil). Em 2019, este valor saltou para 137 mil euros (R$ 879 mil).

Karolis Stankevicius, o diretor do KKI, confirmou que tanto Vasconcelos quanto Saidl são afiliados da TFP. Quando perguntado sobre o tipo de consultoria de RH fornecido por Vasconcelos, Stankevicius respondeu: "Ele é um homem experiente. Ele é mais velho, enquanto somos todos jovens. Ele ajuda a resolver problemas".

Tanto Vasconcelos quanto Saidl têm uma longa história de administração de entidades ligadas à TFP na Lituânia. Vasconcelos foi diretor do KKI entre 2006 e 2018, enquanto Saidl dirigia a organização matriz, a Associação pela Defesa da Cultura Cristã (Krikscioniskosios Kulturos Gynimo Asociacija, KKGA), que foi criada em uma iniciativa conjunta entre a Associação Skarga e uma organização satélite do TFP da Áustria. A organização era originalmente supervisionada por Olejniczak e Carlos Eduardo Schaffer, um brasileiro baseado em Viena.

Lembre-se que era essa a organização cujas faixas estavam presentes nas Marchas pela Vida nos Estados Unidos. A associação foi dissolvida em 2019, mas antes disso, a KKGA transferiu seu principal ativo, o controle do KKI, para a Associação Skarga. De lá para cá, a organização lituana está sob controle pelo grupo de Slawomir Olejniczak da rede da TFP.

Os relatórios financeiros do KKI revelam que apesar das duas organizações Skarga permanecerem a principal fonte de renda, as doações de indivíduos particulares cresceram dramaticamente.

Em 2017, a receita do KKI de doações privadas era insignificante. Em 2018, já estava acima de 15 mil euros (R$ 95,5 mil) e, em 2019, registrou um recorde de 58 mil euros (R$ 370 mil). Os relatórios financeiros do KKI não revelam a natureza das doações. Mas a organização copia o "modus operandi" da rede Skarga.

O KKI declara que "deu como presente" 5.000 rosários de Fátima e distribuiu 18 mil calendários de "366 dias com Maria" durante 2019. A organização também distribuiu 18 mil panfletos intitulados "Por que as uniões homossexuais não são casamentos", incluindo 900 cópias "doadas" a escolas lituanas não especificadas. Stankevicius confirma que sua instituição usa o mesmo modelo de arrecadação de fundos que as organizações Skarga: "Estamos trabalhando para aumentar nossos números, mas no momento contamos com 18 mil (doadores)".

Stankevicius confirmou que todos os produtos distribuídos aos doadores do KKI são feitos na Polônia. Ele também admite que o KKI recebeu da rede Skarga treinamento profissional para arrecadação de fundos.

4.

Vilnius fica situada quase na metade do caminho entre Cracóvia e Tallinn, a capital da Estônia. Assim como os membros lituanos do KKI, Varro Vooglaid e Markus Järvi também foram a Cracóvia para receber treinamento em arrecadação de fundos em 2012. Poucos meses antes, eles fundaram a Fundação Estoniana para a Proteção da Família e Tradição (Saptk). Eles aprenderam na Fundação Skarga como coletar doações individuais.

Católicos devotos, Vooglaid, um advogado, e Järvi, um teólogo formado em Roma, estabeleceram a Saptk em 2011 para lutar contra a ratificação da Lei de Parceria Registrada, que regula as uniões de mesmo sexo.

A ideia da Saptk foi proposta a eles por indivíduos afiliados ao TFP, incluindo Valdis Grinsteins, um venezuelano com raízes letãs que vivia na Polônia, um ativista de longa data do TFP e membro do comitê de auditoria da Associação Skarga, e possivelmente também Olejniczak. Este último se tornou membro do conselho da Saptk "para melhor protegê-la de ataques domésticos", juntamente com Paul Herzog von Oldenburg, um duque alemão e representante da Fédération Pro Europa Christiana, da França (hoje, tanto Olejniczak e Von Oldenburg não estão mais afiliados formalmente à Saptk).

Em maio de 2013, Olejniczak, como representante da Saptk, comentou sobre a primeira campanha bem-sucedida da organização estoniana, que conseguiu coletar 38 mil assinaturas contra o projeto de lei de casamento de mesmo sexo. "A campanha de petição foi a maior e mais bem-sucedida coleta de assinaturas já realizada no país, com 580 mil lares contrários à mudança proposta na lei", ele alegou.

A Fundação Skarga enviou dinheiro três vezes à organização estoniana: 40.500 euros (R$ 258 mil) em 2012, para criação da Saptk; 105.779 euros (R$ 674 mil) em 2013, para campanhas e publicações; e 13 mil (R$ 83 mil) euros em 2016.

A Saptk se saiu muito bem na arrecadação de fundos graças ao treinamento que recebeu. A organização se orgulha de ser uma das mais independentes na Estônia, devido aos seus doadores.

Surpreendentemente, ela coleta valores de doação comparáveis aos dos maiores partidos políticos. Duas vezes por ano, milhares de doadores pagam pequenas somas, que totalizam até 400 mil euros (R$ 2,55 milhões) em receita anual. Quem são esses doadores? Segundo representantes da Saptk, a maioria dos doadores é composta de "pessoas comuns da classe trabalhadora, apesar de também haver algumas empresas e apoiadores mais ricos". Mas não dispomos de detalhes ou nomes.

Ao longo dos anos, a Saptk tem lutado contra o aborto, clubes de striptease, a aceitação de casamentos gays realizados no exterior e várias leis relacionadas à casamento e liberdade de expressão. Ela conta com um site, objektiiv.ee, que promove uma forte agenda tradicional, e apoia os governos húngaro e polonês.

Os líderes da organização estoniana planejam expandir em 2021. Eles estão à procura não apenas da compra de um prédio, mas também da construção de um novo estúdio de mídia e do lançamento de Academias Conservadoras para homens jovens.

Mas primeiro, a Saptk planeja estabelecer uma filial estoniana do Ordo Iuris, para lobby e litígios estratégicos. Sem causar surpresa, esse plano foi inspirado pelo sucesso do Ordo Iuris polonês (que também foi cofundado pela Fundação Skarga), com sua mais recente campanha contra os direitos de aborto, que podem ter influenciado o Tribunal Constitucional polonês a recentemente proibir o abordo quase totalmente.

O momento do lançamento foi cuidadosamente escolhido: no segundo trimestre de 2021, será realizado um referendo para mudança da Constituição da Estônia. A pergunta envolve o casamento como sendo uma união entre um homem e uma mulher. Ativistas conservadores defendem fortemente a inclusão desta definição na Constituição. Eles acreditam que repetirão o sucesso do Ordo Iuris na Polônia.

5.

Poucos dias antes do Natal na Eslováquia, outro país vizinho da Polônia, um porta-voz da Conferência dos Bispos Eslovacos (o corpo mais importante da Igreja Católica) fez uma declaração inesperada. Alertando para informação enganosa publicada por oito sites, ele recomendou fortemente "que as pessoas devem ter cuidado ao lerem os sites e pensarem que a informação é digna de ser compartilhada". Um dos sites é o christianitas.sk da Foundation Slovakia Christiana.

"Há numerosas mentiras sobre assuntos da igreja", explicou um analista sobre o assunto na Eslováquia, Imrich Gazda. "Durante a primeira onda da pandemia, esses sites eram contrários à decisão dos bispos de entregarem a comunhão na mão, depois espalharam boatos sobre a vacinação contra covid", acrescenta Gazda.

Slovakia Christiana, editora do christianitas.sk, é uma filial da Fundação Skarga. A organização eslovaca foi fundada em agosto de 2016, e como declara em seu site, é "inspirada pelo movimento TFP na proteção das tradições da civilização cristã", e "defende a não alteração dos ensinamentos da Santa Igreja e do entendimento natural de casamento e família".

O administrador da Fundação Eslovaca Martin Komár ameaçou nos processar quando o ICJK (Centro Investigativo Jan Kuciak, em português) perguntou por que eles apoiaram o parecer do Ordo Iuris a respeito do aborto apresentado ao Tribunal Constitucional polonês. Quando o procuramos poucas semanas depois para perguntar sobre dezenas de milhares de euros provenientes da Polônia e de doadores particulares que fluíram para o Slovakia Christiana desde seu lançamento, ele sugeriu que fizéssemos contato com o ex-chefe da organização ou o Instituto Skarga, dizendo que ocupava a cadeira administrativa há pouco tempo para saber (desde julho de 2020).

O ex-diretor-geral do Slovakia Christiana, Vladimir Kruzik, confirma seus laços com a TFP internacional. "Durante meu trabalho, nós nos reunimos com pessoas de outras organizações na Polônia e Croácia em vários seminários e treinamentos", diz Kruzik, que é bem-conhecido nos círculos conservadores eslovacos por sua candidatura fracassada em várias eleições pelo partido Movimento Democrata Cristão (KDS). Um cidadão tcheco, Kruzik é membro da câmara municipal do vilarejo eslovaco de Sobotiste.

O Slovakia Christiana é ativo na defesa de valores conservadores e organiza conferências a respeito de Fátima, onde companheiros "cruzados", como o ativista irlandês da TFP, Damien Murphy, Arkadiusz Stelmach (um membro das organizações Skarga e do conselho diretor do Slovakia Christiana) e o padre polonês Dariusz Oko, conhecido por suas declarações anti-LGBTQ, se encontram para compartilhar suas opiniões.

Não muito conhecida até 2018, a organização eslovaca ganhou projeção pela primeira vez quando organizou uma petição contra a marcha dos demônios, chamada Crampus, na cidade de Piest'any. A tradição das marchas dos demônios se originou nos Alpes austríacos e, em 2017, 10 mil pessoas participaram da parada eslovaca. Um ano depois, mais de 13 mil pessoas assinaram a petição do Slovakia Christiana contra a marcha.

Apesar de sua influência limitada, o Slovakia Christiana se tornou extremamente bem-sucedido em arrecadação de fundos. Em 2019, ele gastou quase 650 mil euros (R$ 4,1 milhões) em suas atividades. Isso ocorreu três anos após ser fundado, com uma doação de 11 mil euros (R$ 70 mil) pelo Instituto Skarga (a fundação polonesa que também forneceu o capital inicial de 7 mil euros [R$ 45 mil]). Em 2017, a organização polonesa enviou 40 mil euros (R$ 255 mil) para sua divisão eslovaca e livros no valor de 77 mil euros (R$ 490 mil). Na época, o Slovakia Christiana conseguiu arrecadar quase 330 mil euros (R$ 1,9 milhão) de doações particulares. Um ano depois, o valor cresceu para 695 mil euros (R$ 4,47 milhões).

"Graças ao fato de termos uma arrecadação de fundos bem-sucedida, muitas pequenas doações de 2, 5, 10 euros (R$ 12,70, R$ 32 e R$ 64), de um grande número de apoiadores, ela realmente funciona", comentou Kruzik sobre a receita da organização.

Em 2019, o Slovakia Christiana abriu sua editora e, há poucas semanas, um novo site de comércio eletrônico. O site oferece um livro: "Em Defesa de uma Lei Superior" (sem autor), com esta descrição: "a causa substancial das vitórias impressionantes conseguidas pelo movimento homossexual não deriva de sua força, mas, sim, de nossa fraqueza. Essa fraqueza é resultado de um esforço gradual, de décadas, de turvar a linha entre o bem e o mal".

Além dos livros, a Christianashop vende uma medalha "Mãe de Deus", que é usada em arrecadações voluntárias de fundos pela Foundation Slovakia Christiana.

"Com certeza não é certo que o mesmo tipo de atividade, isto é, a venda de itens promocionais, seja realizada pela fundação, com sua renda sendo declarada isenta de tributação, enquanto uma empresa que obteve licença comercial tem sua renda tributada", comenta Jaroslava Lukacovicová, consultora fiscal.

De qualquer forma, o modelo criado pelo grupo Skarga também revelou ser bem-sucedido na Eslováquia.

6.

Mas esse modelo de financiamento não funcionou tão bem em Budapeste, a apenas 2 horas de carro de Bratislava. A TFP Húngara (Fundação Húngara para a Civilização Cristã) foi criada pela Associação Skarga em 2015, poucos meses depois de vários membros de um grupo monarquista húngaro terem sido convidados para a escola de verão 2014 da TFP na Polônia. A Skarga Association forneceu um investimento de capital inicial de 10 mil euros (R$ 64 mil), e Olejniczak, juntamente com Stelmach, juntou-se ao conselho fiscal.

"Os senhores poloneses tinham um conceito exato para a fundação", explica por telefone o líder da organização, Balázs D. Fekete, professor de história em uma escola católica, ativista antiaborto e defensor inflexível do restabelecimento do governo monárquico em Hungria.

Em 2016, a fundação húngara co-organizou uma manifestação anti-aborto em frente à embaixada polonesa em Budapeste, onde a "segurança" foi fornecida pela organização militante de extrema direita Betyársereg. Também apresentou uma palestra de José Antonio Ureta intitulada "A Crise da Civilização Ocidental e a Resolução Católica". A palestra abordou a tese de Alexandr Dugin, um ideólogo do Kremlin.

A pandemia covid-19 adiou vários eventos planejados pela fundação húngara para 2020, incluindo a exibição de um filme sobre Nossa Senhora de Fátima em todo o país. A primeira exibição seria realizada em outubro de 2020, durante os Dias Culturais Poloneses anuais em Budapeste, financiados pelo governo polonês e também com o apoio da Fundação Skarga.

Em 2020, foi lançado o site Pannonia Christiana (registrado pela Associação Skarga), pedindo doações à conta bancária da fundação húngara. Ele solicita aos visitantes que façam doações à fundação húngara, fornecendo as informações de sua conta bancária para esse fim. Ao contrário dos outros membros da rede, a organização húngara nunca conseguiu arrecadar quantias significativas de dinheiro de doações. De acordo com Fekete, há muitos concorrentes diretos na Hungria, onde o governo do primeiro-ministro Viktor Orbán e seu partido, Fidesz, abraçaram o ultraconservador.

Como descobrimos a partir de seus documentos, os membros da TFP húngara discutiram suas atividades planejadas em um encontro em 2017. Além do aluguel de um novo apartamento, eles queriam manter "contato semanal com a TFP polonesa e reuniões regulares conjuntas de formação com visitantes da TFP dos grupos húngaros, eslovacos e croatas".

7.

Agora vamos para Zagreb, a capital da Croácia.

Na véspera de 13 de outubro de 2020, uma estranha procissão com uma cruz e uma imagem de Nossa Senhora passou pelo centro da cidade. Era o último dia da Aparição de Fátima e algumas poucas dezenas de orações, puxadas pelo ativista conservador John Vice Batarelo, eram feitas na praça de São Marcos, onde ficam situados os prédios do governo e do Parlamento, pelos "pecados dos líderes do povo".

Batarelo, um australiano de origem croata, é o líder da Vigilare, uma conhecida organização na Croácia que luta contra os direitos LGBTQ e aborto, e promove valores conservadores. Menos conhecido do público croata é o fato de que são na verdade duas organizações, a ONG Vigilare e a Fundação Vigilare. A segunda foi criada em 2016 pela Associação Skarga, que investiu 5.400 euros (R$ 34 mil) e colocou seu pessoal (incluindo Olejniczak e Grinsteins, que já supervisionavam a Saptk estoniana) no conselho supervisor, e pela ONG Vigilare, uma organização sem fins lucrativos estabelecida 5 anos antes (que investiu 100 euros [R$ 637]).

Apesar de nos últimos 2 anos a Vigilare não ter sido muito presente em público, sua receita permanece alta, assim como sua influência. Segundo relatórios financeiros, de 2016 a 2019, a organização arrecadou um total de mais de 2.646.202 euros (R$ 16,8 milhões), em grande parte por meio de doações de cidadãos privados (e essas quantias cresceram de 293.894 euros [R$ 1,9 milhão] em 2016 para 761.170 euros [R$ 4,9 milhões] em 2019).

O modelo de arrecadação de fundos não causa surpresa. A Vigilare envia e-mails com um pedido de doação de dinheiro. Ela também publica e vende livros ultracatólicos, calendários, medalhas e rosários.

Mas com a mudança do contexto político e um novo governo de inclinação de direita, mais moderado, há menos interesse do público nas atividades da Vigilare. Em 2019, a organização nem mesmo realizou a famosa Tradfest, sua conferência anual, na qual ativistas conservadores de todo o mundo se reuniram de 2016 a 2018. Entre os oradores internacionais do festival estavam Olejniczak (2016), Aleksander Stepkowski (ex-chefe do Ordo Iuris na Polônia, atualmente juiz da Suprema Corte polonesa e candidato não oficial à cadeira de juiz da Corte Europeia de Direitos Humanos), Jerzy Kwasniewski (2017, 2018) e Tymoteusz Zych (2018).

Kwasniewski e Zych também são membros do conselho supervisor da fundação Ordo Iuris croata, fundada em maio de 2019 pela Fundação Vigilare e pelo Ordo Iuris polonês. Igualmente, Olejniczak e Stelmach são membros do conselho supervisor da Fundação Vigilare.

Além disso, a Associação Skarga doou dinheiro para a Fundação Vigilare em 2017 e 2019. Não sabemos os valores exatos, mas segundo relatórios anuais, a organização croata recebeu do exterior 95.041 euros (R$ 606 mil) em 2019 e 9.841 euros (R$ 63 mil) em 2017. Apenas no ano passado, ela gastou 137.546 euros (R$ 878 mil) em "serviço intelectual".

Nós tentamos perguntar sobre a quantidade significativa de doações individuais e sobre os doadores estrangeiros desconhecidos, mas a Vigilare se recusou a comentar. Quando telefonamos, ela pediu que as perguntas fossem enviadas por e-mail, mas elas nunca foram respondidas.

A fundação croata tem o mesmo logo que a TFP: um leão em um fundo vermelho, e está listada no site americano da TFP como uma organização parceira. A herdeira dos ativos da Vigilare (em caso de liquidação) é a Stichting Civitas Christiana da Holanda (onde Caio Xavier da Silveira serve como tesoureiro).

Já sabemos que bandeiras da Stichting Civitas Christiana, impressas pela TFP americana, tremulavam nas Marchas pela Vida em Washington. Mas há algo mais a aprender quando lemos os documentos sobre esta organização holandesa no registro Fara (sigla da Lei de Registro de Agentes Estrangeiros): "Além das contribuições de numerosos doadores holandeses e vendas para estes, esta entidade estrangeira foi financiada durante os anos de 2015 a 2017 por subsídios da Fundacja Instytut Edukacji Spolecznej i Religijnej im. Ks. Piotra Skargi".

Vamos permanecer por um momento em Washington, onde a TFP americana (a Fundação por uma Civilização Cristã) tem seu escritório. E onde o sr. Mario Navarra da Costa, um antigo diretor do birô, reside como "Membro Plinio Corrêa de Oliveira". Quais são suas responsabilidades?

Segundo o registro Fara, em 2017 ele "tentou sem sucesso marcar uma reunião informal com funcionários da Casa Branca em nome de um político estrangeiro". Este seria Davor Stier, um conhecido político conservador na Croácia, próximo da Vigilare. "O propósito da reunião era fortalecer o político estrangeiro e ajudar a estabelecer a Croácia como uma influência conservadora, pró-família, na União Europeia."

Surpreendentemente, na época em que Navarro tentou marcar uma reunião em prol dele, Stier não era apenas o ministro das Relações Exteriores, mas também vice-primeiro-ministro da Croácia. Logo, por que tentaria organizar uma reunião por meio de um representante da TFP?

"Eu não sei. Realmente não me recordo disso", disse Davor Ivo Stier quando o contatamos. Ele nos assegurou que desconhecia a Fundação por uma Civilização Cristã ou a suposta tentativa de organizar uma reunião a seu favor na Casa Branca. O Ministério das Relações Exteriores da Croácia respondeu às nossas perguntas dizendo que não havia registros de tais atividades.

8.

No final de 2019, cerca de uma dúzia de novos sites afiliados à Associação Skarga foram criados na Polônia, incluindo o koscioldlaciebie.pl, onde lemos:

"Nosso patrono Piotr Skarga era famoso por combater ferozmente os hereges e proteger a fé como líder da contrarreforma polonesa. Da mesma forma, nossa organização é frequentemente atacada e chamada de fraudulenta, o que não é verdade. Por que uma organização como esta enganaria, quando nem mesmo tem lucro por ser uma organização sem fins lucrativos? Uma das formas de nos atacar é nos acusar de ligações com outras organizações. O que ignoram é que todas as organizações são independentes e financiadas por outras fontes."

Quão bem-sucedida em arrecadação de fundos revelou ser a rede da Comunidade Econômica Europeia? Segundo danos financeiros que analisamos, em 2019, as organizações na Comunidade Econômica Europeia ligadas ao grupo Skarga da Cracóvia coletaram mais de 2 milhões de euros (R$ 12,8 milhões) em quatro países (Lituânia, Estônia, Croácia e Eslováquia). Além disso, a Associação Skarga da Cracóvia coletou 6,3 milhões de euros (R$ 40,2 milhões) em doações da Polônia.

"As organizações TFP polonesas parecem ter assumido a liderança dentro do movimento à medida que expandiam a franquia para a Croácia, Estônia, Holanda, Eslováquia e Suíça. (...) Essas novas organizações TFP se tornaram agentes chave, às vezes líderes, nas campanhas antigênero na Europa", escreveu Neil Datta em sua reportagem sobre "Os Cruzados Modernos na Europa".

No final de maio de 2019, Olejniczak e o restante do conselho do Instituto Fundação Piotr Skarga foram demitidos por membros de seu conselho, em especial, por Caio Xavier da Silveira e Mathias von Gersdorff. Eles foram substituídos por militantes fiéis ao movimento, como Fernando Antunez, um membro quase vitalício da TFP brasileira e ativista do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira, em São Paulo.

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Fernando Antunez Aldunate (à esq.) e Jedrzej Stepkowski, novos diretores da Fundação Skarga, na Polônia, participam da Marcha pela Vida e pela Família realizada em outubro deste ano, em Varsóvia
Imagem: Reporter's Foundation

Foi assim que o racha na rede TFP teve início. O grupo da Cracóvia transferiu os ativos poloneses (incluindo imóveis e um banco de dados de doações) da fundação para a associação que ainda está sob controle do antigo conselho (o grupo de Olejniczak). Desde então, a associação também assumiu o apoio à sua rede na Comunidade Econômica Europeia.

Em 2019, a organização polonesa enviou outros 296.425 euros (R$ 1,9 milhão) para organizações satélites que apoia, incluindo o Krikscioniskosios Kulturos Institutas e a Fundação Vigilare. Segundo documentos analisados pela Siena.It., as mudanças de propriedade na organização lituana também espelham o conflito entre brasileiros da TFP e seus antigos camaradas na Polônia.

"Fomos movidos pelo desejo de salvar uma missão contrarrevolucionária na Polônia e no Leste Europeu da drenagem financeira excessiva e potencialmente perigosa por parte do dr. Caio e do sr. Fernando Antunez", explicou Olejniczak sobre essas operações no e-mail enviado aos membros do TFP, que obtivemos com exclusividade . "In Jesu et Maria", finalizou Olejniczak, agora encarregado de uma rede autônoma, pós-TFP, em uma cada vez mais conservadora Europa Central e Oriental.

*Contribuíram para o artigo: Dennis Mijnheer (Holanda), Michael Nikbakhsh (Áustria)

A produção desta investigação foi apoiada por bolsa da Jornalismo Investigativo para a Europa.