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Biden: 'EUA não podem estar em uma guerra na qual nem afegãos querem lutar'

Do UOL*, em São Paulo

16/08/2021 17h12Atualizada em 16/08/2021 19h52

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, admitiu hoje em pronunciamento que o Taleban tomou o poder no Afeganistão mais rápido do que o previsto, mas que as tropas norte-americanas não devem lutar uma guerra na qual os próprios afegãos não querem continuar e que não se arrepende de suas decisões.

"A verdade é que o [governo do] Afeganistão caiu mais rápido do que pensávamos. Os líderes afegãos desistiram e fugiram. As forças afegãs colapsaram", disse.

Os desenvolvimentos da última semana reforçam que encerrar o envolvimento dos militares americanos no Afeganistão agora era a decisão certa. As tropas americanas não devem nem podem continuar lutando e morrendo em uma guerra que as tropas afegãs não estão dispostas a lutar por si próprias.

Essa é a primeira vez que o presidente dos EUA se manifesta sobre o assunto. Ele passou o fim de semana em Camp David, a casa de férias presidencial, e antecipou o retorno para falar à imprensa. Leia aqui os principais momentos do discurso de Biden.

Ontem, o Taleban tomou Cabul, a capital do Afeganistão, depois de conquistar as cidades adjacentes em uma campanha relâmpago sem muita resistência.

O grupo fundamentalista voltou ao poder depois de duas décadas, causando tumulto entre a população, que tenta deixar o país —imagens mostram as ruas da cidade congestionadas, e civis tentando escalar a parte externa de aviões na esperança de conseguirem sair.

As cenas caóticas geraram uma crise para a Casa Branca, cuja decisão de retirar as tropas do Afeganistão foi apontada como um dos motivos pela aceleração do avanço do grupo.

Biden afirmou que o país deu "todas as chances" ao país. "Nós gastamos mais de US$ 1 trilhão, treinamos o Exército afegão de 300 mil soldados fortes, incrivelmente bem-equipados [...]. Demos a eles toda ferramenta que poderiam precisar, pagamos salários, fizemos manutenções da Força Aérea. Demos todas as chances para que eles pudessem lutar pelo futuro deles", afirmou.

Se o Afeganistão não consegue fazer resistência ao Taleban, não há chance que em um ano, cinco, vinte anos, os americanos conseguiriam fazer ali alguma diferença.

'Força devastadora'

Biden advertiu o Taleban, dizendo que se o grupo atacar norte-americanos ou atrapalhar a operação, a resposta será "rápida e forte". "Defenderemos nosso povo com força devastadora, se necessário", falou.

Ele disse que a missão atual é retirar os americanos e aliados o mais rápido possível, e que assim que isso acabar, a guerra terá terminado.

Segundo ele, os EUA não começaram a evacuação antes da situação se tornar crítica por dois motivos. O primeiro, é que os afegãos não queriam deixar o país, porque ainda tinham esperança. O segundo, que o governo os dissuadiu de organizar um "êxodo em massa" para evitar criar uma "crise de confiança".

"As tropas americanas estão desempenhando essa missão tão profissional e efetivamente como sempre fazem. Mas não é sem risco", declarou.

'Sem arrependimentos'

Biden reafirmou que herdou o acordo para retirar as tropas americanas do Afeganistão do seu antecessor, Donald Trump, mas disse que essa é a decisão correta.

"Nós terminaremos a guerra mais longa dos EUA depois de 20 anos de banho de sangue", declarou. "Sejamos sinceros, a nossa missão no Afeganistão teve muitos erros. Eu sou o quarto presidente a assumir a guerra. Dois democratas e dois republicanos. E não vou passar essa responsabilidade para um quinto presidente".

Eu sei que a minha decisão será criticada, mas eu prefiro isso do que passar para o próximo presidente.

O democrata disse ainda que não existe uma hora ideal para a retirada dos soldados norte-americanos, razão pela qual a guerra se arrasta há tanto.

"Estou profundamente entristecido pelos fatos que encaramos agora. Mas não me arrependo da decisão de encerrar a guerra dos EUA no Afeganistão", disse, acrescentando que a situação no país do Oriente Médio é "profundamente pessoal" para ele.

Tumulto no aeroporto de Cabul, no Afeganistão - Reprodução - Reprodução
16.ago.2021 - Tumulto no aeroporto de Cabul, no Afeganistão
Imagem: Reprodução

Na última declaração pública, na última terça-feira (10), Biden disse não lamentar a decisão de retirar as tropas do país do Afeganistão até o final de agosto. No sábado, Biden anunciou, em nota, que enviaria mais de 5.000 soldados a Cabul para assegurar a evacuação de civis. Depois, anunciou mais mil.

Pílula amarga para Washington

A situação é encarada como o maior desafio de política externa para o governo Biden desde as eleições.

Todos os principais jornais americanos, incluindo os que receberam com alívio sua eleição em novembro passado, falam de "desastre" (CNN) ou de um Biden "na defensiva" (Washington Post).

"Justo ou injusto, a história lembrará que Joe Biden foi quem presidiu a humilhante conclusão da experiência americana no Afeganistão", após 20 anos de guerra, afirma o The New York Times.

Joe Biden estava decidido a retirar as tropas de seu país até o fim do mês e insistiu que não passaria esta guerra - a mais longa da história dos Estados Unidos - a outro presidente.

"Isto não é Saigon", afirmou ontem o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ao recordar a queda da capital vietnamita, em 1975, um momento doloroso para os Estados Unidos.

Mas a pílula é amarga para Washington, que não conseguiu construir um governo democrático capaz de resistir aos talebans, apesar do investimento de bilhões de dólares e do apoio militar durante duas décadas.

Combatentes do Taleban dentro do palácio presidencial do Afeganistão - Reprodução/Al Jazeera - Reprodução/Al Jazeera
Combatentes do Taleban dentro do palácio presidencial do Afeganistão
Imagem: Reprodução/Al Jazeera

Para dezenas de milhares de pessoas que buscaram refúgio em Cabul nas últimas semanas o sentimento era de apreensão e temor.

"Temo que aconteçam combates aqui. Prefiro retornar para casa, onde sei que já parou", declarou à AFP um médico de 35 anos que chegou à capital, com a família, procedente de Kunduz.

Quando governaram o Afeganistão, entre 1996 e 2001, os talebans adotaram uma versão extremamente rigorosa da lei islâmica.

Nas últimas semanas, os insurgentes prometeram que, se retornassem ao poder, respeitariam os direitos humanos, em particular os das mulheres, de acordo com os "valores islâmicos". Entretanto, nas áreas que conquistaram nas últimas semanas já foram acusados de violações.

Talibã toma Cabul e volta ao poder no Afeganistão

Trump pede a renúncia de Biden

A Casa Branca pretendia dedicar as próximas semanas a um projeto faraônico, aplicando aos Estados Unidos algumas medidas do estado de bem-estar europeu, com mais apoio para gastos médicos e universitários. Porém, o colapso do governo afegão e seu exército financiado por Washington rompe esse planejamento.

O silêncio do presidente democrata diante da angústia de muitos civis afegãos contrasta com a imagem de homem compassivo que ele costuma cultivar. A oposição republicana, até agora calada porque a opinião pública americana era majoritariamente favorável à retirada das tropas, se jogou contra o governo democrata pelo que considera uma humilhação para o exército americano.

O antecessor de Biden, o republicano Donald Trump, pediu sua renúncia, apesar de ter sido Trump quem decidiu a retirada definitiva das tropas americanas partir de 1º de maio de 2021, prazo prorrogado até 31 de agosto pelo governo democrata.

"O resultado no Afeganistão, incluindo a retirada, teria sido totalmente diferente se o governo Trump estivesse a cargo. A quem ou a o que Joe Biden se renderá em seguida? Alguém deveria perguntar se é possível encontrá-lo", afirmou o ex-presidente em nota nesta segunda-feira.

*Com informações da AFP