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42 dias de protestos, 51 mortos: entenda os atos contra Duque na Colômbia

Anaís Motta

Do UOL, em São Paulo

09/06/2021 22h33Atualizada em 09/06/2021 23h01

Um projeto — já descartado — de reforma tributária deu início a uma onda de protestos na Colômbia que já dura mais de um mês. O que começou com uma revolta contra a proposta de aumento de impostos para a classe média, já tão afetada pela pandemia, se transformou em um levante popular contra o presidente Iván Duque, com manifestações diárias e confrontos violentos entre civis e policiais.

Desde 28 de abril — data do primeiro ato — até o último domingo (6), 51 pessoas foram mortas, segundo o Ministério Público colombiano. Destes homicídios, 21 estão diretamente relacionados aos protestos, e outros 19 estão em verificação. Há ainda 91 pessoas desaparecidas.

As manifestações continuam, agora contra a desigualdade econômica, o desemprego e a violência policial — também presente nos protestos. Mais cedo, a ONG Human Rights Watch denunciou "abusos gravíssimos" por parte da polícia colombiana, que, segundo a entidade, estaria envolvida em pelo menos 20 mortes. Em 16 casos, continua a HRW, a polícia atirou para matar.

"A Human Rights Watch obteve evidências críveis que indicam que a polícia matou pelo menos 16 manifestantes ou transeuntes com munição letal disparada por armas de fogo. A grande maioria deles teve ferimentos em órgãos vitais, como no tórax e na cabeça, que as autoridades judiciais disseram ser consistentes com a intenção de matar", disse a ONG em relatório divulgado hoje.

As violações de direitos humanos cometidas pela polícia na Colômbia não são incidentes isolados cometidos por policiais indisciplinados, mas sim o resultado de falhas estruturais. (...) É necessária uma ampla reforma que separe claramente a polícia das Forças Armadas e garanta supervisão e responsabilização adequadas.
José Miguel Vivanco, diretor da divisão Américas da HRW

Entenda, ponto a ponto, a onda de protestos na Colômbia:

Reforma tributária

Responsável por levar milhares de colombianos às ruas, o projeto de reforma tributária apresentada pelo governo de Iván Duque previa cobrar imposto de renda daqueles que ganham mais de 2,4 milhões de pesos por mês (cerca de R$ 3.370) a partir de 2022 e daqueles que ganham mais de 1,7 milhão de pesos (R$ 2.390) em 2023.

A proposta também contemplava a cobrança de IVA (Imposto sobre Valor Agregado), que é de 19%, sobre as tarifas de energia pública, água e esgoto e serviços de gás residencial para os mais ricos, o que gerou uma ampla rejeição nacional.

Duque pretendia arrecadar 23,4 trilhões de pesos colombianos (R$ 32,9 bilhões) com a reforma, o que, segundo o governo, melhoraria a situação das finanças e garantiria continuidade aos programas sociais para os mais pobres. Mas, diante da revolta generalizada, o presidente mandou retirar o projeto em 2 de maio, quatro dias depois do primeiro protesto.

A situação ainda levou à renúncia de seu ministro da Fazenda, Alberto Carrasquilla, no dia seguinte.

Economia fragilizada

Em 2020, o PIB (Produto Interno Bruto) da Colômbia — a quarta maior economia da América Latina — encolheu 6,8%, seu pior desempenho em meio século. O desemprego ficou em 15,1% em abril, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (Dane), e 3,5 milhões de pessoas caíram na pobreza em meio à crise econômica causada pela pandemia.

Desde março do ano passado, o país de cerca de 50 milhões de habitantes já soma mais de 3,6 milhões de casos confirmados e 93,473 mortes pela covid-19, de acordo com balanço da Universidade Johns Hopkins.

A vacinação também está longe de beneficiar grande parte da população, e há inúmeras denúncias de fraude e irregularidades na campanha. Na Colômbia, não existe um sistema público como o SUS (Sistema Único de Saúde) do Brasil, e cada cidadão é obrigado a ter um plano de saúde — outro fator que motiva os protestos.

Até segunda-feira (7), 16,24% dos colombianos haviam tomado pelo menos uma dose da vacina, segundo dados da plataforma Our World in Data. Os que tomaram as duas doses — e, portanto, estão devidamente imunizados — somam 6,82%.

Principais demandas

Hoje, um mês e meio após o início dos protestos, destacam-se duas demandas principais: um Estado mais digno, que ofereça serviços públicos de qualidade, e o fim da repressão policial, assunto que entrou na mira da comunidade internacional e motivou uma visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ao país nesta semana.

A maioria das manifestações acontece de forma pacífica, embora tenham sido registrados confrontos entre civis e policiais e atos de vandalismo em estações de metrô, bancos e outros estabelecimentos comerciais.

O governo colombiano abriu diálogo com a frente mais visível dos protestos em 16 de maio, mas as duas partes ainda não chegaram a um acordo. Líderes sindicais e estudantis exigem segurança para se manifestar, enquanto as autoridades pedem a suspensão dos bloqueios de estradas, que vêm causando desabastecimento e perdas milionárias em pontos como Buenaventura, principal porto banhado pelo Pacífico.

Os bloqueios são uma ameaça aos direitos de todos os colombianos. Ninguém pode, para reivindicar direitos, afetar os direitos do outro.
Iván Duque, em entrevista à Blu Radio

Com o fracasso nas negociações entre governo e manifestantes, os atos — convocados pelas redes sociais — devem continuar. "Até que o governo nos escute, temos que ficar nas ruas", disse à Reuters Alejandro Franco, 23. "Se o povo não tiver paz, o governo também não terá".

(Com informações de AFP, EFE, Reuters e RFI)