Advogado da família de George Floyd dá bolsas de estudo e quebrou barreiras
Acusado de matar George Floyd em 25 de maio de 2020, o ex-policial Derek Chauvin teve o julgamento retomado nesta segunda-feira (29), em Minneapolis (EUA), após a seleção do júri demorar mais de 20 dias.
Do lado da família de Floyd, está Benjamim Crump, advogado que se notabilizou por batalhas judiciais contra agentes de segurança que cometem abusos.
Sua primeira vitória neste caso foi conseguir um acordo civil para a cidade de Minneapolis pagar uma indenização de US$ 27 milhões aos familiares da vítima.
O que matou George Floyd foi uma overdose de força excessiva.
Ben Crump, advogado norte-americano
O ex-policial Chauvin foi filmado ajoelhado sobre o pescoço de Floyd por quase nove minutos, enquanto o detido, já algemado, se queixava 20 vezes de falta de ar. A abordagem servia para checar se Floyd tinha passado uma nota falsa de US$ 20. Após o vídeo ir ao ar, manifestações tomaram as ruas dos EUA, mobilizando protestos similares por várias cidades do mundo.
Chauvin é acusado de homicídio doloso (com intenção de matar), homicídio culposo (sem intenção) e assassinato de terceiro grau (lesão corporal seguida por homicídio). Se for condenado pelos três crimes, a pena máxima é de 75 anos de prisão.
Outros três oficiais envolvidos na prisão de Floyd, Alexander Kueng, Thomas Lane e Tou Thao, enfrentam acusações menores e passarão por outro julgamento. Os quatro envolvidos no caso foram demitidos pelo Departamento de Polícia de Minnesota.
Para o sociólogo Wescrey Portes, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), a figura de Crump "potencializa a comoção pública" em torno do caso, já turbinada pelas manifestações, "uma condição umbilical desse processo".
Luta por justiça racial em casos famosos
Nascido e criado em Lumberton, Carolina do Norte, Crump é o mais velho de nove irmãos. Casado, é pai biológico de uma menina e adotivo de outras duas crianças.
Graduado em direito na Universidade do Estado da Flórida, é reconhecido por defender casos envolvendo pessoas negras e agentes das forças policiais dos EUA.
Em 2006, atuou no caso de Martin Lee Anderson, que morreu aos 14 anos enquanto estava sob custódia no Centro de Detenção Juvenil, na Flórida, que aplicava treinamento militar a jovens infratores.
Internado dois dias antes do incidente por ter dirigido o carro da avó sem permissão, o adolescente morreu asfixiado. Foi espancado por guardas após desmaiar em uma sessão de exercícios físicos forçados. A repercussão da morte de Anderson resultou no fechamento de todos os centros para menores infratores da Flórida.
Crump também trabalhou no caso de Trayvon Martin. Em 2012, o jovem de 17 anos foi alvejado enquanto voltava para a casa do pai pelo vigilante George Zimmerman, que o perseguiu sob a suspeita de que seria o autor de furtos na Flórida. Atirou em Martin pelas costas, mas alegou legítima defesa. No ano seguinte, foi inocentado.
Um desfecho diferente teve o caso de Jannie Ligons, uma das várias mulheres negras que acusaram o ex-policial Daniel Holtzclaw de abuso sexual na cidade de Oklahoma. Em 2016, Holtzclaw foi declarado culpado de 18 das 36 acusações de violência sexual. Foi condenado a 263 anos de prisão.
Como o precedente é muito relevante na lei dos EUA, a ideia de ter um advogado ativista é muito marcante. Não é apenas a lei federal ou do estado que vai fazer um caso ser julgado de uma forma ou de outra. Por lá, eles levam muito em consideração a atuação, o precedente que vai ser criado naquele estado, naquela região e para aquela situação.
Gabriel Prado, advogado que acompanha questões raciais nos EUA
Prado explica que o contexto em que o julgamento está inserido nos Estados Unidos é diferente, assim como a figura do advogado e o que ele representa: "Aqui no Brasil, o advogado representa as partes. Nos Estados Unidos, o advogado representa o sentimento da população e da comunidade. Ele precisa ser uma pessoa alinhada com o pensamento da opinião pública. A comunidade norte-americana já conhece o trabalho e os livros dele, e a população já viu a atuação dele em outros casos emblemáticos".
Financiador de bolsas e premiado
Fora dos tribunais, Crump já quebrou barreiras em várias organizações.
Ele foi o primeiro afro-americano a se tornar presidente da Federal Bar Association, associação que define as regras para o exercício profissional da advocacia nos EUA, trabalho semelhante ao da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Ele também foi o primeiro negro a integrar a Diretoria da Faculdade de Direito da Universidade da Flórida.
Crump está envolvido na formação de novos profissionais na área do direito dentro de sua comunidade na Flórida. Ele financia bolsas de estudo para estudantes de minorias em quatro instituições de estudo (Faculdade Livingston, Universidade Estadual da Flórida, Universidade A&M Flórida e Universidade Cookman Bethune).
Além disso, é presidente e fundador de um programa de mentoria para pais reconhecido pela Fundação Obama, do ex-presidente Barack Obama.
Por seu trabalho na busca pelos direitos civis das minorias, já foi incluído na lista dos "100 Melhores Advogados em Julgamentos Nacionais" e recebeu prêmios associados à promoção dos direitos humanos.
Julgamento histórico
"O caso do George Floyd tem um elemento de jurisprudência novo: a filmagem. É uma prova que foi alastrada e compartilhada ao redor do mundo. Vai ser uma luta da defesa do policial para descaracterizar a filmagem e a da conduta tomada ali", diz Prado.
O escritório do Procurador-Geral do Estado de Minnesota convocou Neal Katyal, um ex-procurador-geral interino para ajudar com a acusação. Katyal descreveu o julgamento de Chauvin como um "caso criminal histórico, um dos mais importantes da história".
O julgamento não tem plateia devido à covid-19, mas está sendo televisionado. O prédio onde está sendo realizado foi cercado por barreiras de concreto e cercas de arame farpado.
No primeiro dia após a retomada do julgamento, milhares de pessoas protestaram diante do tribunal. A multidão mantinha silêncio, quebrado apenas para repetir: "Se não há justiça, não há paz". Cartazes erguidos pelos manifestantes também destacavam as últimas palavras de Floyd antes do assassinato: "Não consigo respirar".
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